Percurso turbulento da CPRB no Brasil e necessidade da maior estabilidade jurídica

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No contexto do “Plano Brasil Maior”[1] foi criada a substituição da Contribuição Patronal Previdenciária incidente sobre a folha de salários/rendimentos pela Contribuição Previdenciária sobre a Receita Bruta (CPRB) auferida por pessoas jurídicas que desenvolviam atividades específicas listadas[2] na Lei 12.546/2011, fruto da conversão da Medida Provisória 540/11.

Em 2017 foi editada a Medida Provisória 774 e embora o Poder Executivo não tenha conseguido encerrar com o regime da desoneração naquele momento, buscou, com êxito, diminuir o espectro de alcance da desoneração, o que veio a ocorrer com a edição da Lei 13.670/18, publicada em 30.05.2018, alterando parcialmente a Lei 12.546/2011 para excluir grande parte das atividades econômicas do programa de desoneração da folha de pagamentos e limitar a aplicação até 31 de dezembro de 2020.

Como os efeitos dessas exclusões passariam a valer a partir de 1º de setembro de 2018 e os setores atingidos buscaram novamente se socorrer do Poder Judiciário. Essa discussão ganhou escala e foi julgada sob a sistemática de recurso repetitivo no Superior Tribunal de Justiça – Tema 1.184, de modo desfavorável aos contribuintes. E em relação a esse questionamento, qual seja, a mitigação da desoneração em 2018 o posicionamento do STJ é o prevalente dado que o STF ao avaliar a matéria entendeu tratar-se de discussão infraconstitucional e, portanto, sem repercussão geral (Tema 1109).

Em 2023, a Lei 14.784 trouxe alívio para muitas empresas ao prorrogar a CPRB até 2027, mas não sem novo embate entre os Poderes Executivo e Legislativo, dado que, novamente, o Executivo havia vetado a prorrogação e o Legislativo, por mais uma vez, derrubou o veto. O mencionado “alívio” durou pouco: o presidente da República, discordando da prorrogação, editou a Medida Provisória 1.202/2023 para revogá-la e retomar o regime de recolhimento de contribuição previdenciária com base na folha de salários, porém com uma sistemática de alíquotas reduzidas que aumentariam progressivamente entre 2024 a 2027.

Em uma reviravolta surpreendente, em 24 de abril de 2024, o presidente da República ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar anular a prorrogação da CPRB sob o argumento principal de que a prorrogação da CPRB não teria passado sob o crivo da estimativa de impacto orçamentário. O ministro Cristiano Zanin, relator da ADI 7.633, acatou o pedido e em 25 de abril suspendeu os efeitos da Lei 14.784/2023 e, portanto, a desoneração da folha de pagamento.

Os sistemas de apuração da CPRB (eSocial e DCTFweb) foram inclusive alterados para suprimir essa sistemática de recolhimento, obrigando também sob o viés prático a apuração e o recolhimento das contribuições previdenciárias com base na folha de salários. Diante da decisão liminar diversos foram os setores que requereram a sua inclusão como amicus curie nos autos da ADI, buscando trazer elementos para garantir a manutenção do regime de tributação da desoneração ou ao menos assegurar um mínimo de segurança jurídica, rompida diante da aplicação imediata da decisão.

Não se pode ignorar que as ações dos Poderes Executivo e Legislativo sobre o tema desoneração criaram um ambiente de legítima expectativa para os setores incluídos nesse regime, levando-os a tomar decisões de negócio e investimentos com base na confiança de que a CPRB seria mantida. A cautelar parcialmente deferida na ADI 7.633 trouxe inegavelmente um cenário de insegurança aos contribuintes que assistiram e torceram para que no curto prazo novo acordo, agora concreto, fosse construído sobre o tema desoneração.

Não se pode ignorar, que no interregno da construção desse acordo, esperava-se, no mínimo, que a suspensão abrupta da CPRB estivesse submetida a anterioridade nonagesimal. O voto condutor do Ministro Barroso nos Temas 881 e 885 demonstra a importância do princípio da anterioridade tributária nos casos de decisões judiciais que impactam a cobrança de tributos. Essa decisão reforça a necessidade de proteger os contribuintes de mudanças bruscas na carga tributária e de garantir a segurança jurídica no sistema tributário brasileiro.

Como amplamente divulgado pelos Poderes da República foi entabulado novo acordo para resguardar o regime de desoneração de forma integral durante o ano de 2024 e para os anos seguintes utilizar uma sistemática de redução gradual até voltar ao regime conhecido da folha de salários, o que culminou no PL 1847/2024 que atualmente tramita no Senado.

Segundo o projeto acima a redução gradual do regime de desoneração se dará da seguinte forma: (i) em 2025: será utilizada a proporção de 80% das alíquotas da CPRB e 25% das alíquotas incidentes sobre a folha de salários; (ii) em 2026: será utilizada a proporção de 60% das alíquotas da CPRB e 50% das alíquotas incidentes sobre a folha de salários; e (iii) em 2027: será utilizada a proporção de 40% das alíquotas da CPRB e 75% das alíquotas incidentes sobre a folha de salários.

Diante da entabulação desse acordo, a Advocacia-Geral da União protocolou manifestação no STF requerendo dentre outros pleitos, a modulação prospectiva da decisão cautelar pelo prazo de 60 dias, de modo a conferir tempo necessário para a apreciação legislativa.

O ministro Zanin acolheu monocraticamente os pleitos e atribuiu “efeito prospectivo à decisão que proferi em 25 de abril de 2024, a fim de que passe a produzir efeitos no prazo de 60 dias, a contar da publicação desta decisão”. Isto significou, na prática, que os setores abrangidos pela CPRB pudessem manter o recolhimento dessa contribuição referente à competência de abril, cujo vencimento se deu em 20 de maio.

A decisão acima referida foi submetida ao Plenário Virtual do STF com data de julgamento iniciada em 24 de maio e com prazo de encerramento para 4 de junho já conta com os votos favoráveis dos ministros Flávio Dino, Alexandre de Moraes, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin e que se espera seja mantida pelos demais ministros.

Em suma, a revogação e posterior restabelecimento do regime, a exemplo do ocorrido com a Lei 13.670/18 e a MP 1.208/2024, ilustram a volatilidade do ambiente regulatório, que dificulta a estabilidade necessária para que as empresas possam planejar a longo prazo. A decisão do STF sob a Lei 14.784/2023 adicionou mais uma camada de complexidade, impondo uma mudança imediata na forma de recolhimento das contribuições previdenciárias.

A incerteza gerada por essas mudanças não apenas compromete a previsibilidade necessária para as operações empresariais, mas também acarreta custos adicionais para se adaptar às novas regras em prazos muitas vezes exíguos. A falta de estabilidade e a frequente necessidade de ajustes rápidos podem prejudicar a capacidade das empresas de se manterem competitivas e de promoverem um ambiente de trabalho seguro e estável para seus funcionários.

Assim, essa ótica o regime da desoneração merece um olhar sob o prisma da segurança jurídica e da previsibilidade nas políticas fiscais. A continuidade do diálogo entre os Poderes Executivo e Legislativo, bem como a busca por soluções legislativas que ofereçam um horizonte claro e estável, são fundamentais para que as empresas possam operar de maneira efetiva para a economia do país.

[1] Plano que congregava e articulava esforços de política industrial do Governo Federal para o período de 2011 a 2014, com foco no estímulo à inovação e à competitividade da indústria brasileira, conforme exposto no Relatório Anual 2011 publicado pelo BNDES (https://www.bndes.gov.br/SiteBNDES/bndes/bndes_pt/Hotsites/Relatorio_Anual_2011/Capitulos/atuacao_institucional/o_bndes_politicas_publicas/plano_brasil_maior.html)

[2] Inicialmente as atividades de Tecnologia da Informação, moveleira, confecções etc.

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