No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Perspectivas sobre o regime sancionatório na nova tributação sobre consumo

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A neutralidade é um dos objetivos da mudança constitucional que alicerça a reforma da tributação do consumo de bens e serviços. A promessa é que – em um sistema de não cumulatividade plena – os sujeitos passivos que ocupem posições intermediárias na cadeia de circulação serão desonerados em função do pagamento da etapa anterior. O consumidor final assumirá o ônus econômico do tributo.

Todos os que realizem a mesma atividade econômica, desse modo, serão igualmente tributados, independentemente da forma de organização da cadeia produtiva. Haverá, com isso, uma redução do espaço para a constituição de estruturas empresariais que busquem uma vantagem fiscal.

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Se a perspectiva, sob esse ponto de vista de sujeitos passivos inseridos no meio das cadeias de circulação, é de uma tributação neutra – levando em consideração que o pagamento do IBS e da CBS gerará um direito creditório correspondente – as multas tributárias, de outro lado, evidentemente não detêm neutralidade, porque sua ocorrência é eventual, além de naturalmente indesejada. Assim, é possível que a controvérsia em torno de penalidades assuma um papel de maior relevância econômica a incidir no meio das cadeias de circulação e que, a partir dessa nova realidade, vejamos uma mudança de direção do contencioso judicial e administrativo. 

O modelo do IBS de amplo creditamento, portanto, ao mesmo tempo em que favorece a neutralidade, sobreleva, pelo menos em tese, a importância econômica das penalidades para os participantes do sistema e potencializa o conflito em torno da sua aplicação.

O objetivo do sistema punitivo, no entanto, deve ser induzir o cumprimento da obrigação, e não promover a arrecadação. Aliás, embora consagrada a expressão “obrigação acessória” para classificar a multa tributária, não se pode incidir no equívoco de tratá-la como necessariamente dependente de um tributo ou a ela imputar intento unicamente arrecadatório, já que uma importante finalidade a ser por ela alcançada é o equilíbrio do ambiente tributário com a participação financeira equitativa dos sujeitos passivos em situação equivalente. Estabelecer um sistema regulatório eficaz exige condutas reprováveis bem definidas e uma razoável calibragem na intensidade das sanções. Esses dois aspectos precisam ser muito bem trabalhados para que a cultura de conflitos não se perpetue no novo modelo de tributação.

O capítulo do PLP 108/2024 que trata das penalidades do IBS é carregado de termos vagos, abstratos e sentenças dúbias. Optou-se por um modelo de tipificação demasiado aberta e que pode não preservar o grau de segurança jurídica esperado para regras sancionatórias, a menos que a legislação regulamentadora logre uma maior definição, respeitados os limites legais. Se isso não for alcançado, o espaço excessivo para discussão sobre o enquadramento da conduta do contribuinte ao parâmetro legal em cada caso concreto poderá estimular litígios infindáveis, como os que hoje se perpetuam nos tribunais pátrios e que a reforma tributária buscou evitar.

De toda sorte, é de se esperar que algumas relevantes definições implementadas no âmbito do sistema atual, inclusive as oriundas do Poder Judiciário, sirvam à solução das controvérsias que estão por vir na nova sistemática. O Supremo Tribunal Federal vem se debruçando particularmente acerca dos patamares que garantem a proporcionalidade – e, como consequência, a constitucionalidade – das penalidades tributárias. Se até um passado recente aquela Corte tratava tais sancionamentos de forma genérica, como “multas fiscais”, há atualmente diversas repercussões gerais que analisam as multas a partir de uma leitura das suas características específicas – multas moratórias na RG 816, multas qualificadas na RG 863, multas isoladas na RG 487, multas não qualificadas superiores a 100% do valor da obrigação principal na RG 1195.

Ora, sabe-se que a gradação das punições vem sendo, historicamente, um ponto de indução de conflitos. O juízo de proporcionalidade entre a lesividade da conduta que a multa tributária busca inibir e o grau do apenamento é elemento essencial a garantir a segurança jurídica, e nesse sentido espera-se que o Supremo Tribunal Federal estabeleça parâmetros seguros sobre o assunto. 

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Enquanto esse direcionamento não sobrevém, o texto do PLP 108/2024, no que pertine ao IBS, já deixa entrever alguns pontos de possível litígio. Multas por descumprimento de obrigações acessórias – independente de prejuízo à arrecadação – poderão ultrapassar o valor do IBS recolhido no formato projetado pela futura lei. Essa desproporção pode ou não ser um problema, se pudermos depreender um entendimento  judicial sobre o assunto, ainda que a propósito da sistemática constitucional atual. É essencial que as balizas sancionadoras estejam bem alicerçadas sobre bases transparentes e seguras.

O valor da operação, no caso do IBS, é a base de cálculo do imposto, também utilizado para compor o critério quantitativo de várias multas isoladas. Muitas delas encontram alíquotas que variam entre 20% a 30% dessa grandeza, aplicadas ainda que o IBS tenha sido recolhido. Mesmo considerando o IBS estadual e municipal somados – que representarão 17,7% do valor da operação, segundo projetado pelo Poder Executivo – essas punições ultrapassarão substancialmente o valor do imposto subjacente. Levando em conta o IBS estadual e municipal, isoladamente, é possível que algumas multas alcancem de 300% a 400% do valor do imposto devido.

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Referido percentual pode parecer excessivo, num primeiro olhar. Mas se o pressuposto norteador da constitucionalidade das multas tributárias é a conformidade com o princípio da proporcionalidade, como indicam os precedentes da Suprema Corte, faz-se necessária uma análise mais acurada que não se restrinja a percentuais, mas que alcance uma visualização mais ampla do efetivo tamanho do sancionamento. Para além das alíquotas, as bases de cálculo merecem também ser aferidas. Isto posto, pode-se afirmar que essas punições podem ou não ser excessivas, a depender da relevância do bem tutelado pelas obrigações acessórias.

Nesse particular, registre-se que o Supremo Tribunal Federal já iniciou o julgamento do Tema 487, cujo resultado vinculará o processo administrativo no âmbito do Comitê Gestor do IBS. Com esse específico julgamento, em conjunto com o Tema 1195 de Repercussão Geral, a Corte estabelecerá os parâmetros necessários à avaliação da constitucionalidade das multas isoladas por descumprimento de deveres instrumentais fixadas sobre o valor da operação. Confia-se – espera-se – que tais conceitos possam revestir-se de solidez e clareza suficientes a iluminar os caminhos futuros da litigiosidade que já se anuncia, em torno das multas isoladas do IBS.


[1] Art. 28, §2º do PLP 68/2024

[2] Art. 59, II, IV, V, XIII e XXIX do PLP 108/2024

[3] Art. 59, “b”, XVI, XVII e XXII do PLP 108/2024

[4] Art. 59, “b” do PLP 108/2024

[5] https://static.poder360.com.br/2024/04/Reforma-Tributaria_Coletiva-de-Imprensa-apresentacao-ministerio-fazenda.pdf

[6] Art. 92, IV do PLP 108/2024

[7] Tema 487 – Caráter confiscatório da “multa isolada” por descumprimento de obrigação acessória decorrente de dever instrumental.

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