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Em termos de sociedades anônimas, na última década, temos visto vários casos de responsabilidades civis decorrentes de má gestão, falhas no modelo de compliance e, sobretudo, a propalada governança corporativa, trazendo enormes prejuízos não apenas ao acionista minoritário investidor, mas à sociedade no modelo plural de proteção ao bom ambiente dos negócios.
Na contramão de toda essa realidade, o Governo Federal enviou o projeto de lei 2925/23 com o pretexto de aumentar os níveis de discernimento em relação ao mercado de capitais e expor com maior exatidão ações individuais, coletivas e as decorrentes da arbitragem.
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Entretanto, o fundamento desse projeto de lei é retirar da companhia toda e qualquer responsabilidade pelos atos praticados pelos administradores, incluindo-se controladores, conselho de administração e conselho fiscal, exceto na hipótese de oferta pública de aquisição ou distribuição de valores mobiliários.
O mercado de capitais brasileiro, apesar de ter experimentado um salto de qualidade, está em destaque por ser um dos mais distantes do crescimento e da segurança jurídica. Grandes falcatruas são praticadas à luz do dia: fraudes contábeis, de balanço, e tudo isso gera um sentimento de afastamento cada vez maior do investidor local e, seguramente, dos estrangeiros.
Dessa forma, grandes indenizações não poderão ser cobertas, ainda que haja seguro pelos controladores e administradores da companhia, principalmente no mercado global, com danos incalculáveis que afetam populações inteiras, meio ambiente, fauna e flora. Portanto, o mencionado projeto de lei, a pretexto de criar um estímulo ao minoritário, suprime de uma vez por todas a massa de ilicitude capitaneada pela má administração. Trata-se de uma responsabilidade decorrente da culpa “in eligendo” e “in vigilando”, a qual deveria repercutir, inclusive, e na maioria das vezes, na auditoria independente. A aprovação das demonstrações financeiras é apenas um registro formal interna corporis que não pode espalhar seus efeitos ou determinar a vedação de uma séria prestação de contas e impugnação pelos minoritários, que ao longo dos anos têm suprimido o direito de voz e voto nas companhias, ainda que mantenham um representante no corpo diretivo e participem das assembleias regularmente convocadas.
Não podemos acreditar, em sã consciência, que o Governo Federal proponha ao Congresso Nacional um verdadeiro retrocesso com a apresentação de um projeto cujas consequências serão deletérias, permeando uma blindagem das companhias sob o manto da segurança jurídica e uma total desproteção não apenas do minoritário, mas do mercado como um todo, o que servirá de estímulo para a prática de fraudes das mais variadas espécies.
A facilitação da propositura de ações para responsabilização dos administradores em hipótese alguma pode se desvirtuar do pomo da discussão e se revestir de caráter em que o prêmio é majorado, mas a companhia fica livre de qualquer sujeição à indenização do valor, no Brasil ou nas arbitragens feitas no exterior.
A realidade mostra casos emblemáticos envolvendo bilhões de reais, somas jamais cobertas pelo seguro em atenção aos administradores, de tal sorte que isso também irá desestimular a aceitação de cargos e colocará a empresa em um patamar de total ausência de paridade de armas.
Não se trata de preservação da empresa o fato de se excluir a responsabilidade da sociedade anônima, de tal sorte que o elo entre o corpo diretivo e a governança é o risco determinado pelo negócio e suas consequências. Basta elencarmos três casos que se tornaram referência: Petro, Vale e Braskem, sem mencionar o questionamento em torno das Americanas e tantas outras empresas que foram submetidas ao regime de recuperação judicial, com a manutenção em seus quadros dos administradores responsáveis pelos prejuízos de grande monta.
É possível ver, portanto, que o projeto é um sensível golpe para os minoritários e o mercado. Ele visa reaglutinar ações e dificultar movimentos isolados para prestigiar demandas coletivas e também aquelas de natureza arbitral, cujo pequeno acionista ou investidor não poderá suportar os custos. Além disso, o papel do órgão regulador, no caso a CVM, tem deixado muito a desejar no sentido de punir e aplicar multas elevadas, além de proibir que o gestor retorne à função por um longo intervalo de tempo.
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Não merece aplausos, portanto, o projeto de lei que visa reformar o diploma do anonimato e produzir um efeito bumerangue, ao não permitir que a companhia responda pelos vultosos prejuízos causados urbi et orbi pelos administradores e também pela auditoria independente, já que muitas vezes o balanço é mera formalidade, sem o experimento de sua realidade nua e crua.
Pensamos, assim, que o Parlamento, conscientizado de suas responsabilidades e dos maléficos efeitos do PL 2925/23 do Executivo Federal, deverá arquivá-lo para o bem do mercado de capitais brasileiro.