No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Patinetes e a construção de regulação experimental nos municípios

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Desde o surgimento da Bird na Califórnia em 2017, o mercado de compartilhamento de patinetes elétricas espraiou-se rapidamente nos Estados Unidos e Europa. E as cidades brasileiras não ficaram de fora.

Em 2018, São Paulo, Rio de Janeiro e Florianópolis embarcaram na tendência com projetos-piloto e, no ano seguinte, Brasília e mais nove capitais brasileiras já contavam com o novo serviço de micromobilidade urbana, embora apenas três cidades já tivessem regulamento específico à época.

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Apesar da proibição da atividade em Paris ter desencadeado o debate sobre o uso das e-scooters, a partir de 2023 é possível identificar um reaquecimento da produção normativa com a chegada de novos players no Brasil, que agora já conta com um arcabouço regulatório mais maduro, usuários mais familiarizados e empresas mais experimentadas.

É o que se pode chamar de uma segunda onda das patinetes elétricas, que, embora também encontre seus percalços, parece caminhar para um cenário bem mais otimista quanto à sua integração às políticas públicas municipais de mobilidade urbana.

Atualmente, a Resolução Contran 966/23 define regras gerais de segurança e uso das patinetes elétricas, classificadas como autopropelidos, e reserva a autonomia dos municípios para disciplinarem regras específicas de interesse local como a circulação e sinalização viárias das patinetes

Por óbvio, o sucesso do negócio depende muito da boa gestão da empresa, porém essa margem normativa de cada municipalidade revela não só a importância de políticas públicas locais para virar a chave e transformar a imagem da patinete elétrica de um mero brinquedo para um veículo de micromobilidade urbana –  inclusive para o lazer – como também o impacto que a ausência de um ambiente regulatório adequado pode ter para o fracasso das operações.

Por exemplo, apesar da ascensão do segmento em 2019, muitas cidades brasileiras tiveram a operação encerrada ou interrompida, e só recentemente retomaram as atividades, ao passo que Berlim, onde as regulamentações começaram em 2019, foi a cidade europeia com mais usuários do serviço no 1º trimestre de 2023[1].

Enquanto a mesma Berlim implementa restrições geográficas para o uso das patinetes, a exemplo de Copenhague, e Paris proíbe o serviço de compartilhamento, diversas cidades brasileiras caminham para expandir sua frota. Logo, não há “receita de bolo” para a Administração Pública lidar com o segmento, e os ambientes regulatórios devem ser monitorados e aperfeiçoados para garantir a sua eficiência.

O ritmo acelerado de expansão das patinetes elétricas no Brasil é marcado um início de operações sem regulamentação local. Conforme destacou Sérgio Ejzenberg, a verdade é que “as autoridades foram atropeladas pela novidade”[2]. Com isso, era natural que diversos obstáculos aparecessem durante a execução dos projetos. O lockdown de 2020 também impactou profundamente o mercado, mas não foi o único fator.

A Grow (fusão da Yellow com a Grin), maior operação no Brasil à época, teve sua falência decretada em 2023. Porém, já em janeiro de 2020 a empresa encerrou a operação em 14 cidades. A americana Lime, que atuava em São Paulo e Rio de Janeiro, também retirou suas operações do Brasil no início de 2020.

Algumas regiões contaram com operações de startups que não conseguiram se firmar, como em Aracaju. Por sua vez, empresas como a FlipOn e a Adventure, presentes em algumas capitais e cidades médias, com múltiplas operações e frotas menores, permaneceram por mais tempo no mercado, mas já encerraram as atividades em algumas regiões.

Hoje, o cenário brasileiro aponta para um futuro otimista para o setor com a chegada de novas empresas. A JET, vinda do Leste Europeu e Ásia Central, já atua em Santos e começou a operar em São José dos Campos, Itajaí, Blumenau e Vila Velha. Por sua vez, a russa Whoosh, que tem 300 mil veículos em mais de 60 países, chegou ao país em 2023 em Florianópolis e Porto Alegre, e, recentemente, iniciou as operações no Rio de Janeiro com mais de 1.000 patinetes.

O uso do espaço urbano e a segurança dos pedestres são preocupações centrais para a gestão pública. Em Santos, após um acidente, a fiscalização intensificada levou à retirada da FlipOn e suspensão temporária da JET. Em João Pessoa, um Termo de Ajustamento de Conduta proibiu o aluguel de patinetes em áreas da orla. Já em São Paulo, apreensões na Faria Lima, causadas por desconhecimento das normas, foram resolvidas após diálogo entre a Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE) e as autoridades policiais.

Esse problema não é exclusivo do Brasil. Em Seul, onde mais de 20 startups operam sob um sistema de licença aberta, a Lime se retirou em 2022, citando a falta de regras claras, falta de diálogo com autoridades e um ambiente caótico que gerou acidentes e reboques.

A expectativa é que o serviço de compartilhamento de patinetes elétricas ganhe impulso, consolidando-se em cidades brasileiras com a chegada de empresas mais estruturadas e o aumento de regulamentos locais. Cidades como Goiânia e Sorocaba criaram normas específicas este ano, enquanto Fortaleza, Florianópolis e Vila Velha revisaram seus regulamentos.

Niterói, Jaraguá do Sul e Santos também estão estabelecendo diretrizes gerais de circulação. Assim, o quadro regulatório atual é muito mais sólido do que em 2018, quando havia poucas regras e inseguranças sobre o serviço.

Assim, com um arcabouço mais claro e consolidado e empresas com know-how sobre a operação e recursos para investir, haverá maior facilidade para as municipalidades encontrarem objetivos comuns com as operadoras, visando integrar as patinetes elétricas como novos modais de micromobilidade sem que isso desencadeie novos problemas para a gestão pública, desde que se adote um caminho que, primeiro, entenda o serviço das empresas como uma solução urbana, e que também conte com políticas eficientes de monitoramento e evolução do modelo regulatório.

No Rio de Janeiro, por exemplo, o início da operação da Whoosh ocorreu por meio de um sandbox regulatório, o Sandbox.Rio, no qual a empresa foi selecionada em chamada pública para testar o serviço mediante autorização temporária da Prefeitura e, a partir dos dados coletados, busca-se contribuir para a melhoria da regulamentação municipal, especialmente quanto ao ordenamento urbano dos pontos de estacionamento.

Portanto, o reaquecimento do compartilhamento e aluguel de patinetes elétricas no Brasil tem um horizonte tanto otimista quanto desafiador. Questões como segurança, comportamento do usuário, vandalismo e uso do espaço público serão obstáculos constantes a serem superados pela Administração Pública e pelas operadoras, mas as experiências internacionais e nacionais demonstram que uma relação próxima entre esses dois agentes permite estabelecer um ambiente regulatório inteligente e eficaz quando há objetivos comuns entre eles.

Assim, o futuro para o segmento no Brasil depende que o amadurecimento normativo e os recursos privados atuem em consonância para que essa segunda onda das patinetes elétricas nas cidades brasileiras possa furar uma futura maré de retorno.


[1]European cities with the highest shared e-scooter ridership in 2023. Dado disponível em <https://www.statista.com/statistics/1399212/shared-e-scooter-ridership-leading-cities-europe/>. Acesso em 03 de dezembro de 2024.

[2] Ejzenberg, Sergio. Patinete elétrico chega a 10 capitais, mas sem regulamentação. Disponível em <https://epocanegocios.globo.com/Brasil/noticia/2019/04/patinete-eletrico-chega-10-capitais-mas-sem-regulamentacao.html>. Acesso em 03 de dezembro de 2024.

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