Organizações criminosas e a fiscalização do Estado de Direito brasileiro

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Atualmente, temos mais de 77 facções criminosas no Brasil. Despontam no controle das atividades ilícitas, contrabando, roubo de cargas, venda de cigarros do Paraguai, além de atuação no crime organizado transnacional, ingerência de presos nas penitenciárias e domínio em rotas do tráfico duas principais facções: a pioneira situada no Rio de Janeiro e denominada Comando Vermelho (CV) e a paulista, conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC). A primeira está presente em 21 estados brasileiros, ao passo que a segunda atua em 25 estados do território nacional.

O CV surgiu em 1979 e o PCC em 1993. Ao longo das décadas ambos se modernizaram, investiram maciçamente em infraestrutura e diversificaram suas atividades criminosas. Atualmente, disputam o controle das rotas do tráfico doméstico (Solimões, caipira, dentre outras) e o Estado democrático de Direito brasileiro busca mecanismos a fim de reprimir os danos produzidos pelo crime organizado transnacional, do qual ambas fazem parte, porém, a tarefa não tem sido fácil.

Do lado da lei, problemas se avolumam: falta de dinheiro, déficit de pessoas nas polícias, armamento desatualizado, tecnologia insuficiente e precária, veículos que carecem de manutenção e falta de fiscalização nas fronteiras. Estes são apenas alguns dos desafios que a Polícia Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária Militar, Polícia Civil, dentre outras enfrentam cotidianamente.

A população brasileira clama por segurança pública e a resposta não tarda a aparecer: endurecimento penal. Leis mais rígidas e aumento de penas a fim de reprimir condutas ilícitas. Contudo, como as organizações criminosas têm reagido? Da mesma forma exitosa das últimas duas décadas: investindo e se modernizando.

O trabalho de inteligência das polícias tem produzido resultados, em especial com a Garantia da Lei e da Ordem (GLO). O Decreto 11.765, de 1º de novembro de 2023 foi criado para autorizar o emprego das Forças Armadas para a Garantia da Lei e da Ordem em portos e aeroportos, tanto do Rio de Janeiro quanto de São Paulo.

Segundo o Ministério da Justiça e Segurança Pública, em seis meses, a operação prendeu 2.841 pessoas, apreendeu 274 armas e 144 toneladas de drogas, e teve como objetivo o enfrentamento ao crime organizado transnacional, representando importante reforço para a segurança pública nacional.

A ação foi conjunta entre os militares das Forças Armadas com os órgãos de segurança pública. O impacto econômico é o caminho para dirimir a distância que separa o crime organizado do Estado brasileiro. Recentemente, em São Paulo, uma ação da Polícia Federal com a Polícia Militar apreendeu 12 milhões de cigarros contrabandeados. Seguramente, a maior ação da história do país.

Qual o impacto para a organização criminosa paulista? Elevado. Por dia, o PCC fatura mais de um milhão de reais com a venda de cigarros clandestinos, com a falta de produto o lucro diminui e as atividades são afetadas. É o caminho. Na última década, o Brasil deixou de arrecadar mais de R$90 bilhões de reais em impostos por conta do comércio ilegal de cigarros. Não é pouca coisa.

Segundo o Fórum Nacional Contra a Pirataria, os cigarros contrabandeados representaram 33% do mercado em 2022, ao passo que os fabricados no Brasil e que sonegam impostos perfazem mais 8%. Segundo o mesmo órgão, o contrabando em 2023 foi responsável pela perda de R$ 8,3 bilhões ao país ante a uma arrecadação de impostos de R$15,9 bilhões.

Outra atividade que impacta os cofres nacionais e tem as organizações criminosas como responsáveis principais é o roubo de carga. Segundo a Associação Nacional de Transporte de Cargas e Logística, o prejuízo com o roubo de cargas em 2022 foi superior a R$ 1,2 bilhão em todo o país. Os produtos mais cobiçados pelos criminosos são: alimentos, combustíveis, produtos farmacêuticos, autopeças, materiais têxteis e de confecção, cigarros, eletroeletrônicos, bebidas e defensivos agrícolas.

O relatório da Overhaul de 2023 afirma que 80% dos roubos de cargas ocorreram na região Sudeste, tendo São Paulo e Rio de Janeiro como os estados mais afetados, afinal, ambos os Estados representam o maior roubo de cargas no Brasil (70%) e, não ao acaso, são os estados com maior movimentação de carga no país. Foram registradas 17.108 ocorrências de roubos de cargas no Brasil em 2023, uma alta de 4,8% em relação ao ano anterior. A região Sudeste concentra as duas maiores organizações criminosas do país.

O roubo de cargas se tornou um negócio no Rio de Janeiro. Sua prática e lucratividade alavancaram os negócios do Comando Vermelho e das demais facções criminosas no estado fluminense. A fim de absorver os roubos, o crime organizado investiu na melhoria da distribuição, fez parcerias com estabelecimentos que somente trabalham com carga roubada, além de criar uma rede de comércio com venda ao próprio consumidor. Qual o controle e a instrumentalização do Estado para esse comércio clandestino e paralelo? Pelos números crescentes parece que baixo, muito baixo.

A Polícia Rodoviária Federal, responsável pela segurança em 95 mil quilômetros de rodovias federais, possuí cerca de 10 mil agentes. Este quadro apresenta um déficit estimado de pelo menos 8 mil servidores. No Rio de Janeiro o efetivo seria de 1.100, porém somente pouco mais de 800 estão na ativa. A PRF sofreu redução de 36% do efetivo nos últimos anos. A delegacia especializada no combate ao furto e roubo de cargas perdeu 54,7% do efetivo entre 2006 e 2017, contando com apenas 48 policiais. Em São Paulo, o efetivo da Polícia Rodoviária Federal opera com apenas 66,05% do ideal com um déficit de 135 agentes e o efetivo administrativo conta com apenas 29 agentes.

Como dissemos, os problemas do lado da lei se avolumam ao passo que o crime organizado investe continuamente. A solução continua sendo o trabalho investigativo preventivo. Atingir os braços financeiros das facções é o caminho para dirimir o poderio econômico dessas que se tornaram verdadeiras empresas do crime que investem em logística, estrutura, comando e organização.

É necessária a implementação de ações conjuntas. Nesse diapasão, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, pretende unificar as polícias através da PEC da Segurança. Para o enfrentamento ao crime organizado é uma ótima medida. Trabalho preventivo, investigativo tendo como alvo o crime organizado.

Ações pontuais são importantes e produzem impacto, porém, para a segurança pública nacional é preciso mais. A Receita Federal implementou o aumento de scanners no Porto de Santos, uma das principais rotas do tráfico de drogas, outra ação isolada.

Um plano nacional de segurança pública precisa ser implementado pelo governo federal com atuação conjunta dos estados e municípios com fiscalização, trabalho de inteligência, orçamento e tecnologia para que o Estado democrático de Direito possa, efetivamente, fazer frente ao crime organizado praticado pelas facções criminosas brasileiras.

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