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Os assuntos criminais repetitivos julgados pela 3ª Seção do STJ em 2024

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Em oportunidade anterior, pontuei sobre a constante fixação – ou pelo menos tentativa – de precedentes judiciais obrigatórios em habeas corpus individuais afetados para a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) baseadas nas autorizações regimentais do mesmo tribunal.

Minha crítica baseava-se especialmente em quatro pontos:

  1. a escolha dos casos remetidos à 3ª Seção não atende ao disposto no próprio regimento interno da corte sobre a escolha dos casos representativos da controvérsia, como a escolha de dois ou mais casos-piloto;
  2. a decisão de afetação, proferida pelo relator ou pela Turma, dispensa a fundamentação;
  3. a alteração da competência com o aumento do colegiado pode ser feita pelas técnicas do incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas, uma vez que que a legislação processual estabelece rito para admissibilidade, julgamento e prevê a decisão final como precedente de observância obrigatória (art. 927, III, CPC);
  4. que o número do habeas corpus afetado e o seu acórdão não compõem o acervo de precedentes obrigatórios e casos repetitivos do site do próprio tribunal ou do banco nacional gerenciado pelo CNJ[1].

Por isto, para assuntos com efetiva repetição de processos, defendo a necessária consolidação da sistemática dos recursos repetitivos e o início do uso do incidente de resolução de demandas repetitivas no âmbito criminal[2].

Como ensina Gustavo Henrique Badaró, “entre os inúmeros mecanismos que vêm sendo adotados para buscar reduzir o excessivo número de recursos julgados pelo STF e STJ, um dos mais relevantes é a técnica de solução dos recursos repetitivos por meio do julgamento de um recurso-modelo ou ‘julgamento por amostragem’”[3].

Concordo com o admirável professor titular da USP por algumas razões. Os recursos especiais repetitivos decorrem do reconhecimento de controvérsia de questão jurídica idêntica em diversos processos e o julgamento tem como objetivo resolver eventuais contrastes de jurisprudência no próprio tribunal ou entre tribunais do país.

Além disso, a escolha de casos-piloto, nos termos do art. 256, § 1º, do Regimento Interno do STJ, possibilita que a discussão para o julgamento ocorra sobre a maior diversidade de fundamentos constantes nos acórdãos recorridos e na argumentação trazida pelas partes; o acórdão que julga os casos representativos da controvérsia é considerado, pelo art.927, III do CPC, como de observância obrigatória pelos juízes e tribunais e integra sistemas e bancos de registro dos precedentes judiciais obrigatórios e vinculantes, o que garante maior publicidade e aderência às teses fixadas.

Por curiosidade acadêmica e pela ausência de registro compilado das afetações e julgamentos dos habeas corpus individuais, resolvi pesquisar e estudar todas as atas de julgamento da 3ª Seção do STJ do ano de 2024 disponíveis[4] para preparar uma aula. Grata surpresa!

Pouquíssimos casos de habeas corpus afetados e diversas novas teses/temas fixados em recursos especiais repetitivos. Mas não só: estabelecimento de novas súmulas e discussões sobre o cancelamento ou não da Súmula 231 STJ.

Por isto, apesar da brevidade deste espaço, faço uma retrospectiva da matéria criminal em recursos repetitivos do ano de 2024. O levantamento levou em consideração apenas os recursos especiais afetados e julgados sob o rito dos recursos repetitivos (art. 1036/CPC) e não obedece a cronologia dos meses porque, para fins didáticos e de visualização, considerei mais adequado aglomerar os assuntos e seguir uma ordem semelhante à sequência do rito processual:

O acordo de não persecução penal consta no Tema 1098 com a fixação de quatro teses:

  1. O ANPP é negócio jurídico processual, mas também possui natureza material.
  2. Diante da natureza híbrida da norma, aplica-se o princípio da retroatividade da norma penal benéfica (art. 5º, XL, da CF), sendo cabível a celebração em casos de processos em andamento quando da entrada em vigor da Lei n. 13.964/2019, mesmo se ausente confissão do réu até aquele momento, desde que o pedido tenha sido feito antes do trânsito em julgado da condenação.
  3. Nos processos penais em andamento em 18/09/2024 (data do julgamento do HC n. 185.913/DF no STF), o MP deverá, na primeira oportunidade em que falar nos autos, manifestar-se motivadamente acerca do cabimento ou não do acordo no caso concreto.
  4. Nas investigações ou ações penais iniciadas a partir de 18/09/2024, será admissível a celebração de ANPP antes do recebimento da denúncia, ressalvada a possibilidade de propositura do acordo, no curso da ação penal, se for o caso.

A Lei Maria da Penha foi objeto de discussão em três oportunidades distintas. O Tema 1249, julgado em novembro, dispõe que as medidas protetivas de urgência devem ser concedidas independentemente de processo criminal e mantidas enquanto durar a situação de perigo.

O Tema 1197, julgado em junho, decidiu que “a aplicação da agravante do art. 61, inc. II, alínea f, do Código Penal (CP), em conjunto com as disposições da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006), não configura bis in idem”.

E, por sua vez, o Tema 1215, decidiu que, nos crimes de dignidade sexual, a aplicação simultânea da agravante genérica acima mencionada e da majorante específica do art. 226, II, ambos do Código Penal, não configura bis in idem salvo quando presente apenas a relação de autoridade do agente sobre a vítima, hipótese na qual deve ser aplicada tão somente a causa de aumento.

Apesar dos relatórios estatísticos de distribuição do STJ indicarem o crime de tráfico de drogas como o tema criminal de maior recorrência[5], a lei de drogas constou apenas no Tema 1259, julgado em 27 de novembro de 2024 e ainda sem publicação de acórdão.

Como as sessões de julgamento são transmitidas pelo YouTube, foi possível aferir a tese debatida e fixada: “A majorante do art. 40, inciso IV, da Lei 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas”.

A aplicação do princípio da insignificância ao crime de descaminho deu ensejo ao Tema 1218, no qual se decidiu que a contumácia obsta a sua aplicação, independentemente do valor do tributo não recolhido, salvo se, no caso concreto, se concluir que a medida é socialmente recomendável.

Por sua vez, “a contumácia pode ser aferida a partir de procedimentos penais e fiscais pendentes de definitividade, sendo inaplicável o prazo previsto no art. 64, I, do CP, incumbindo ao julgador avaliar o lapso temporal transcorrido desde o último evento delituoso à luz dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade”.

A fixação de pena foi objeto de discussão em duas oportunidades diversas. Primeiro com a discussão sobre o cancelamento ou não da Súmula 231 STJ que estabelece que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”.

De maneira inédita na 3ª Seção, em 2023 foi realizada audiência pública para debater a questão, com a oitiva de vários especialistas favoráveis e contrários ao cancelamento do enunciado. Em 2024, os recursos repetitivos foram pautados e debatidos em algumas sessões de julgamento. A 3ª Seção, por maioria de votos, decidiu por manter o enunciado sumular e, por consequência, a proibição de fixação da pena abaixo do mínimo legal.

Já o Tema 1214 estabeleceu que “é obrigatória a redução proporcional da pena-base quando o tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, afastar circunstância judicial negativa reconhecida na sentença”. Mas o mesmo Tema estabeleceu que “não implicam ‘reformatio in pejus’ a mera correção da classificação de um fato já valorado negativamente pela sentença para enquadrá-lo como outra circunstância judicial, nem o simples reforço de fundamentação para manter a valoração negativa de circunstância já reputada desfavorável na sentença”.

Os recursos também foram objeto de discussão em recursos repetitivos. O Tema 1219 tratou da fungibilidade recursal disposta no CPP. Estabeleceu que é “adequada a aplicação do princípio da fungibilidade recursal aos casos em que, embora cabível recurso em sentido estrito, a parte impugna a decisão mediante apelação ou vice-versa, desde que observados a tempestividade e os demais pressupostos de admissibilidade do recurso cabível, na forma do art. 579, caput e parágrafo único, do Código de Processo Penal”.

Por alguns anos, até 2022, a execução penal aparecia entre os 10 assuntos mais recorrentes no STJ. Mesmo não constando nesta lista no ano de 2023, a repetitibilidade ainda permanece, tanto que deu ensejo a debates em alguns recursos repetitivos, com a fixação de três Temas.

O primeiro, Tema 931, trata do inadimplemento da pena de multa. A 3ª Seção decidiu que após cumprida a pena privativa de liberdade ou restritiva de direitos, o não pagamento da pena de multa não obsta a extinção da punibilidade, “ante a alegada hipossuficiência do condenado, salvo se diversamente entender o juiz competente, em decisão suficientemente motivada, que indique concretamente a possibilidade de pagamento da sanção pecuniária”.

O Tema 1196 reconheceu que “o termo inicial para a progressão de regime deverá ser a data em que preenchidos os requisitos objetivo e subjetivo descritos no art. 112 da Lei 7.210, de 11/07/1984 (Lei de Execução Penal), e não a data em que efetivamente foi deferida a progressão. Essa data deverá ser definida de forma casuística, fixando-se como termo inicial o momento em que preenchido o último requisito pendente, seja ele o objetivo ou o subjetivo. Se por último for preenchido o requisito subjetivo, independentemente da anterior implementação do requisito objetivo, será aquele (o subjetivo) o marco para fixação da data-base para efeito de nova progressão de regime”.

Por fim, o Tema 1196 decidiu que é “válida a aplicação retroativa do percentual de 50% (cinquenta por cento), para fins de progressão de regime, a condenado por crime hediondo, com resultado morte, que seja reincidente genérico, nos moldes da alteração legal promovida pela Lei n. 13.964/2019 no art. 112, inc. VI, alínea a, da Lei n. 7.210/84 (Lei de Execução Penal), bem como a posterior concessão do livramento condicional, podendo ser formulado posteriormente com base no art. 83, inc. V, do Código Penal, o que não configura combinação de leis na aplicação retroativa de norma penal material mais benéfica”.

Registra-se também que a 3ª Seção aprovou enunciados de súmula neste ano:

SÚMULA 669: O fornecimento de bebida alcoólica a criança ou adolescente, após o advento da Lei n. 13.106, de 17 de março de 2015, configura o crime previsto no art. 243 do ECA.

SÚMULA 668: Não é hediondo o delito de porte ou posse de arma de fogo de uso permitido, ainda que com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado.

SÚMULA 667: Eventual aceitação de proposta de suspensão condicional do processo não prejudica a análise do pedido de trancamento de ação penal.

Em 11 de dezembro, a 3ª Seção aprovou o Projeto de Súmula 1339 que trata de prisão, um dos temas de maior recorrência no tribunal, com a seguinte redação: Em razão da Lei 13.964/19, não é mais possível ao juiz, de ofício, decretar ou converter a prisão em flagrante em preventiva (enunciado ainda sem numeração)[6].

Por fim, é preciso também apresentar que outro aspecto dos recursos repetitivos foi objeto de discussão na 3ª Seção: a desafetação e a conversão do rito de julgamento.

Em abril de 2024, a 3ª Seção acolheu questão de ordem proposta pelo ministro relator e determinou a desafetação do Recurso Especial 2050957/SP, com o cancelamento da discussão do Tema 1216[7], a retomada da tramitação dos processos nacionalmente paralisados e a remessa do caso para a 5ª Turma para julgamento. Inclusive o recurso especial indicado foi julgado monocraticamente pelo ministro relator com a aplicação da Súmula 664 STJ.

A análise do ano de 2024, mesmo que tenha abrangido somente os casos julgados e não os afetados sob o rito de recursos repetitivos e ainda pendentes de julgamento, mostra que realmente a 3ª Seção tem se debruçado sobre questões controvertidas e frequentes de direito e julgado os recursos especiais repetitivos com o objetivo de cumprir a sua função uniformizadora da jurisprudência nacional.


[1] GALVÃO, Danyelle. Precedentes judiciais. Salvador: JusPodivm, 2022, p. 212/234.

[2] Tema também abordado em palestra no IV Encontro Nacional de Precedentes Qualificados – STF e STJ, 2022, disponível em  https://www.youtube.com/watch?v=8VJl7yi-_H0 acesso em 14 de dezembro de 2024.

[3] BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal. 12ª edição. São Paulo: RT, 2024, p. 953.

[4] Atas de final de novembro e do mês de dezembro de 2024 ainda não disponíveis, o que exigiu que a análise dos casos ocorresse pelo andamento processual de cada um deles.

[5] Vide https://processo.stj.jus.br/processo/boletim acesso em 14 de dezembro de 2024.

[6] https://scon.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/tematica/download/SU/Verbetes/VerbetesSTJ.pdf acesso em 14 de dezembro de 2024.

[7] A afetação do caso visava a discussão sobre a possibilidade de aplicação do instituto da consunção com o fim de reconhecer a absorção do crime de conduzir veículo automotor sem a devida permissão para dirigir ou sem habilitação (art. 309 do CTB) pelo crime de embriaguez ao volante (art. 306 do CTB).

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