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Ano novo, vida nova! Será mesmo?! Comumente traçamos planos futuros depositando sonhos e expectativas para o ano que se avizinha. Não obstante, fazemos um importante balanço das vivências, experiências e acontecimentos que, já já, vão virar passado e aprendizado ante a tradicional contagem regressiva dos festejos de réveillon. Mas e o Direito Penal brasileiro, hein? O que “ele” poderia esperar de 2025?
Desde a sua origem, o Direito Penal exerce um papel central no controle social, delimitando as colunas da liberdade individual em nome da proteção coletiva. Entretanto, sua aplicação tem se mostrado permeada por desigualdades, revelando uma tendência à seleção de alvos preferenciais, mormente às populações mais vulneráveis. Por isso, em tempos de transformações sociais e avanços nos estudos interdisciplinares, é urgente repensar o sistema penal à luz de uma visão “mais”constitucional.
Neste contexto, não se pode prescindir do “balanço” entre o ontem, o hoje e o amanhã sobre os desafios do Direito Penal contemporâneo; afinal, é ano novo!
Trata-se de uma pauta coletiva em que todos (de forma redundante), somos afetados; não somente os atores da persecução penal. É uma reflexão constitucional. Logo, um objeto a ser discutido academicamente visando novos paradigmas; mais justos, efetivos e repletos de pontos e vírgulas.
E o Direito é um pouco de tudo. E tudo que o Direito menos é, é Direito. A explicação dessa afirmação poderia vir da Psicologia, Filosofia, Sociologia ou do “cheiro das ruas”. Mas fiquemos com o lindo refrão de Caetano Veloso imortalizado na voz aveludada de Gal Costa:
“Por isso uma força me leva a cantar;
Por isso essa força estranha;
Por isso é que eu canto não posso parar;
Por isso essa voz tamanha.”
Nessa linha sobre como pensar o Direito – e tentando entender aquele “novo velho mundo” –, certa vez um aprendiz inquieto por amealhar conhecimento e sedento por tentar absorver algo do Mestre, pediu-lhe uma dedicatória no livro “Direito e Psicanálise: interlocuções a partir da Literatura”. Assim, o indagou:
“Mestre, se o senhor pudesse dar um conselho a si mesmo enquanto estudante de Direito, no começo da graduação, o que diria?”.
Surpreso com a pergunta e, de certa forma, preocupado com a resposta – que poderia mudar de alguma maneira o destino daquele aprendiz no “novo velho mundo jurídico” –, o Mestre demorou um pouco, mas escreveu:
“Ao Thiago, um pouco do esforço deste eterno aprendiz, que nada seria se alguém não lhe tivesse dito, no começo da faculdade, que estudasse Filosofia o suficiente para entender a razão das coisas do Direito. E assim tudo começou.”
Mal sabia o Mestre dos Mestres, professor doutor Jacinto Nelson de Miranda Coutinho que, naquele dia 22 de março de 2018, tudo começaria e realmente mudaria o destino jurídico daquele fã; que por obra da vida, também ostentava o sobrenome “de Miranda Coutinho”.
E assim passaram-se alguns anos de estudo, de uma inquietação ainda maior e de uma sede cada vez mais insaciável daquele curioso. Fruto de alguns livros lidos, outros escritos e, dentro desse ciclo interminável de conhecimento e aprendizado, cem artigos publicados.
E surgem cada vez mais perguntas! Como a da premissa acerca da neutralidade do Direito Penal. Seria uma falácia? Ora, falácia que se perpetua pela aparente universalidade de suas normas. Porque, na prática, o sistema penal brasileiro é seletivo, direcionando sua atuação contra grupos socialmente marginalizados.
Ora, então tais fatores demonstram que o Direito Penal está longe de ser um instrumento neutro e universal, funcionando, muitas vezes, como uma ferramenta de manutenção de desigualdades?
Sob a perspectiva constitucional, o Direito Penal deve ser regido por princípios que limitam o poder punitivo. Seria o tal Estado Democrático de Direito que, desde 1988, traz garantias fundamentais que não podem ser, digamos, “ignoradas”? É como comer lentilha ou pular as sete ondinhas no ano novo?
Ou ainda, é como escolher as cores que usaremos nas nossas roupas para atrair aquilo que desejamos? Que tal o verde e amarelo para adentrarmos 2025 com Dignidade da Pessoa Humana, Presunção de Inocência, Devido Processo Legal; e Ampla Defesa?!
Desejos que assegurariam um julgamento justo, equilibrado e sem arbitrariedades. Apenas seguindo as regras do jogo. Regras que, por sinal,valem para todos! Independentemente de simpatias; políticas ou não.
O Direito Penal que ignora essas garantias transforma-se em um sistema desumano, afastando-se de sua função protetiva e reguladora.
É preciso evoluir. Obviamente que punir é necessário e civilizatório, já diria o jurista Aury Lopes Jr. Só que mais do que punir, é necessário compreender, prevenir, reparar e respeitar as regraspara se punir direito. É Direito!
Por fim, qualquer um com o mínimo de responsabilidade sabe que o enfrentamento à criminalidade é necessário; punição, também. Afinal, estamos falando de Direito Penal; de sociedade; de relações humanas; de Filosofia!
Mas que tal um sistema que valorize a dignidade, respeite as garantias e incorpore perspectivas mais eficientes promovendo uma sociedade mais humana para 2025? Feliz ano novo!
Thiago de Miranda Coutinho é graduado em Jornalismo e Direito, com pós-graduação em Inteligência Criminal. Escritor e coautor de livros, atua como articulista em importantes veículos jurídicos nacionais, integra o corpo docente da Academia da Polícia Civil de Santa Catarina (Acadepol), é palestrante e membro efetivo do Instituto dos Advogados de Santa Catarina (Iasc).
Em 2021, foi condecorado pela Associação Brasileira das Forças Internacionais de Paz por sua contribuição à comunidade de Inteligência. Já em 2023, recebeu uma Moção de Aplauso da Assembleia Legislativa de Santa Catarina (Alesc).
Recentemente, Miranda Coutinho ganhou destaque nacional como autor da sugestão legislativa que resultou no Projeto de Lei 212/2024, apoiado pelo Conselho Federal da OAB, propondo a inclusão de qualificadoras no Código Penal para crimes cometidos contra advogados no exercício da função.
Instagram: @miranda.coutinho_
Referências:
BRASIL. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 17 dez. 2024.
BRASIL. Código penal. Decreto-lei 2.848 de 7 de dezembro de 1940. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Rio de Janeiro, 7 dez. 1940. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm Acesso em: 22 dez. 2024.
BRASIL. Decreto-Lei n. 3.689, de 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 out. 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm Acesso em: 26 nov. 2024.
CASTRO, Celso Antônio Pinheiro de. Sociologia aplicada ao direito. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2003.
COUTINHO. Jacinto Nelson de Miranda. Dedicatória a Thiago de Miranda Coutinho no livro “Direito e Psicanálise: interlocuções a partir da literatura. 1ª ed. – Florianópolis: Empório do Direito, 2016”.
DEFLEM, Mathieu. Sociology of law: visions of a scholarly tradition. Cambridge: Cambridge University Press, 2008.
FERRAJOLI, Luigi. Direito e razão: teoria do garantismo penal. Tradução de Ana Paula Zomer Sica e outros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 29. ed. Petrópolis: Vozes, 2004.
LOPES JR., Aury. Entrevista ao MIGALHAS. Anulação tem caráter pedagógico, diz criminalista sobre júri da Kiss. Migalhas, 20 dez. 2024. Disponível em: https://www.migalhas.com.br/quentes/371047/anulacao-tem-carater-pedagogico–diz-criminalista-sobre-juri-da-kiss. Acesso em: 22 dez. 2024.
LOPES, José Reinaldo de Lima. Curso de Filosofia do Direito: o direito como prática. São Paulo: Atlas, 2020.
MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 11. ed. Barueri: Atlas, 2024.
VELOSO, Caetano. Força Estranha; intérprete Gal Costa. Álbum Divino Maravilhoso. 1969.
ZAFFARONI, Eugenio Raúl. Em busca das penas perdidas: a perda da legitimidade do sistema penal. Tradução de Vania Romano Pedrosa e Amir Lopez da Conceição. 5. ed. Rio de Janeiro: Revan, 1991.