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Após o seu batismo na Igreja católica, ocorrido em janeiro de 1921, a filósofa Edith Stein (1891 – 1942) aprofunda os temas que havia estudado com o seu Mestre, o fenomenólogo Edmund Husserl, iluminando-os com a doutrina da Igreja e a Sagrada Escritura aos olhos da revelação cristã).
O tema da pessoa humana em sua estrutura constitutiva geral, seu processo de formação e sua vocação individual tornaram-se ainda mais importantes para essa filósofa judia convertida, que passou a lecionar na escola das dominicanas de Espira e aproveitar todo o seu tempo livre para ler os grandes autores do pensamento cristão. Entre 1926 e 1931, Edith Stein passa e a ser chamada para dar conferências na Europa sobre o papel e formação dos jovens e dos professores, especialmente no âmbito cristão católico, visando uma maior formação da mulher, ainda tão pouco reconhecida em sua dignidade.
Em 1931, deixa a escola das dominicanas para tentar, mais uma vez, ascender a uma cátedra universitária, mas é recusada por ainda por não haver, naquela época, o hábito de mulheres lecionarem na universidade. Mas, em 1932, Edith Stein é convidada a lecionar no Instituto de Pedagogia científica de Münster, um instituto de referência na formação de professores para toda a Alemanha. E é dada a ela a tarefa de se ocupar especialmente da formação feminina.
A influência de Edith Stein para os tempos atuais
Neste pequeno texto, iremos nos valer da preleção que Edith Stein fez para esse seu curso, em que visa apresentar bases antropológicas seguras, tanto no âmbito da razão natural quanto no da fé revelada, para fundamentar uma formação das mulheres que leve em consideração a sua estrutura comum com os homens, assim como as suas peculiaridades femininas. Apesar dessas bases seguras, nos assegura a autora que o que conta realmente é a singularidade de cada pessoa, a sua “nota pessoal”, formada por todas as suas potencialidades positivas e limitações, mas sempre querida e amada por Deus, desde o momento da criação. Esse seu modo original de olhar para a mulher será chamado por ela, preocupada em colocar-se em diálogo com os movimentos de sua época, de “feminismo católico” (STEIN, A Mulher, 1999, 183).
Neste Dia da Mulher do ano de 2024, praticamente um século depois desse escrito e conferência de Edith Stein, o que o seu feminismo católico teria a nos ensinar, mulheres cristãs católicas do início do século XXI?
Retornando no tempo, voltemos à primeira metade do século XX, no período entre as duas Guerras Mundiais, em um tempo em que a vocação da mulher e seu papel na sociedade começavam a ser analisados e questionados. Em sua prelação ao curso sobre a constituição e construção da pessoa humana, Edith Stein fala em nome do “movimento feminista católico”, que difere da proposta de um feminismo radical, cujas bases se originam do “idealismo alemão e do liberalismo ideológico e político” (STEIN, 1999, p. 183).
O essencial feminino
Por que, então, ela utiliza o termo “feminismo”, capaz de gerar tanta confusão? Aqui, temos um primeiro elemento do pensamento steiniano que pode nos auxiliar enquanto mulheres que procuram fundamentar um modo digno de exercer a própria feminilidade na sociedade atual: segunda Stein, é importante reconhecer as contribuições pioneiras valiosas do movimento feminista civil, especialmente em seus elementos moderados, tais como “no campo econômico, a criação de oportunidades de trabalho e de formação, nos campos político, jurídico e social, os primeiros passos para a participação da mulher; até mesmo na avaliação do casamento e da maternidade” (Ibid.).
Ao não aceitar a solução um tanto simplista de “jogar o bebê fora junto com a água do banho”, Edith Stein recupera o essencial que deve ser mantido para que o movimento feminista atinja os seus objetivos de elevar a mulher a uma dignidade semelhante a do homem, sem renunciar à sua peculiaridade. O conselho que ela nos dá permanece atual, mas infelizmente ainda pouco difundido e aprofundado nos dias de hoje: “O movimento feminista católico precisa fincar pé em seu próprio fundamento que é o da fé e de uma visão católica do mundo refletida em suas últimas consequências” (Ibid.).
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Em sua conferência de 12 de abril de 1928, sobre o valor da feminilidade para a vida do povo, proferida para a Associação das Professoras Católicas da Baviera, logo após ter passado a Semana Santa em profunda meditação e louvor a Deus na Abadia beneditina de Beuron, a doutora Stein aponta “o grande deslocamento sofrido pelo movimento feminista nos últimos anos” (STEIN, 1999, p. 280). Segundo ela, o movimento feminista, nos primeiros anos do século XX, começa pelo slogan da emancipação, visando “a eliminação dos laços que impediam a formação e a atividade profissional a mulher, abertura das alternativas de formação e das profissões reservadas (apenas) aos homens” (Ibid.).
Naquela época, tal movimento encontrou fortes resistências, sendo acolhido apenas, dentro do âmbito político, pela “extrema esquerda” – o que, de certa forma, ainda acontece hoje. Segue Stein em sua análise: o argumento que procurava invalidar as reivindicações femininas era o de que “o lugar da mulher é em casa!”, pois se elas saíssem para competir com os homens no campo de trabalho, acabariam por negar o seu “modo peculiar de ser mulher e a sua vocação natural” (STEIN, 1999, p. 281).
As feministas, no calor da luta contra aqueles que afirmavam que as mulheres não eram capazes de exercer as profissões masculinas, para se manterem fiéis aos seus ideais emancipatórios, chegaram até a “negar a peculiaridade feminina”. Segundo a autora, “com isso, excluía-se naturalmente a possibilidade de falar em valor próprio. De fato, o maior objetivo consistia em igualar a mulher ao homem, na maneira do possível, em todos os campos” (Ibid.).
A dignidade da mulher
Aqui, temos o segundo elemento steiniano importante para analisarmos o tempo em que vivemos e o modo como nos relacionamos com as questões sobre o valor e a dignidade da mulher. Acreditamos que foi esse deslocamento ocorrido no movimento feminista, tão bem analisado por Edith Stein, que conduziu ao que hoje nós conhecemos como a bandeira própria do feminismo, que se uniu à luta pelos direitos das minorias: a afirmação de uma igualdade de gênero com vista a uma “subversão da identidade” (BUTLER, Problemas de gênero. Feminismo e subversão da identidade. 1990/2015 – 9ª ed.). Se exclui assim a possibilidade de se falar de um valor própria da mulher, igualando-o ao do homem.
A solução para esse impasse que nos foi colocado, que nos joga para um dos dois lados de uma polarização que tende a negar ou a diferenciar totalmente o valor da feminilidade e o da masculinidade, é seguir o caminho proposto por Edith Stein em sua preleção sobre a formação das mulheres: o de fincar pé em seu próprio fundamento que é o da fé e de uma visão católica do mundo refletida em suas últimas consequências.
Vocação da mulher
E ela o faz em muitas de suas conferências, especialmente em uma intitulada: “A vocação do homem e da mulher, de acordo com a ordem natural e a da graça”, onde apresenta a vocação da mulher confrontando-a com a do homem, visto ambos terem sido criados por Deus, que os coloca “frente a frente” para um auxiliar o outro no cumprimento da tríplice tarefa de crescer e multiplicar-se, encher a Terra e sujeitá-la (Gn I, 26-29. Apud STEIN, 1999, p. 75). Apesar da queda, que modificou o modo como o homem e a mulher deveriam se relacionar entre si, Deus enviou o seu Filho único para nos salvar e restaurar a imagem originária que havia concebido em cada um deles na criação do mundo.
Convidamos as leitoras a buscar inspirar-se na leitura de Edith Stein, a fim de fundamentar um movimento verdadeiramente “feminista”, que se enraíze nas beleza de nossa fé e da visão católica do mundo. Podemos também utilizar como apoio os escritos da Professora doutora Angela Ales Bello, que se dedicou a aprofundar esse tema, desenvolvendo-o especialmente em seu livro: “Tutta colpa di Eva – Antropologia e religioni: dal femminismo alla gender theory”. Estamos trabalhando na tradução desse livre visando uma sua publicação para o público de língua portuguesa.
Bibliografia:
STEIN, Edith. “A Mulher: sua missão segundo a natureza e a graça”. Trad. Alfred J. Keller. Bauru, SP: EDUSC, 1999.
ALES BELLO, Angela. “Tutta colpa di Eva: Antropologia e religioni dal femminismo alla gender theory”. Roma: Lit Edizioni Srl – Castelvecchi, 2017.
BUTLER, Judith. “Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade”. Trad. Renato Aguiar – 9ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015.
Profª. Ms. Maria Cecilia Isatto Parise – Casada há 34 anos e mãe de dois filhos. Bacharel em filosofia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Mestre em História da Filosofia pela Universidade de Paris I – Panthéon/Sorbonne. Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Pesquisadora e membro do Grupo de Pesquisa Edith Stein e o Círculo de Gotinga (UNIFESP) e do Grupo de Estudos de Filosofia Fenomenológica em Edith Stein (GEFFES), da UFC.
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