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Após um longo período de hibernação no art. 171 do CTN, a transação tributária despertou no cenário legislativo brasileiro com o advento da Lei 13.988/2020 e já encontra seu lugar de protagonista na reestruturação da relação fisco e contribuintes, trazendo para a mesa um ambiente de entendimento e cooperação mútua, como alternativa à via litigiosa, onde, não raro, se observam resultados pendulares e tardios.
A transação por adesão no contencioso judicial ou administrativo tributário, prevista no Capítulo III da Lei 13.988/2020, teve um início mais tímido, quando comparada com a transação na cobrança dos créditos inscritos na dívida ativa da União. A baixa adesão dos contribuintes pode ser explicada pela pequena abrangência das teses escolhidas inicialmente, como os débitos referentes à incidência de contribuições previdenciárias sobre o pagamento de Participação nos Lucros e Resultados (PLR) a empregados e diretores (Edital PGFN/RFB 11/2021) e débitos oriundos de amortização fiscal do ágio (Edital PGFN/RFB 09/2022).
Mas não só. Duas exigências em específico na própria redação inicial da lei trouxeram certa resistência por parte dos contribuintes: a necessidade de conformação ao entendimento da administração tributária acerca de fatos geradores futuros ou não consumados e de a adesão abranger todos os litígios relacionados à tese objeto da transação.
Tais questões entraram no radar do Poder Legislativo por ocasião do envio, pelo Poder Executivo, do projeto da “nova Lei do Carf” e trouxe, a reboque, importantes reformas para a transação do contencioso tributário.
No trâmite parlamentar, foi apresentado o texto substitutivo ao projeto inicial, posteriormente convertido na Lei 14.689/2023, no qual passou a constar a possibilidade de a transação não vincular o contribuinte acerca de fatos geradores futuros; de o contribuinte selecionar os litígios potencialmente albergados pelo edital de transação; o aumento dos descontos, equiparando-os aos descontos dados para a transação da dívida ativa, inclusive prevendo a possibilidade de utilização de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa advindos da apuração do IRPJ e CSLL; e a revogação da vedação de oferta de transação na hipótese de precedentes persuasivos, quando integralmente favorável à Fazenda Nacional. Tudo isso acompanhado da possibilidade de exclusão da base de cálculo do IRPJ e CSLL, dos valores vertidos favoravelmente ao contribuinte em razão dos descontos concedidos.
Tais alterações tornam, inegavelmente, a transação em relação ao contencioso tributário muito mais atrativa para os contribuintes, além de municiar a Fazenda Pública para, caso a caso, elaborar o edital de transação segundo critérios técnicos, para estimular a solução consensual nas teses tributárias relevantes e já disseminadas em inúmeros litígios pelos tribunais.
Nesse contexto, foi elaborado o Edital PGFN/RFB 4/2024, propondo a adesão à transação de débitos decorrentes de exclusões de incentivos e benefícios fiscais de ICMS da base de cálculo do IRPJ/CSLL, em desacordo com o art. 30 da Lei 12.973/2014.
Segundo o edital, a adesão do contribuinte deverá vir acompanhada de renúncia apenas dos débitos incluídos na transação, e implicará em conformação do contribuinte às condições da recém editada Lei 14.789/2023, que instituiu novo marco para a exclusões dos benefícios de ICMS da tributação federal. O edital prevê redução de até 80% do valor da dívida consolidada, em até 12 parcelas mensais e sucessivas, dentre outras opções de descontos.
Dada a multiplicidade de incentivos fiscais previstos pelos estados, ora concedidos como contrapartidas à implantação ou expansão do empreendimento econômico, ora como mera subvenção de custeio, gerando unicamente caixa para a empresa, instaurou-se enorme divergência nos tribunais sobre a matéria.
Por ocasião do julgamento dos Embargos de Divergência no REsp 1.517.492, o STJ firmou compreensão no sentido de que a concessão de crédito presumido por ente federado, observados os requisitos legais, configura instrumento legítimo de política fiscal para materialização da autonomia consagrada pelo modelo federativo. Assim, a tributação de tais valores pela União caracterizaria interferência que violaria o pacto federativo. Veja-se que o acórdão cita a necessidade de observância dos requisitos legais, porém, sem especificar quais. A questão, no entanto, ainda aguarda solução definitiva através de precedente persuasivo relativo ao Tema 576 dos recursos repetitivos do STJ.
Já quando questionado sobre a necessidade de cumprimento dos requisitos do art. 30 da Lei 12.973/2014 e abrangência do quanto definido no EREsp 1.517.492/PR, o STJ firmou convicção, desta vez através de precedente persuasivo (Tema 1.182 dos recursos repetitivos), no sentido da impossibilidade de exclusão dos benefícios fiscais relacionados ao ICMS – tais como redução de base de cálculo, redução de alíquota, isenção, diferimento, entre outros – da base de cálculo do IRPJ e da CSLL, salvo quando atendidos os requisitos previstos em lei, não se lhes aplicando o entendimento firmado no EREsp 1.517.492.
Diante da controvérsia jurídica sobre o tema, surge a questão da pertinência ou não de se aderir ao edital de transação, com todas as vantagens e descontos concedidos, mas, em contrapartida, de se abrir mão de levar ao Judiciário uma nova briga jurídica, agora para afastar as disposições da Lei 14.789/2023.
A Lei 14.789/2023, ao passo que revogou a possibilidade de exclusão, da base de cálculo do IRPJ e CSLL, das subvenções para investimento concedidas por ente federado, passou a prever novo incentivo fiscal operado através de um crédito fiscal reembolsável ao contribuinte via compensação ou ressarcimento em dinheiro. O contribuinte beneficiário de subvenção para investimento deve se habilitar perante a RFB e apurar na sua Escrituração Contábil Fiscal (ECF) o crédito fiscal, calculado mediante aplicação da alíquota de 25% sobre o produto das receitas de subvenção.
A única razão pela qual a legislação federal previu, ao longo do tempo1, a exclusão do valor das subvenções para investimento da base de cálculo do IRPJ e, posteriormente, da CSLL, foi que o montante do ganho que o contribuinte auferisse com essa benesse seria, inescapavelmente, destinado a um investimento como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos. Ou seja, já havia presumidamente, desde que atendidos os requisitos da lei, um gasto atrelado àquela receita, razão pela qual tal valor não se caracterizaria como rendimento passível de tributação sobre a renda.
Uma verdadeira subvenção para investimento, aquela que é concedida de fato como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, deve ser registrada como reserva de incentivos fiscal e, como tal, ser excluída da base de cálculo do dividendo obrigatório, ou seja, não será distribuída aos acionistas, até porque, por presunção, esse valor vem atrelado a um investimento subsidiado pelo Poder Público.
É sabido que boa parte dos chamados créditos presumidos, na verdade, trata-se de simples redução de alíquota de ICMS, através do emprego do método de alíquota fixa sobre as operações de saída, independentemente do aproveitamento de qualquer crédito na entrada, o que acabará por atrair esses casos para o que foi decidido quanto ao tema 1.182 do STJ.
Esse é o panorama atual da matéria objeto do edital de transação e que merece reflexão, por parte dos contribuintes, principalmente aqueles que possuem incentivos e benefícios fiscais ou financeiros referentes ao ICMS em descompasso com o art. 30 da Lei 12.973/2014. Será que valerá a pena brigar contra a Lei 14.789/23?
O prazo está prorrogado para até 30 de setembro de 2024.
[1] O benefício foi criado por meio do Decreto-Lei 1.598, de 26 de dezembro de 1977, que, no seu art. 38, previu que:
“Art. 38. Não serão computadas na determinação do lucro real as importâncias, creditadas a reservas de capital, que o contribuinte com a forma de companhia receber dos subscritores de valores mobiliários de sua emissão a título de: […]
§ 2º – As subvenções para investimento, inclusive mediante isenção ou redução de impostos concedidas como estímulo à implantação ou expansão de empreendimentos econômicos, e as doações, feitas pelo Poder Público, não serão computadas na determinação do lucro real, desde que: […]”.