Política fiscal vai pesar cada vez menos na política monetária, avalia Mário Telles, da CNI

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A expansão fiscal e o crescimento da despesa nos dois primeiros anos de governo estão se aproximando de uma acomodação, segundo Mário Sérgio Telles, superintendente de Economia da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Para ele, isso reduzirá a necessidade que a política monetária tem de compensar o expansionismo fiscal, como vinha ocorrendo nesse primeiro biênio do atual governo.

Telles reconhece que isso já começa a ocorrer com o anúncio de contenção de R$  15 bilhões em gastos, mas ficará mais claro a partir do próximo orçamento, relativo a 2025.

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Para ele, o esforço fiscal via elevação de tributos já atingiu o limite e esse raciocínio vale inclusive para a tese de redução dos chamados “gastos tributários”, que na prática, explica, aumentaria a carga tributária. O economista considera que o governo deveria reforçar o caminho de corte de despesas. Ele acredita ser factível o alcance da meta de redução de gastos em R$ 25,9 bilhões com o pente-fino e regras mais restritivas para programas sociais no ano que vem.

Telles considera o nível da alíquota o principal risco da reforma tributária do consumo no Senado. Para ele, os 26,5% que a Fazenda tinha calculado passou para, no mínimo, 28% nessa versão do PLP 68 aprovada na Câmara. O economista enxerga ainda uma tendência de alta para esse número, pois as demandas por exceções, que para ele deveriam ser poucas, vão continuar crescendo e o Senado possivelmente acatará parte delas.

A entrevista é a quinta da série “cenário macroeconômico”, que o JOTA tem publicado semanalmente. Confira abaixo os principais pontos:

Taxa de juros: expectativa vs tendência

Não temos expectativa de que o Copom vá reduzir a taxa de juros daqui até o fim do ano. Mas também não acredito em aumento nesse período. A manutenção em 10,5% já é um nível bastante contracionista.

Outra coisa que vai influenciar é o Banco Central Europeu (BCE), que já começou a baixar a taxa de juros. O Federal Reserve (FED) também tem uma chance muito grande de começar redução de juros nos Estados Unidos. Esses dois movimentos são importantes também pois fazem com que nosso diferencial da taxa de juros aumente se continuarmos com o patamar de 10,5%. Isso tem impacto sobre o câmbio e ajuda nesse processo de continuidade de desaceleração da inflação no Brasil.

Esse aumento de expectativa de inflação que estamos vendo agora não necessariamente é o sentimento que está na cabeça dos agentes econômicos de modo geral. Se a gente pegar o repique da inflação em maio, já estava tendo um movimento de aumento das expectativas, mas ele pegou a expectativa com muito componente de retrospectiva, de retrovisor. Já tivemos um número melhor em junho e teremos o IPCA de julho nesta sexta-feira. O ponto que imagino é que vamos voltar para uma trajetória de desaceleração da inflação por conta desses efeitos contracionistas do primeiro ponto que a gente falou. Esses aspectos garantem na nossa visão que o BC não vai aumentar taxa de juros, mas até pelo histórico, não deve voltar a reduzir esse ano.

O que nós da CNI entendemos: esse nível de taxa de juros real é muito alto e excessivo. Quando a gente pega num aspecto mais amplo, a tendência da inflação é de desaceleração. Seja corrente ou das expectativas. Poderíamos ter taxa de juros mais baixas e ainda manter a política monetária contracionista. Já poderíamos estar em um nível de taxas de juros mais baixas.

Política monetária e política fiscal

Embora não seja o que o Banco Central (BC) queria, o fato é que o Ministério da Fazenda tem tentado entregar os resultados do arcabouço fiscal. A gente viu semana passada o bloqueio e contingenciamento e acho que podemos ter, dependendo da evolução, mais algum bloqueio/contingenciamento à frente. Existe um compromisso em se entregar aquele resultado fiscal. E quando a gente olha para frente na questão fiscal temos um desafio grande que não é segredo para ninguém: para [o arcabouço] se manter, ele tem que ter aumento de arrecadação.

Os dois principais anos de política fiscal expansionista do ponto de vista de gasto foram 2023 e 2024. Ano passado começou com a PEC da Transição, abrindo um espaço de cerca de 200 bilhões para aumento de despesas. O espaço não foi todo usado, teremos esse ano de novo uma expansão.

Mas veremos o orçamento de 2025 e não tem mais espaço para esse nível de crescimento de despesa. Quando o BC olha para frente, do ponto de vista da política fiscal, temos a Fazenda procurando entregar os dois pontos principais do novo arcabouço, que é o resultado [primário], trabalhando muito na linha da receita, e o limite de despesa, trabalhando nos bloqueios. Então, a compensação que a política monetária vai ter que fazer da política fiscal vai ser menor. A política fiscal nesses dois aspectos, tanto de buscar o resultado primário como de menor crescimento do gasto, vai cada vez mais colocando menos peso na política monetária.

Não é aquela situação que o teto de gastos trouxe, ele foi um grande aliado da política monetária. Vimos grandes efeitos, não só a Selic, mas as taxas de juros dos títulos públicos caíram muito, mas infelizmente se esgotou. Por isso, talvez um pouco do inconformismo com a política fiscal venha de ter aquela restrição do teto como um paradigma.

Corte de R$ 15 bi insuficiente

Para esse ano, com esse corte de R$ 15 bilhões, nossas projeções mostram que não vai ser suficiente para o cumprimento da meta. Precisa contingenciar ou contar com um empoçamento de mais de R$ 20 bilhões.  Como a Fazenda vai mirar esse resultado, nossa expectativa é que no próximo relatório seja feito mais um ajuste para alcançar a meta de primário de 2024.

[Sobre a sustentabilidade do arcabouço] É um desafio grande porque você atrelou à receita parte das despesas obrigatórias – saúde e educação. Você tem uma política na parte de benefícios assistenciais e previdenciários em que se tenta continuar com o aumento real do salário mínimo.

Tudo isso vai fazer com que grande parte das [despesas obrigatórias] cresçam até mais do que o limite máximo de 2,5%. Terá que ir ajustando nas discricionárias. Cada vez terá menos espaço e em algum momento podemos chegar na exaustão que teve no teto de gastos. Isso pode chegar na mesma situação que em 2022. O ministério tem essa busca por redução de 25 bi em despesas obrigatórias no ano que vem. Ainda não vimos esse detalhamento, mas nossa avaliação é que é possível, tem espaço.

O caminho para manter o arcabouço é essa revisão em despesas e eventualmente uma mudança de regra porque nem tudo pode vir desse pente fino. Regras também podem ser alteradas. Mas vai ter que ser feito, pois se não as obrigatórias vão crescendo e vão engolir as discricionárias.

Agenda arrecadatória pela tributação

Chegou no limite [a estratégia da Fazenda de ajuste pela arrecadação], agora tem que ir pelo lado da contenção dos gastos. Tem algumas questões de tributação que acabam sendo aumento de carga, mas buscando isonomia, como os fundos fechados. Porque o fundo fechado não tinha a mesma tributação do fundo aberto? Então tiveram ajustes que faziam sentido na busca por isonomia. Agora tem outros que foram ruins, causando distorção, como a MP 1227/2024 [que caiu].

A tributação das offshores e dos fundos fechados está gerando até uma arrecadação, enquanto a medida do Carf não está gerando – e a gente sabia [que não ia arrecadar]. Conversamos com muitas empresas e ouvimos que [desconto de] multa e juros não vai resolver, a lógica era“eu confio na minha tese, se deu voto de qualidade, eu vou no judiciário”.

Chegou no limite continuar com um ajuste fiscal só pelo lado da receita. Já é bem documentado, com estudos acadêmicos, que o ajuste fiscal pelo lado da receita tem uma qualidade menor do que quando feito pelo lado da despesa. Gera resultados econômicos melhores tendo um ajuste pelo lado da despesa.

Em termos de carga, não tem mais como aumentar sobre quem já está pagando. Somos contra a ideia de aumentar CSLL [como medida compensatória da desoneração da folha]. Isso é aumentar a nossa distorção para o resto do mundo. Nossa tributação da renda em 34%, se você colocar mais 1 % de CSLL vai para 35% enquanto a média da OCDE é 23%. Houve uma tendência no mundo de reduzir tributação sob a renda corporativa e nós ficamos lá em cima. Isso tem uma série de consequências.

Vamos lembrar que a desoneração da folha começa a ser gradativamente desfeita ano que vem, então você terá um aumento de arrecadação vindo dessa fonte.

Agenda de redução de gastos tributários

Reduzir gasto tributário é, na verdade, aumentar carga tributária. Mas parece que você está reduzindo gasto, é um truque semântico. Isso tem que ficar claro: o combate ao gasto tributário na verdade é um aumento de carga tributária. Avaliar os gastos tributários, se eles fazem sentido ou não [é importante]. Agora tem situações em que eles são fundamentais.

É difícil operacionalizar [uma redução linear do gasto tributário], mas vamos dizer que se faça. Vai ter dois efeitos, um aumento de carga tributária, e, fazendo linear, você atira em todo mundo, quem faz sentido e quem não faz sentido. Esse debate de avaliar a efetividade é importante e desejável, mas tem que se avaliar caso a caso e sabendo que de fato vai acontecer um aumento de carga com essa redução.

Reforma tributária: expectativas para o Senado

Um risco permanente desde o início até agora é a alíquota. Os 26,5% que a Fazenda tinha calculado, na nossa visão, passaram para, no mínimo, 28% nessa versão que chegou ao Senado agora. Com tendência de alta. Isso pode continuar porque as demandas não acabam e isso pode continuar aumentando. Mesmo com essa alíquota, a reforma vale a pena para a indústria. Para nós aqui o grande ponto é a eliminação das distorções que, em alguma medida, o projeto ainda continua fazendo.

Nosso cálculo é que a indústria paga hoje, em média, 42% sobre preço líquido. Então aquela história da imprensa que a reforma é para desonerar a indústria e taxar os serviços é uma bobagem. Na indústria temos setores extremamente tributados, que não é segredo para ninguém, como as bebidas, petróleo, cigarros mas, por outro lado, você tem setores da indústria menos tributados. Quando você tem o novo sistema, os principais setores de serviços estão pagando alíquota reduzida. E tem grande parte do setor que sequer vai ser atingida.

O fato é que, em média, vai ter alguma desoneração na indústria. O que não quer dizer que toda indústria vai ganhar, varia muito. Por isso não existe uma alíquota limite [para a reforma valer a pena].

Mas é óbvio que à medida que você vai aumentando essa alíquota, você penaliza quem está na alíquota padrão. A alíquota poderia ser em torno de 21, 22% se todo mundo pagasse igual. Tem gente pagando 7 para o outro pagar 0.

Sobre aumentar as exceções no Senado, espero que não aconteça, mas as pressões vão continuar. Alguma exceção vai entrar. Aquela trava de alíquota de 26,5% é o parlamentar atual concedendo exceções e colocando para o parlamentar de 2031 o dever de dar um jeito Embora possam ser os mesmos, o fato é esse, eu dou agora um benefício e lá na frente, se o benefício se mostrar excessivo, alguém vai desfazer o que foi feito agora.

Parafiscal e BNDES

Se a questão do parafiscal [apontada pelo BC na Ata] é o BNDES, eu acho que não se justifica. O plano “Mais Produção” tem R$ 300 bilhões em 4 anos, sendo a maior parte em taxa de mercado, em TLP, que foi uma solução lá de trás, de um governo com uma linha mais ortodoxa. Quando o plano foi lançado, onde tinha subvenção, a gente calculou o custo fiscal em R$ 1,9 bilhão.

[Sobre os R$ 300 bilhões do Mais Produção] Não é suficiente, precisa de mais. Por exemplo, com a LCD, que mais uma vez é captação de mercado, tem que ter mais recursos. A LCA, no fim de  2023, foi em torno de R$ 460 bilhões, enquanto a LCD é R$ 10 bi por instituição. Se todos os seis bancos captarem esse máximo, chegamos a 15% da LCA.

A atuação do BNDES está longe de ser um orçamento parafiscal. Nosso cálculo de subvenção é um valor bem pequeno e está restrito a um pedaço. A nossa avaliação é muito positiva, tanto que, embora seja taxa de mercado, os desembolsos e contratações do BNDES estão crescendo muito e esses recursos não vão ser suficientes. Por isso precisamos de um instrumento como esse da LCD para aportar mais recursos ao plano. Esse é o ponto fundamental.

Tem uma visão diferente do BNDES, de fomento à inovação, que é novo, não é aquela política anterior de empresas, é uma visão diferente, focada em missões. A Nova Indústria Brasil (NIB) não tem foco em produto, é uma mistura do que se quer lá na frente, desenvolvimento da cadeia de saúde, então tem indústria, serviços, descarbonização. Então não é desenvolver o setor específico, é uma coisa mais ampla. Acho que temos muitas novidades nessa política industrial e muitas vezes pelo nome (política industrial) se remete ao que foi feito no passado.

Crescimento econômico

No momento estamos com projeção de 2,5% de PIB Potencial – em 2016 estava em torno de 1,5%. Para esse ano esperamos um crescimento de 2,4% de PIB efetivo. Para o próximo ano ainda não fizemos, mas acredito que em algo nessa linha, entre 2% e 2,5%.

Teremos para o ano que vem uma política fiscal menos expansionista. Por outro lado, acreditamos que esse movimento de redução do contracionismo da política monetária leva tempo e ainda vai ser sentido no fim do ano e plenamente sentido ano que vem.

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