Organograma empresarial: qual seria a posição ideal para o executivo jurídico?

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“Mas é aí que fica o diretor jurídico?”. A pergunta, em tom jocoso, foi elaborada pelo professor ao analisar o organograma empresarial proposto por alunos em curso de MBA. Curiosamente, o diretor jurídico estava em posição destacada sob o Conselho de Administração. A resposta? Uma retumbante gargalhada. 

Uma melhor resposta para a questão não é trivial, não sendo raro que consultorias sejam contratadas para tratar do tema e, ao final, proponham soluções adequadas na teoria e frustrantes na prática.

O executivo jurídico costuma responder diretamente ao Conselho de Administração, ao CEO ou ao CFO. Leva-se em consideração a natureza das operações do jurídico e/ou da estratégia empresarial. Porém, também há empresas que alocam o jurídico sob o diretor administrativo, de operações, de RH.

Não encontramos estudos no Brasil sobre o tema, porém pesquisa da Association of General Counsel (ACC), datado de 2023, indica que naquele país, cujas práticas são similares às do Brasil, aproximadamente 2% dos diretores jurídicos respondem ao Conselho de Administração, 80% respondem ao diretor presidente, 10% respondem ao diretor financeiro e os 8% remanescentes respondem a outros diretores. Como se vê, não existe um posicionamento do departamento jurídico no organograma organizacional do tipo one size fits all, porém, ao menos nos EUA, na maioria dos casos o principal executivo jurídico responde ao diretor presidente. 

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De fato, as empresas acomodam seu principal executivo jurídico vis-à-vis diversas especificidades próprias, tais como: regulamentação a que estão sujeitas; atuação do jurídico no core business, cultura organizacional e até mesmo características das pessoas que compõem a alta administração. 

Adicionalmente, o jurídico pode englobar outras funções, tais como as de relações governamentais, governança, compliance, gestão de riscos ou proteção de dados, o que impacta sua posição no organograma da empresarial. 

De todo modo, em que pese haver exceções, o posicionamento do executivo jurídico no organograma administrativo da empresa transparece a forma de atuação do seu departamento. 

Estudos sobre o tema no Brasil são necessários. Nesse contexto, a fim de fomentar o debate apresentamos breves considerações sobre o reporte do executivo jurídico ao Conselho de Administração, ao diretor presidente ou ao diretor financeiro, as quais podem balizar as discussões.

A atuação do executivo jurídico diretamente sob o Conselho de Administração não é a mais usual no universo empresarial brasileiro. Esta costuma restringir-se a organizações de grande porte ou cujos negócios são relevantemente impactados por legislações específicas e complexas, tais como empresas financeiras e concessionárias de serviços públicos. Há ainda casos por motivos momentâneos ou particulares (ex.: recuperação judicial).

Nesta estrutura, o executivo jurídico está integrado à alta administração e sua atuação como business partner é latente. A princípio, isto proporciona melhores condições ao executivo jurídico para participar e colaborar no processo de gestão da organização. Paradoxalmente, tal empoderamento, eventualmente, causa ruídos.

Lembremo-nos do dilema do departamento jurídico, ele é fiscal da alta administração por um lado e parceiro por outro. Por fazer parte do sistema de freios e contrapesos da empresa, o jurídico mantém uma relação ambígua e, por vezes, conflituosa. Na hipótese da alta administração, face a relevância outorgada ao jurídico, se sentir melindrada, a participação do jurídico nos debates e decisões de temas corporativos, assim como a fruição de informações ao jurídico, pode ser adversamente impactada.

Não obstante, é correto afirmar que a posição mais usual para o executivo jurídico é sob o diretor presidente ou o diretor financeiro.

Quando sob o diretor presidente, o executivo jurídico tem sua função de assessor da alta administração mais proeminente, fato que facilita o alinhamento com as demais áreas e torna o processo decisório da organização mais célere. Estando ao nível de par das principais áreas, o jurídico costuma exercer sua função de forma mais eficaz e relevante.

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Por outro lado, indaga-se que neste cenário o compliance jurídico poderia ser adversamente afetado. Por força da relação de subordinação/parceria com o principal executivo da organização, o executivo jurídico adotaria postura mais complacente, facultando uma maior assunção de riscos jurídicos. Isto não necessariamente ocorrerá, porém a existência do risco de ver considerada. A esse respeito, Debora A DeMott[1] destaca o seguinte:

De fato, alguns Diretores Jurídicos parecem cometer erro fundamental ao identificar, incorretamente, os membros da administração como seu principal cliente em vez da própria organização.

Nos EUA, de modo a mitigar tal risco e outros, introduziu-se a Lei Sarbanes-Oxley. A SOX estabelece que os advogados internos, ao tomarem ciência de infração a certas normas (em particular a regulamentação do mercado de valores mobiliários) devem denunciá-la ao órgão mais alto de governança da empresa e, caso providências não sejam tomadas, às autoridades regulatórias.

Naquele país existe lei expressa no sentido de obrigar o executivo jurídico a não compactuar com a diretoria e denunciar irregularidades percebidas ao Conselho de Administração. No Brasil, inexiste norma igual e a mesma suscitaria debates face à relação cliente/advogado mantida entre a alta administração e seus advogados. Já no âmbito dos programas de compliance, tal denúncia é via de regra voluntaria e faculta-se o anonimato.

Por fim, há organizações em que o executivo jurídico é posicionado sob o diretor financeiro. Além das questões expostas acima, cria-se uma camada entre o jurídico e a alta administração. Esta camada, a depender da cultura organizacional, pode ser um entrave na fruição de informações e/ou participação do jurídico nos debates e decisões estratégicas da Companhia.

Note-se, não se trata de um impeditivo a atuação do jurídico, porém é um obstáculo. Caso não se tome as devidas precauções, o jurídico será ofuscado e assumirá uma postura de retaguarda, burocrática e em pouco contribuindo para o negócio. O diretor financeiro não deveria constituir-se em um filtro ou parede opaca entre o jurídico e demais áreas.

Ainda, é importante resguardar a autonomia e independência do jurídico perante as demais áreas sob o diretor financeiro. E não se pode olvidar dos embates naturais entre o diretor financeiro e o jurídico, especialmente quanto a investimentos em medidas de compliance cujos resultados econômicos são, por vezes, de difícil mensuração mas relevantes pelo prisma legal. Não havendo moderador, cumpre ao diretor financeiro razoabilidade quanto a solução de tais conflitos. 

Em suma, a posição do executivo jurídico no organograma empresarial e respectivo impacto na organização é um tema relevante e pouco estudado no Brasil. O executivo jurídico é alocado abaixo do Conselho de Administração na minoria dos casos, isto normalmente ocorre em empresas de maior porte ou substancialmente reguladas.

Usualmente, o principal executivo jurídico é situado sob o diretor presidente (o que, a rigor, facilita e agiliza a tomada de decisões pela organização com a participação do jurídico), ou sob o diretor financeiro. Ressalte-se, entretanto, que a subordinação do executivo jurídico a outros diretores demanda cuidados de modo a evitar conflitos entre as funções de business partner e compliance daquele. O posicionamento do jurídico sob o diretor financeiro ou outros cria uma camada entre o jurídico e a alta administração que merece especial atenção, caso contrário o jurídico ficará relegado a uma posição de mero backoffice.


[1] The Discrete Roles of General Counsel, FordHam Law Review, Vol. 74. Issue 3. Article 2, ano 2005)

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