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É sabido que as campanhas políticas se adaptam ao surgimento de novas tecnologias: em algum momento a novidade da vez foi o rádio, depois a TV, os websites, as redes sociais e assim por diante.
Da mesma forma, as campanhas se adequam às formas de uso desses meios, tanto do ponto de vista socioeconômico como cultural (quem usa o quê e por quê, e que mensagem tem mais impacto para cada público).
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Mas o surgimento de uma nova tecnologia não necessariamente invalida a importância e impacto das demais formas de comunicação e persuasão política. É sobre isso que vamos falar aqui.
Pegamos emprestado da Ciência Política uma das formas possíveis de classificar as despesas das campanhas de 2020 e 2024 para avaliar a importância relativa de cada tipo de gasto nesse intervalo. Concorrer a cargos eletivos não é barato e a decisão de que tipo de estratégia adotar é crucial para que os aspirantes a eles tenham candidaturas competitivas. Por isso vamos olhar para esse dado.
Classificação das campanhas
Há grande riqueza de classificação das despesas de campanha, que podem ser agrupadas entre tradicionais, modernas e pós-modernas, hipermidiáticas, híbridas, só para citar alguns exemplos (ver as referências ao final do texto).
Só para dar alguma ordem aos dados, vamos utilizar a classificação tradicional–moderna–online, com um item adicional “outros” que comportam também despesas organizacionais. De forma geral, gastos tradicionais envolvem estratégias de rua (impressão de materiais, gastos com pessoal e similares).
Gastos de tipo moderno envolvem estratégias de divulgação via rádio, TV, criação de jingles e gastos com pesquisas eleitorais. A campanha online abrange gastos com impulsionamento de conteúdo e criação de páginas na internet. A despesa organizacional compreende gastos com infraestrutura, gestão e outros.
Também adicionamos as variações por porte de município, dado a dimensão continental do país e o caráter local e específico das disputas locais para os cargos de prefeito(a) e vereador(a). Classificamos os municípios de porte pequeno como aqueles que têm até 5.000 eleitores; de porte médio pequeno aqueles entre 5 e 10 mil; de porte médio entre 10 e 50 mil; de porte médio grande entre 50 e 200 mil e de porte grande são aqueles com mais de 200 mil eleitores.
As análises deste artigo foram produzidas com os dados do Siga o Dinheiro, projeto da Base dos Dados em parceria com o JOTA criado para que eleitores acompanhem o financiamento eleitoral, além dos dados do TSE de eleições brasileiras, disponibilizados no datalake público da Base dos Dados. Você pode conferir detalhes de categorização através no GitHub da BD. Os dados foram coletados no dia 10 de outubro de 2024.
Os dados de despesa são atualizados diariamente. Até o momento, pouco menos da metade dos municípios possuem declaração de despesas registradas no TSE (os candidatos têm até 30 dias após as eleições para incluir essa informação no sistema de prestação de contas eleitorais). Por isso, os resultados trazidos aqui são preliminares.
Por enquanto, a composição das campanhas varia bastante não só por porte eleitoral dos municípios como por região. O maior montante das despesas se concentra em estratégias de rua para quase todos os casos em 2024, em que pelo menos mais da metade dos recursos se destinam a elas. As exceções são os municípios de grande porte eleitoral do Norte e Sul, com 49,8% e 46,9% investidos, respectivamente. Nesses casos, o outro tipo de gasto que quase se torna equiparável são os de tipo moderno.
Dentro dos gastos de campanhas tradicionais, aqueles destinados à publicidade por materiais impressos, serviços prestados por terceiros, atividades de militância e mobilização de rua, despesas com pessoal e serviços advocatícios se destacam. Juntos, eles somam mais de R$ 2 bilhões.
Considerando somente os que concorrem à prefeitura, o único gasto que não aparece no “top 5” dos gastos gerais é o de despesas com pessoal. Em vez disso, é a produção de programas de rádio, televisão ou vídeo que aparece nesse ranking (tendo em vista os recursos do horário gratuito de propaganda eleitoral). Para os candidatos a vereador, a publicidade por adesivos fica no lugar dos serviços advocatícios.
As campanhas online
A despesa com impulsionamento de conteúdo, parte da campanha online, fica em 9º lugar do total de gastos, somando R$ 165 milhões investidos. Considerando somente os candidatos à prefeitura, o valor passa a ser R$ 98 milhões, com o mesmo ranking do total.
Para os candidatos a vereador a despesa possui maior destaque, ficando em 6º lugar no ranking dos gastos (cerca de R$ 67 milhões). O dado é ainda mais impressionante considerando o caráter recente deste tipo de despesa – o impulsionamento pago de conteúdo passou a ser permitido após 2016. A campanha online ainda “compete” com outras 41 categorias de gastos.
Antes do impulsionamento de conteúdo ser permitido, a campanha online era composta principalmente pelo item “criação e inclusão de páginas na internet”. O pedido de votos através da internet foi regulamentado no final de 2009.
Em 2012, o gasto totalizou cerca de R$ 13 milhões, curiosamente declinou para cerca de R$ 10 milhões em 2016 e passou a conviver com o item “despesa com impulsionamento de conteúdos” a partir de 2020. Então, este último passou a ser predominante, compondo cerca de 84% dos gastos com campanha online em 2020 e cerca de 90% em 2024 (de um total de R$129 e R$182 milhões, respectivamente).
Ou seja, é possível afirmar que o principal responsável pelo crescimento da campanha online são os gastos com criação de anúncios e impulsionamento pago de conteúdo em mecanismos de busca e redes sociais.
A presença digital das campanhas vem ganhando destaque, tanto nas análises especializadas quanto nas adaptações da legislação eleitoral para acompanhar as transformações no debate público. Além disso, tem virado notícia com alguma frequência a atuação do TSE no acompanhamento de conteúdos compartilhados por políticos e demais influencers, dado o potencial disruptivo à qualidade da democracia que muitos provocam. Uma forma de avaliar o crescimento relativo da campanha online é comparando o cenário da eleição atual com a anterior.
No primeiro gráfico abaixo, os gastos de candidatos a vereadores; no segundo, para candidatos à prefeitura. Cada ponto representa a soma dos gastos de um partido em uma cidade
Com relação a 2020, não é possível perceber um aumento drástico no percentual dos gastos com campanhas online em relação aos demais (aumento de 6,75%). O que vemos, em vez disso, é a maior dispersão do uso deste tipo de gasto nas campanhas em 2024 do que em 2020. A presença de alguns outliers com gastos massivos em campanha online afetou a linha de tendência, e aponta para o fato de que esta estratégia pode ter sido vista como a mais importante em diversas campanhas.
A associação entre investimento em campanhas online e sucesso eleitoral nem sempre é fácil de ser estabelecida. Alguns estudos indicam que os candidatos a prefeito eleitos em 2010 investiram relativamente menos nesse meio do que os não eleitos (ver Heiler, Viana e Santos, 2016).
Por outro lado, os candidatos eleitos geralmente possuem mais recursos, com maior capacidade de diversificação de gastos. Ou seja, a campanha online pode ter sido bastante relevante para os candidatos, mas eles também dispunham de outros recursos e atributos que acabaram sendo fundamentais para a conquista do cargo eletivo.
Na verdade, as grandes vencedoras do crescimento das campanhas online são as big techs que controlam as redes sociais. Diferente dos outros, os gastos com impulsionamento de conteúdo acabam se concentrando muito mais em um pequeno número de fornecedores, que são os representantes das grandes empresas de tecnologia.
Esse dado se torna mais preocupante quando consideramos que atualmente a maior parte dos recursos de campanha vêm do Fundo Especial de Financiamento de Campanha (FEFC). É exatamente sobre isso que falaremos no próximo artigo, então fica de olho!
Freitas, A. & Souza, B. Prefeito tá on: Uma radiografia dos gastos com campanha online nas eleições de 2020. Conexão Política, vol. 12, n. 2, 2023. Acesse aqui.
Heiler, J.; Viana J.; Santos, R. O custo da política subnacional: a forma como o dinheiro é gasto importa? Relação entre receita, despesas e sucesso eleitoral. Opinião Pública, vol. 22, n. 1, 2016. Acesse aqui.
Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD). Veja as atividades da rede de pesquisadores aqui.