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Nos últimos anos, o setor elétrico brasileiro tem enfrentado um cenário de constante instabilidade regulatória e legislativa. A insegurança jurídica resultante dessa volatilidade afeta diretamente investidores e consumidores, elevando o chamado Risco Brasil.
Neste artigo, abordaremos alguns aspectos dessa problemática, tais como: as constantes mudanças regulatórias e legislativas, o não prosseguimento de discussões essenciais no Congresso, as frequentes promessas não cumpridas de mudança do arcabouço legal, a greve dos servidores das agências reguladoras, a interferência política na governança da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) e do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), bem como a interferência institucional, que tem sido protagonizada pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em matérias regulatórias de atribuição da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).
A MP 1212/2024 é um exemplo claro das frequentes mudanças que afetam o setor. Editada em meio à promessa de que viria para reduzir encargos na tarifa, a medida provisória foi percebida como uma forma de postergação de subsídios, de maneira que não deverá ser convertida em lei pelo Congresso. Por se tratar de um tema de extrema relevância para o setor – prazo para entrada em operação comercial de ativos de geração de energia –, a não conversão da MP em lei tem gerado dúvidas e um ambiente de incerteza, uma vez que os investidores planejam seus projetos com base em expectativas de longo prazo.
Outro exemplo emblemático é o PL 414/2021, fruto da Consulta Pública MME 33, que tramitou por anos no Legislativo e agregava uma série de mudanças estruturais de consenso para o setor. Após pressão do Executivo, o PL encontra-se parado e sem relator na Câmara, sendo que o seu não prosseguimento representa uma oportunidade perdida para estabilizar e modernizar o setor elétrico brasileiro.
O projeto continha propostas que poderiam ter trazido maior previsibilidade e segurança para os agentes do setor, promovendo um ambiente mais favorável para o investimento e resolvendo questões estruturais imprescindíveis (como o papel das distribuidoras, separação de lastro e energia e a abertura do mercado livre). O não prosseguimento dessas mudanças/evoluções necessárias acabam impactando negativamente a confiança dos investidores na capacidade do Brasil de implementar reformas estruturais necessárias.
Nos últimos dois anos, na contramão do PL 414, que se encontra paralisado, o Ministério de Minas e Energia tem prometido a edição de decretos, medidas provisórias e, mais recentemente, indicou que será publicada uma proposta de reformulação do setor elétrico até o final de agosto de 2024. Contudo, até o momento, não houve nem sequer clareza sobre se a proposta será um projeto de lei ou uma medida provisória. Essas promessas, repetidamente adiadas e não cumpridas, geram uma expectativa negativa e aumentam a percepção de risco entre os investidores.
Outro fator de insegurança jurídica é a interferência política na alteração da governança da CCEE, conforme o Decreto 11.835/2023, e na indicação de membros do conselho/diretoria da própria CCEE e do ONS. Essas entidades, apesar de serem privadas e sem fins lucrativos, têm sofrido influência estatal, o que contraria os princípios que norteiam a Teoria da Regulação.
Segundo esses princípios, entidades como a CCEE e o ONS não deveriam estar sob controle estatal, pois sua independência é fundamental para a manutenção de um ambiente regulatório estável e previsível. A interferência política, além de comprometer o rigor técnico que deve prevalecer nessas entidades, coloca em risco a confiança dos investidores na imparcialidade e na eficiência do processo regulatório, aumentando o risco percebido e, consequentemente, o custo do capital.
Por último, e não menos importante, o setor elétrico brasileiro tem convivido com uma incômoda dicotomia de “reguladoras”, uma vez que o TCU tem, nos últimos meses, interferido em temas absolutamente regulatórios, cuja atribuição é da Aneel. Tanto em relação à matéria quanto à forma, a atuação do TCU é altamente questionável juridicamente, seja porque excede sua competência, seja porque invade o rol de atribuições constitucionais e legais da Aneel, chegando a determinar a suspensão da aplicação, pela Aneel, de lei vigente há 19 anos, como é o caso do acórdão que tratou da divisão de usinas em diferentes sociedades de propósito específico.
Em um setor de capital intensivo, onde os investimentos são avaliados no médio e longo prazo, a falta de estabilidade e previsibilidade é particularmente prejudicial. A constante incerteza regulatória e legislativa dificulta a realização de projetos e o planejamento estratégico, essencial para a competitividade e sustentabilidade do setor. A intervenção política nas entidades reguladoras e operacionais agrava ainda mais essa situação, minando a confiança no sistema regulatório e aumentando o custo dos investimentos.
O cenário atual, com constantes mudanças e promessas de alterações legislativas/regulatórias, interferência política na governança da CCEE e do ONS e os recentes atos do TCU, afasta investimentos e aumenta o custo da energia no Brasil. Para reverter esse quadro, é essencial promover uma agenda regulatória clara e estável, que ofereça segurança jurídica aos investidores e benefícios concretos aos consumidores. Até quando continuaremos a navegar nessas águas turbulentas, sem uma bússola que nos guie para um porto seguro de estabilidade e desenvolvimento?