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Criada pela Lei Complementar 128/2008 com o objetivo de dar amparo legal ao trabalhador a partir da formalização de suas atividades exercidas de maneira precária e sem segurança jurídica, o microempreendedor individual representa, hoje, 73% do total de empresas formais, contabilizando mais de 15,7 milhões de CNPJ ativos e um ganho de até R$ 69,56 bilhões de reais na economia brasileira[1].
Não se trata unicamente da constituição de uma atividade organizada ou do crescimento econômico do país, mas da formalização de uma série de profissões e o aumento dos postos de emprego. É o caso dos serviços de salão de beleza (1.02 milhão de CNPJ ativos), setor de vestuário (mais de 900 mil CNPJ ativos) e os serviços de alvenaria (quase 700 mil CNPJ ativos).
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Tal forma de atividade, cujo faturamento anual é de até R$ 81 mil, levando à uma média de renda de R$ 6.750 por mês[2], ainda permitiu o ingresso feminino no mercado (45,8% dos microempreendedores), predominantemente nas atividades de fabricação de vestuário, estética e serviços domésticos.
O recorte de gênero e raça mostra-se relevante se levarmos em consideração a importância da mulher na condução das famílias brasileiras em confronto à distinção salarial. De acordo com os dados do IBGE[3], mais da metade das microempreendedoras brasileiras desempenham a função de “chefe de domicílio”, reforçando o papel na manutenção da economia doméstica nacional e de base da população brasileira.
A análise do mercado de trabalho informal, com baixos e incertos rendimentos e ausência de direitos trabalhistas e previdenciários, portanto o que mais pode se aproveitar da formalização, denota um agravamento da discriminação de raça, pois temos 34,4% dos homens brancos e 34,7% das mulheres brancas em postos informais, ao passo em que 46,9% dos homens negros e 47,8% das mulheres negras.
Um dos ganhos decorrentes da regulamentação dos microempreendedores individuais foi a inclusão no sistema de previdência, permitindo o recolhimento da contribuição previdenciária àqueles anteriormente em situação de informalidade. Quanto às mulheres, ainda, é possível falar na importante proteção à gravidez decorrente do auxílio-maternidade.
Ocorre que, muitas vezes, os microempreendedores ao se afastarem da atividade remunerada deixam de recolher as contribuições previdenciárias, perfazendo uma inadimplência de 6,5 milhões de MEIs em abril de 2024 (ou seja, 41,2% dos MEIs[4]) e um total superior a R$ 2 bilhões[5]. Entretanto, a inadimplência dos créditos previdenciários não têm como consequência apenas a negativação, mas também limitações ao acesso dos benefícios previdenciários: o período de inadimplência é desconsiderado no cômputo do tempo de contribuição e no período de carência para benefícios fiscais (auxílio por incapacidade temporária, salário maternidade, etc). Além disso, o MEI pode perder sua qualidade de segurado do INSS em 12 meses após a última contribuição.
Nesse sentido, inevitável o questionamento acerca da efetividade sob o aspecto de implemento de políticas públicas, de se utilizar como medida impositiva à adimplência, a exclusão do vínculo da previdência social e, por consequência, os direitos aos respectivos benefícios.
Sensível a esse contexto, foi criada a transação tributária por adesão de créditos previdenciários de MEI, destinada aos débitos inscritos em dívida ativa há mais de um ano, cujo valor seja igual ou inferior a cinco salários mínimos. Com entrada facilitada, o saldo restante poderá receber o desconto de 50% sobre o valor total, com pagamento em até 55 meses.
Embora a criação do instituto do MEI e a transação tributária por adesão sejam medidas de políticas públicas bem vindas, a realidade de desigualdade social e de gênero no Brasil deve ser contabilizada como forma de efetivação dos avanços conquistados sob pena de se tornarem inócuos.
Nesse aspecto, deve ser considerada a marginalização de parcela da população aos acessos formais e burocráticos do sistema público. Segundo a Procuradoria da Fazenda Nacional, através da Lei de Acesso a Informação, até junho de 2024 apenas 14.638 MEI aderiram à transação, totalizando pouco mais de 28 milhões de arrecadação.
O adimplemento espontâneo também é obstacularizado pelo acesso ao sistema REGULARIZE não estar disponível via celular, normalmente o único modo de acesso à Internet das classes D e E (84% dos que acessam exclusivamente pelo celular), especialmente entre mulheres (64%), pretos (63%) e pardos (67%), conforme a TIC Domicílios. A dificuldade de acesso on-line faz com que a regularização demande a locomoção física ao órgão da administração tributária, com impacto na remuneração em razão da perda do dia trabalhado.
Mostra-se assim, que o sucesso da transação por adesão de débitos previdenciários de MEI está diretamente relacionado com a eficiência da administração tributária em fazer chegar a informação e a disponibilização de meios simples e acessíveis ao usuário. O instrumento de viabilização da transação torna-se mais importante que o próprio instituto da transação, como forma de composição entre contribuinte e fisco.
Para tanto, o acesso à conta, pagamento e regularização poderiam ser desenvolvidos de forma simples e fácil via aplicativo no celular, com notificações sobre os direitos do MEI, proximidade do vencimento dos débitos, descontos e link para pagamento facilitado. O acesso ao Regularize para além do computador, bem como da implementação de programas educativos permanentes e a inclusão da informação nos mesmos locais de cadastro e constituição do MEI, além da divulgação ostensiva por organismos como o SEBRAE.
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Tais sugestões decorrem de que, não obstante o resultado de caráter fiscal, transações como esta podem ser utilizadas, em casos específicos, com caráter indutor e propulsor da economia e, porque não, das políticas sociais e de gênero. Os diversos editais de transação para o período da crise econômica do COVID-19 (objeto das Portarias PGFN nºs 9.924/2020 e 14.402/2020), lançaram as bases para a sua utilização extrafiscal.
Ora, é inegável o papel crucial da Transação Tributária no atual contexto, sendo elencada como uma das mais importantes políticas tributárias, responsável por quase metade da recuperação de créditos realizada pela PGFN no ano de 2023, conforme PGFN em números. Ao substituir a prática de parcelamentos pelo incentivo a um programa em que os descontos relevantes são reservados para os créditos irrecuperáveis ou de difícil recuperação, o contribuinte com capacidade de pagamento é convidado a manter-se em conformidade fiscal.
Tal reconhecimento nos conduz à afirmação anterior: há mais na transação do que a mera obtenção do pagamento do crédito tributário. O questionamento que reside é, poderia esse “a mais” ser a indução de políticas públicas variadas, entre elas as políticas sociais e de gênero?
Da análise apresentada, a despeito do papel relevante da transação tributária para débitos previdenciários de microempreendedor individual, há mais a ser feito. Vê-se, com isso, que as bases para a utilização da transação tributária com caráter indutor já foram lançadas, havendo campo para outras oportunidades, como são as políticas de gênero, sendo premente a implementação de forma planejada e à luz da realidade social de seu destinatário.
[1] CUSTÓDIO, Paloma. Brasil em 15,7 milhões de microempreendedores individuais. Brasil 61, 2024. Disponível em: https://brasil61.com/n/brasil-tem-15-7-milhoes-de-microempreendedores-individuais-bras2411699#:~:text=%C3%9ALTIMAS%20SOBRE%20ECONOMIA&text=O%20Brasil%20possui%2015%2C7,recente%20do%20Minist%C3%A9rio%20da%20Fazenda. Acesso em 08/06/2024.
[2] MEMP. MEMP divulga aumento de 5,1% de empresas abertas nos últimos quatro meses de 2023. Gov.br, 2024. Disponível em: https://www.gov.br/memp/pt-br/assuntos/noticias/memp-divulga-aumento-de-5-1-de-empresas-abertas-nos-ultimos-quatro-meses-de-2023 . Acesso em 21/06/2024.
[3] Agência Sebrae. Mais da metade das mulheres empreendedoras são “chefe de domicílio”, aponta pesquisa. Agência Sebrae, 2023. Disponível em: https://agenciasebrae.com.br/dados/mais-da-metade-das-mulheres-empreendedoras-sao-chefe-de-domicilio-aponta-pesquisa/ . Acesso em 21/06/2024.
[4] QUEIROZ, Vitória. 41,2% dos MEIs estão inadimplentes, diz Receita Federal. Poder 360, 2024. Disponível em: https://www.poder360.com.br/poder-empreendedor/412-dos-meis-estao-inadimplentes-diz-receita-federal/#:~:text=S%C3%A3o%206%2C5%20milh%C3%B5es%20de,em%20d%C3%A9bito%20com%20o%20Fisco. Acesso em 21/06/2024.
[5] Ministério da Fazenda. Receita orienta Microempreendedor Individual inadimplente para não ser excluído do Simples Nacional. GOV.BR, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2023/setembro/receita-orienta-microempreendedor-individual-inadimplente-para-nao-ser-excluido-do-simples-nacional . Acesso em 21/06/2024.