Plataformas digitais e impactos concorrenciais

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No último dia 10 de outubro, foi publicado, pelo Ministério da Fazenda, o relatório “Plataformas digitais: Aspectos econômicos e concorrenciais e recomendações para aprimoramentos regulatórios no Brasil”, que procura consolidar algumas das preocupações a respeito do assunto, assim como apresentar propostas de solução.

Um dos pontos importantes do relatório é o de mostrar as limitações do Direito Antitruste para lidar com os desafios apresentados pelas plataformas digitais, destacando a importância de uma regulação ex ante, tema que eu já tive a oportunidade de abordar em coluna anterior.

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Dentre os principais problemas do antitruste, o relatório enfatiza as limitações das ferramentas e metodologias, que são excessivamente simplificadas para a devida compreensão das dinâmicas competitivas nos mercados digitais. Importante exemplo é a questão dos mercados relevantes e dos critérios de substituibilidade de produtos ou serviços, cujas limitações acabam prejudicando a identificação do poder de mercado.

Além das questões metodológicas, o relatório menciona também vários problemas do Direito Antitruste, tais como a demora na conclusão de investigações e as dificuldades para desenhos de remédios.

Diante do cenário mapeado – e que não diverge substancialmente do que aquilo que a literatura nacional e a estrangeira vêm apontando –, o relatório aponta soluções que são divididas em grupos.

No primeiro grupo, encontram-se as propostas que dependem de mudança legislativa, dentre as quais:

estabelecer procedimento para designação das plataformas sistemicamente relevantes, cujo poder econômico esteja associado às particularidades das dinâmicas dos mercados digitais,
introduzir obrigações procedimentais e de transparência para as mencionadas plataformas,
estabelecer procedimento para que o Cade investigue empresas designadas e defina obrigações substantivas específicas para cada caso,
criar unidade especializada no Cade responsável pela implementação de nova ferramenta pró-competitiva, para o fim de monitorar mercados digitais, designar agentes econômicos, estabelecer e monitorar obrigações,
implementar e monitorar obrigações substantivas em cooperação com órgãos reguladores,
fortalecer as competências do Cade para realização de estudos de mercado, em uma postura proativa e abrangente, inclusive para o fim de conferir ao Departamento de Estudos Econômicos (DEE) poderes para requerer informações e analisar, por conta própria, pedidos de outros órgãos; e
criar fórum de cooperação interinstitucional entre o Cade e outros órgãos federais.

Como se pode observar, sob essa perspectiva, o relatório endossa a necessidade de uma regulação ex ante, com propósitos semelhantes aos do Digital Markets Act Europeu, que define as chamadas plataformas sistemicamente relevantes para lhes atribuir uma série de obrigações, notadamente as de transparência, a fim de facilitar o acompanhamento de suas condutas e evitar uma série de práticas abusivas, tais como conflitos de interesses, negação de acesso e auto-favorecimento.

Já no Grupo II estão as propostas que implicam meros ajustes na aplicação do ferramental antitruste, de forma que não precisariam de alteração legislativa, uma vez que, mesmo quando requeressem normatizações, estas seriam infralegais. Nesse sentido, as principais sugestões são:

atualizar as ferramentas e metodologias antitruste, a fim de que considerem, dentre outros pontos relevantes, as análises de rede e de ecossistemas, a interdependência entre os agentes e outras teorias de danos;
revisar o formulário de notificação de atos de concentração, incluindo questões específicas sobre as particularidades dos mercados digitais;
adotar o rito ordinário para análise de atos de concentração que envolvam plataformas digitais com elevado número de usuários;
fazer uso da faculdade prevista no art. 88, § 7º, da Lei de Defesa da Concorrência, que autoriza o Cade examinar mesmo atos de concentração que não estejam sujeitos aos parâmetros da notificação obrigatória;
atualizar valores de faturamento para a notificação prévia de atos de concentração.

Como se pode observar, o relatório mostra que as autoridades concorrenciais podem e devem fazer mais com o aparato normativo atualmente existente e que, em muitos casos, tais mudanças são possíveis e plausíveis e podem ser implementadas de imediato.

A mensagem principal do relatório, portanto, é a da urgência de se entender melhor a dinâmica do poder das plataformas digitais e os danos que podem causar. Aliás, não deixa de ser irônico que o relatório tenha sido lançado logo após as notícias de que o governo norte-americano ingressou com uma ação contra o TikTok sob a acusação de que a plataforma estaria gerando vício nas crianças.

Trata-se de exemplo interessante para se mostrar que, em se tratando de plataformas digitais, os danos causados a usuários são muito mais variados e complexos do que os danos normalmente analisados pelas autoridades antitruste, incluindo vícios psicológicos, manipulação digital, extração indevida de dados, discriminação abusiva de usuários por meio de sistemas de precificação personalizada, dentre inúmeros outros.

Vale ressaltar que as propostas do Grupo II estão em perfeita consonância com os propósitos do Direito Antitruste, que tem por objetivo essencial o controle do abuso de poder econômico em qualquer que seja a sua modalidade.

Assim, o relatório sob exame é mais um alerta no sentido de que cabe ao Direito Antitruste a urgente missão de adaptar suas metodologias e critérios de análise para analisar as diversas formas pelas quais as plataformas digitais podem exercer poder, tais como poder político, poder de conexão ou de gatekeeper, poder de gestão informacional, poder de influência e tantos outros.

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