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Situações de vinculação do julgador administrativo não são novidade no nosso ordenamento jurídico. Várias hipóteses são estabelecidas de forma dispersa em todos os níveis do sistema.
Em âmbito constitucional, pode-se mencionar a autorização para que o Supremo Tribunal Federal (STF) aprove súmula com efeito vinculante que, além do Poder Judiciário, alcança toda a administração pública, o que inclui os tribunais administrativos.[1]
A lei do processo administrativo determina que o órgão julgador observe a decisão do Pleno do STF e afaste a exigência fiscal contrária a ato do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, súmula da Advocacia-Geral da União ou Parecer do Advogado-Geral da União aprovado pelo chefe do Poder Executivo.[2]
E, também na seara infralegal, o regimento interno do Carf elenca casos de vinculação e impõe que as decisões proferidas pelo STF e STJ em recursos extraordinários e especiais repetitivos sejam obrigatoriamente adotadas.[3]
O PL 2483/2022, entre tantas melhorias que pretende imprimir ao processo administrativo tributário federal, almeja sistematizar e reunir todos esses casos de vinculação esparsos em um único dispositivo.
O artigo 40 da proposição “elenca todos os atos vinculantes a fim de trazer transparência para o administrado, diminuindo a necessidade de remissões à Constituição Federal e a outras normas”, nas palavras da Ministra Regina Helena Costa e de Marcus Livio Gomes, que subscrevem a exposição de motivos da proposta.
A alteração, apesar de bem-vinda, parece demasiadamente modesta no propósito anunciado de “trazer segurança jurídica e coerência decisória entre instâncias administrativa e judicial e reduzir a litigiosidade”.
É preciso ir além e reafirmar a sobreposição dessas regras sobre as formalidades que norteiam o processo administrativo, aproximando-o dos valores que já orientam a esfera judicial após o advento do CPC de 2015.
A medida é necessária porque, ao lado dos mandamentos de vinculação, há regras de preclusão – como a exigência de prequestionamento nos recursos especiais[4] – que restringem a cognição do julgador administrativo. Essa dualidade torna possível o confronto entre essas normas, isto é, que matérias sujeitas ao efeito vinculante não sejam prequestionadas.
De um lado, a vinculação seria impositiva. De outro, o conhecimento vedado. Vários precedentes da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), em resposta a esse dilema normativo, prestigiam a regra de preclusão em detrimento do dever de coerência decisória[5]. É comum que prevaleça o entendimento que questões de ordem pública não podem ser conhecidas na falta do prequestionamento, mesmo que se trate de alegada inobservância à súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal[6].
A missão de controle da legalidade exercida pelos julgadores, no atual cenário, é limitada. Contribuintes, ao mesmo tempo, podem ver mantida uma exigência incompatível com o precedente vinculativo. A Fazenda Nacional corre o risco de que prospere uma desoneração contrária ao entendimento que deveria ser mandatório, circunstância na qual o prejuízo é permanente, pois a ela as portas do Judiciário estão fechadas.
O caso reflete um inusitado conflito entre normas abstratas, já que o interesse concreto de todos os que atuam no processo administrativo tributário – contribuintes, fisco e julgadores – deve ser a observância do entendimento vinculante, o que não é assegurado pelo simples agrupamento das hipóteses de vinculação proposta pelo PL 2483/2022.
O próprio projeto, no entanto, é uma oportunidade de reequilibrar esses objetivos e dar um passo adiante na harmonização das decisões administrativas. O acréscimo de um parágrafo no artigo 40 da proposição legislativa poderia determinar que, garantido o contraditório, as hipóteses de vinculação sobrepujassem as regras de preclusão e fossem aplicadas a qualquer tempo pelo órgão julgador ou pela autoridade responsável pela cobrança, inclusive de ofício.
A futura lei não pode perder a chance de resolver os problemas da prática, principalmente a respeito de questões cujos interesses convergentes envolvidos possam criar condições políticas favoráveis a um processo legislativo sem grandes resistências.
[1] Art. 103-A da Constituição Federal
[2] Art. 26-A, §6º, I e II do Decreto nº 70.235/1972
[3] Art. 62, §§1º e 2º da Portaria MF nº 343/2015
[4] Art. 67, §5º do RICARF.
[5] Ilustrativamente, as seguintes decisões da CSRF: Acórdão CSRF nº 9101-005.784, julgado em 07/10/2021; Acórdão nº 9202-009.493, julgado em 28/04/2021.
[6] Acórdão CSRF nº 9101-003.439, julgado em 07/02/2018.