PARR e vinculação aos precedentes judiciais

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O presente artigo tem como propósito lançar luzes à possibilidade de ampliação das hipóteses que autorizam a formalização do Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR) em face de terceiros, consideradas situações envolvendo determinação legal de retenção e recolhimento do tributo pelos responsáveis tributários.

De saída, cumpre registrar que o PARR possui assento legal, considerada a previsão do artigo 20-D, inciso III, da Lei 10.522/2002.

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Forte nesse preceito, foi editada a Portaria PGFN 948/2017, cujo art. 1º descreve o PARR como “procedimento administrativo para apuração de responsabilidade de terceiros pela prática da infração à lei consistente na dissolução irregular de pessoa jurídica devedora de créditos inscritos em dívida ativa administrados pela PGFN”.

Da dicção do normativo citado, é possível extrair conexão entre este último e a tese formalizada pelo STJ no enunciado sumular 435 (posteriormente confirmado pelo Tema 630 dos recursos repetitivos[1]), segundo o qual “presume-se dissolvida irregularmente a empresa que deixar de funcionar no seu domicílio fiscal, sem comunicação aos órgãos competentes, legitimando o redirecionamento da execução fiscal para o sócio-gerente”.

Nesse cenário, o que se tem, na prática, a partir da disciplina implementada pela Portaria PGFN 948/2017, é a assimilação pela Administração Pública daquele entendimento proclamado pelo STJ dotado de especial eficácia expansiva, a revelar verdadeiro diálogo institucional entre o Judiciário e o Executivo.

A medida carrega, na essência, pressuposto no sentido de que observância obrigatória do precedente deve se dar não só no âmbito jurisdicional, como no administrativo, presentes a segurança jurídica, a isonomia e na eficiência da resolução de litígios, inclusive os extrajudiciais.

Assim, tendo havido a chancela pelo Judiciário do entendimento no sentido de que a dissolução irregular caracteriza infração à lei, para fins do art. 135 do CTN, é legítimo à PGFN, atenta ao comando jurisprudencial, aferir, observado o contraditório e a ampla defesa (art. 3º da Portaria PGFN 948/2017), os indícios daquele evento para, então, responsabilizar terceiros que tenham concorrido para o cometimento da infração.

A diretriz é consentânea com o estágio de maturidade que a cultura de precedentes alcançou no cenário normativo interno. Ao ensejo desse paradigma, adotando a mesma tônica, a Portaria PGFN 33/2018, a versar sobre o controle de legalidade da inscrição em dívida ativa dos créditos tributários, elencou rol de vedações à inscrição, consideradas as decisões dos Tribunais Superiores.

Recentemente, a Portaria PGFN 948/2017 foi alterada pela Portaria PGFN 1160/2024, sinalizando a possibilidade de ampliação das hipóteses de apuração administrativa da responsabilidade de terceiros em decorrência de condutas atentatórias `lei, no que a redação do normativo não mais se limita àquela situação de dissolução irregular da empresa. Cumpre transcrever a nova redação do normativo:

“”Art. 1º. Esta Portaria regulamenta o procedimento administrativo para apuração de responsabilidade de terceiros prevista na legislação tributária, civil e empresarial.

Parágrafo único. Os procedimentos desta Portaria não se aplicam à inclusão de terceiros nos sistemas da dívida ativa em decorrência: I – da responsabilidade ilimitada ou da ausência de personalidade jurídica própria ou autônoma em relação ao devedor dos débitos inscritos em dívida ativa objeto do procedimento; e II – da realização de operações societárias a que se referem o art. 132,caput, da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, ressalvada a cisão parcial.” (NR)

Art. 2º.

[…]

Parágrafo único. O procedimento será realizado contra o terceiro cuja responsabilidade se pretende apurar e deverá indicar especificamente as situações, ainda que indiciárias, que dão ensejo à incidência da norma de responsabilização, devendo conter, no mínimo, as seguintes informações”.

É nesse contexto que se propõe a ampliação do PARR, levando em conta, conforme será visto a seguir, o estado da arte da jurisprudência dos Tribunais Superiores relativo ao não repasse aos cofres públicos dos tributos submetidos a obrigação legal de retenção/recolhimento por terceiros (ou pelos contribuintes quando o montante do tributo é cobrado do contribuinte de fato, a exemplo do ICMS).

Antes de avançar no tema, é preciso delimitar a situação objeto de análise: está-se a falar das situações nas quais o tributo é retido/recolhido pelo responsável tributário, mas não é repassado aos cofres públicos. Importante registrar esse aspecto, uma vez que retenção não efetuada não se confunde com a retenção efetivada, mas desacompanhada do recolhimento aos cofres públicos, no que aquela primeira hipótese se insere no âmbito do mero inadimplemento do tributo.

Conforme decisão alcançada por ambas as Turmas da 1ª Seção do STJ, “constitui infração à lei, e não em mero inadimplemento da obrigação tributária, a conduta praticada pelos sócios-gerentes que recolheram as contribuições previdenciárias dos salários dos empregados da empresa executada (art. 20 da Lei n. 8.212/91) e não as repassaram ao INSS, pelo que se aplica o art. 135 do CTN” (STJ, REsp 989.724/SP, Rel. Ministro José Delgado, Primeira Turma, DJe de 3/3/2008; e REsp 1.775.967/SP, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe de 23/4/2019.)

Na esteira das decisões formalizadas, ante ofensa à lei caracterizada pelo não repasse aos cofres públicos do valor das contribuições dos empregados retidos pelas pessoas jurídicas, na condição de fonte pagadora, admite-se a aplicação do art. 135 do CTN, para fins de responsabilização dos administradores.

No âmbito do STF, vale destacar o julgamento pelo plenário do RHC 163.334[2], ocasião em que – embora não versando controvérsia sobre tributo federal retido na fonte –, o tribunal assentou que prática mediante a qual o contribuinte deixa de recolher aos cofres públicos o montante relativo ao tributo cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço, apropriando-se daquele valor, caracteriza o tipo penal da apropriação indébita.

Conforme trecho veiculado na ementa do acórdão formalizado, “o contribuinte que deixa de recolher o valor do ICMS cobrado do adquirente da mercadoria ou serviço apropria-se de valor de tributo, realizando o tipo penal do art. 2º, II, da Lei nº 8.137/1990″.

Os pronunciamentos mencionados revelam que a conduta de não repasse aos cofres públicos dos tributos efetivamente retidos/recolhidos alcança envergadura de ilegalidade “qualificada” com potencial de subsunção a tipos penais – apropriação indébita (previdenciária) –, circunstância que corrobora, a mais não poder, que tais atos, quando praticados por terceiros com poderes de administração, são passíveis de responsabilização, para fins do art. 135 do CTN.

Daí porque cogitar-se da ampliação do alcance da Portaria PGFN 948/2017, em atenção à jurisprudência dos Tribunais Superiores, para permitir à Administração Pública, à PGFN, no caso, a imputação administrativa da responsabilidade a terceiros, considerados créditos inscritos em dívida ativa.

A providência tem potencial saneador da cobrança da dívida ativa. A uma, porque permite o uso de expedientes extrajudiciais em face dos terceiros a serem responsabilizados pelos créditos inscritos; a duas, porquanto obsta a pulverização de procedimentos de redirecionamento que dependam do prévio ajuizamento de feitos executivos, com aptidão de congestionamento do Judiciário.

[1] A óptica foi reiterada no julgamento do Tema nº 630 dos recursos repetitivos, ocasião em que fixada a seguinte tese: Em execução fiscal de dívida ativa tributária ou não-tributária, dissolvida irregularmente a empresa, está legitimado o redirecionamento ao sócio-gerente.

[2]  RHC 163334, Relator Ministro Roberto Barroso, Tribunal Pleno, acórdão publicado no DJe de 13-11-2020)

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