Plataformas digitais: consonâncias e dissidências sobre o órgão regulador

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Em 19 de janeiro deste ano, a Secretaria de Reformas Econômicas do Ministério da Fazenda lançou a Tomada de Subsídios 1/2024 para colher contribuições sobre a regulação econômica e concorrencial de plataformas digitais no Brasil. As perguntas ficaram disponíveis para contribuições até maio de 2024, período no qual recebeu 50 respostas de empresas, associações e órgãos públicos[1].

Tomadas de subsídios são instrumentos que têm como finalidade reunir o posicionamento de diversos agentes, seja da sociedade civil ou de seus representantes, seja de autoridades. Essas contribuições, quando reunidas, trazem uma perspectiva do mercado e dos principais players afetados pela regulação em discussão.

No caso da tomada de subsídio da SRE/MF, sua abertura foi motivada pela elaboração do PL 2768/2022, o qual se insere em um debate mais amplo, principalmente no cenário internacional, sobre os impactos econômicos e concorrenciais de grandes plataformas digitais e sobre a necessidade de iniciativas legislativas e regulatórias ex ante para lidar com eles (ou de novos enfoques antitruste envolvendo estes mercados, com aplicação ex post).

Essa discussão ainda não tinha sido alvo de debate público no Brasil com o mesmo nível de atenção e de aprofundamento que as temáticas de combate à divulgação de notícias falsas, transparência, moderação de conteúdo e remuneração de conteúdos jornalísticos utilizados por plataformas digitais, por exemplo.

Nesse sentido, a SRE/MF indicou que a literatura sobre o tema sugere que o aparato legal existente atualmente para delimitar a atuação dessas empresas é inadequado, o que gerou o questionamento específico da SRE/MF sobre a suficiência da legislação concorrencial vigente para prever condutas ilícitas ou para elaborar soluções efetivas para essas condutas.

Além desse questionamento, indagou-se também sobre (i) a necessidade de regulação em si; (ii) qual seria o órgão responsável por essa regulação após a criação da legislação necessária; e (iii) o formato adequado para regulação dessas plataformas no Brasil.

Pretende-se aqui focar e explorar o questionamento sobre a necessidade de haver um regulador específico para supervisão e regulação de grandes plataformas digitais no Brasil, considerando-se apenas a dimensão econômico-concorrencial. Nesse quesito, a análise das contribuições à tomada de subsídios aponta que duas respostas prevaleceram: a de que não é necessária a criação de um novo órgão específico; e a de que o Cade deveria ser o órgão regulador de plataformas digitais.

Em quantidade significativamente menor, a Anatel foi sugerida como o regulador ideal; mas também houve entidades que não responderam a esse item especificamente; que indicaram a necessidade de criação de um novo órgão; ou, ainda, que responderam à pergunta sobre outro enfoque.

A Associação Latino-Americana de Internet (ALAI) e a Câmara E-net (CNET), por exemplo, apontaram que é necessário, primeiro, avançar na discussão sobre que aspectos da atuação de plataformas digitais se busca, ou não, regular, antes de se poder falar na criação de um órgão para tal.

A indicação do Cade como órgão regulador responsável para tratar de plataformas digitais se deu principalmente pela experiência acumulada da autoridade concorrencial em relação a mercados digitais ao longo dos anos de atuação. Ainda, a legislação de defesa da concorrência já apresenta mecanismos semelhantes aos sugeridos para controle de condutas de plataformas digitais sendo o Cade a autoridade cuja experiência mais se aproxima desse tipo de regulação. Algumas respondentes também indicaram que no cenário internacional, os órgãos de controle concorrencial também são os responsáveis pelo controle de plataformas.

O próprio Cade indicou que poderia fazer parte do corpo de reguladores responsáveis pelas plataformas digitais por meio de um modelo de diálogo regulatório contínuo, mas também ressaltou que seria a autoridade mais adequada para assumir essa responsabilidade caso não fosse possível a criação de nova autoridade.

Interessante notar que, dentre as respostas que indicaram a Anatel como órgão ideal para essa regulação, algumas pertencem a empresas de telecomunicação (Telefónica, Telcomp e Tim), e a associação e sindicato de empresas de telefonia móvel (Conexis Digital e GSMA). Essa sugestão pode indicar uma escolha estratégica – e natural – desses agentes de mercado para centralizar no mesmo órgão regulador ao qual elas estão submetidas uma regulação adicional no mercado de plataformas digitais.

Conforme antecipado, esses questionamentos apresentados pela tomada de subsídios viraram alvo de discussões no Congresso Nacional há alguns anos quando foi apresentado, na Câmara dos Deputados, o PL 2768/2022, cujo objetivo é definir a organização, funcionamento e operação de plataformas digitais que oferecem serviços aos consumidores brasileiros.

Esse PL aponta que a principal autoridade responsável por esse controle deveria ser a Anatel. Nos termos do PL, ainda que o Cade e a ANPD possam atuar de forma residual para casos em que haja alguma violação às respectivas legislações de concorrência e proteção de dados, a Anatel teria o papel mais proeminente nesse controle.

Nota-se que, diferentemente das respostas apresentadas na tomada de subsídios, o projeto de lei em tramitação não apresenta o Cade como a opção principal de órgão regulador de plataformas digitais.

Depreende-se que, mesmo após a tomada de subsídios, ainda há dissenso entre agentes econômicos, autoridades e órgãos públicos. Do mesmo modo que parte relevante dos respondentes indicaram o Cade como a autoridade mais preparada para lidar com o tema, há número relevante de respostas sugerindo a desnecessidade de regulação de plataformas digitais.

Assim, sequer há consenso sobre a aplicação de uma nova regulação para abarcar especificamente plataformas ou mercado digitais. O tema ainda precisa de maturidade por parte de todos os segmentos do mercado para que a regulação, caso considerada necessária, seja a mais eficiente possível tanto para implementação pelas empresas alvo quanto para o órgão regulador.

[1] Airbnb; Amazon Brasil; Anatel; Artigo 19; Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão – Abert; Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletrônica – Abinee; Associação Brasileira de Instituições de Pagamentos – Abipag; Associação Brasileira de Internet – Abranet; Associação Brasileira de Bares e Restaurantes – Abrasel; Associação Brasileira de Rádio e Televisão – Abratel; Associação Latino-Americana de Internet – ALAI; Conselho Administrativo de Defesa Econômica – Cade; Câmara E-Net (CNET); CCIA – Computer & Communications Industry Association; Center for Cybersecurity Policy and Law; Center for Journalism & Liberty | Open Markets Institute; Centro de Tecnologia e Sociedade – CTS | FGV Rio; Chamber of Progress; Conexis Digital; Conselho Digital

Dynamic Competition Initiative – DCI; Electronic Frontier Foundation – EFF; George Washington University; Global Antitrust Institute; Google Brasil; GSMA; IBRAC; International Center for Law & Economics – ICLE; IDEC; ITIF – International Technology & Innovation Foundation; IPEA; Legal Grounds Institute – LGI; Match Group; Mercado Livre; Meta Inc.; Motion Picture Association; OAB RJ; Proteste; Progressive Policy Institute – PPI; SDIC | Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços; Sleeping Giants Brasil; TechFreedom; Telcomp; Telefonica; ACT | The App Association; TIM; Telecommunications Management Group (TMG); US Chamber of Commerce; Yandex; Zetta.

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