No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Qual é a vantagem do semipresidencialismo?

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Sobretudo após o impeachment de 2016, alguns juristas vêm defendendo a mudança da forma de governo do país do presidencialismo para o semipresidencialismo, sob a alegação de que esse último modelo proporcionaria uma saída (mais rápida e sem rupturas institucionais) para momentos de crise política.

Vem-se repetindo que o presidencialismo é uma estrutura propensa à paralisia, já que o impeachment é lento, de articulação complexa, o que o torna pouco prático como ferramenta para remover um presidente. A tendência acaba sendo a de esperar o mandato acabar, o que também acaba sendo traumático.

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No início deste ano, a discussão sobre o semipresidencialismo voltou à tona, e convém entender um pouco seu significado e os termos de algumas das propostas que estão sobre a mesa.

Como indica o próprio nome, o semipresidencialismo consiste em um híbrido, um misto entre o parlamentarismo e o presidencialismo em suas formas puras, e cujas principais características são:

  • uma chefia dual do Executivo, em que o chefe de Estado (o presidente) é eleito democraticamente, de forma direta ou indireta, para um mandato, e compartilha o poder Executivo com 2) um primeiro-ministro (encarregado de conduzir o governo), definido a partir dos grupos majoritários do Legislativo;
  • enquanto o presidente é independente do parlamento (não depende do apoio da maioria parlamentar), o primeiro-ministro é independente do presidente, mas está sujeito ao voto de confiança do parlamento (muda quando mudam as combinações da maioria).

A dualidade da autoridade no semipresidencialismo permite diferentes arranjos de divisão dos poderes em concreto, predominando em uns a figura do presidente, em outros a do primeiro-ministro. Outras características contingentes desse modelo são o poder de dissolver o parlamento, de destituir o primeiro-ministro, os poderes normativos etc.

O exemplo concreto mais citado de semipresidencialismo é o francês da Constituição de 1958. Outros países, como Portugal, Sri Lanka, Finlândia, Áustria e Islândia, também o adotam. A Alemanha de Weimar (1919-1933) também tinha uma estrutura de autoridade bicéfala, apontada como precursora do modelo. Entretanto, os autores divergem entre si,[1] com listas diferentes de países, pelo que o semipresidencialismo é um sistema com elementos díspares.

Como se dizia, a vantagem do semipresidencialismo estaria na sua suposta capacidade de lidar melhor com as “maiorias divididas” (ou “coabitação”), isto é, quando a maioria que elegeu o presidente não coincide com a maioria que controla o parlamento. Na prática essa vantagem ocorreria – nas palavras de Georges Vedel, referindo-se ao semipresidencialismo francês – porque o modelo implica uma alternância entre o presidencialismo (quando as maiorias coincidem) e o parlamentarismo (quando ocorre o contrário).

Giovanni Sartori[2] afirma que o melhor sistema de governo é o que funciona melhor em concreto, ou seja, os desenhos e idealizações podem resultar muito diferentes quando efetivamente executados. Entretanto, o autor reconhece que o semipresidencialismo é mais fácil de aplicar. Ocorre que sua opinião é a de que o modelo seria um remédio insuficiente para países como o Brasil, em que existe uma grande fragmentação parlamentar ou multipartidarismo excessivo. O problema está precisamente em que essa disfuncionalidade dificulta a formação de maiorias sólidas.

Ainda assim valeria a pena o debate em busca de aperfeiçoamentos voltados para que a população possa se livrar de governos ruins (instáveis, incompetentes, ineficientes ou impotentes, também na expressão de Sartori).

Não custa recordar que o sistema de governo não é cláusula pétrea. O art. 60, § 4º, incisos I e II, da CF, estabeleceu a intangibilidade tão-somente da forma de Estado federativa e republicana, ao garantir o voto direto, secreto, universal e periódico. Tanto, que o art. 2º do ADCT convocou um plebiscito no dia 7 de setembro de 1993 para que a população definisse o parlamentarismo ou o presidencialismo como sistema que deveria vigorar no país.

À época, ganhou o presidencialismo. Passados aproximadamente 37 anos da promulgação da CF e 32 anos do plebiscito, a rediscussão do assunto agora sob novas roupagens não implica qualquer tipo de afronta à vontade popular manifestada naquele então. O art. 2º do ADCT já teve sua eficácia exaurida e dele não se pode extrair a determinação que uma rediscussão do assunto deva passar necessariamente por nova consulta popular.

Entretanto, conforme o relatório do grupo de trabalho destinado a analisar e debater temas relacionados ao sistema de governo semipresidencialista (GTSISGOV), entendeu-se que seria razoável a realização de um novo plebiscito e já anexou minuta de decreto legislativo para convocá-lo.

Criado em 2022, e coordenado pelo deputado federal Samuel Moreira (PSDB-SP), o grupo também entendeu que não seria necessária uma reforma no sistema político-eleitoral, considerando que a adoção do semipresidencialismo implicaria, automaticamente, a aglutinação das forças partidárias em base de governo ou oposição.

Para o novo sistema funcionar, de fato, será preciso coesão e coerência no funcionamento dos partidos. Entretanto, para alguns – como o deputado Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP) –, esse efeito não decorrerá da simples adesão ao sistema semipresidencialista, e será preciso reformar também o sistema eleitoral para garantir a estabilização e condições de governabilidade.

Uma das minutas de PEC sobre o assunto que circula em Brasília é de autoria do ministro do STF Gilmar Mendes e do ex-presidente Michel Temer, cujo texto está em grande medida contemplado na proposta do deputado Samuel Moreira (PSDB-SP), não protocolizada formalmente, pois ainda não reuniu o número mínimo de assinaturas necessárias.

A minuta estabelece que o presidente da República teria a competência de nomear e exonerar o primeiro-ministro, após a consulta aos partidos políticos que compõem a maioria do Congresso Nacional (possível art. 86-B da CF). Esse chefe de governo seria escolhido entre brasileiros natos maiores de 35 anos, preferencialmente entre os membros do Congresso Nacional, por voto da maioria absoluta em sessão unicameral (atenção, não seria sessão conjunta da Câmara dos Deputados e do Senado). Aqui, é desnecessário explicar que esse desenho, na prática, conferirá um peso muito maior à Câmara dos Deputados na escolha do primeiro-ministro; o Senado ficará enfraquecido.

Na história constitucional recente, somente houve sessões unicamerais por ocasião da aprovação das propostas de emendas constitucionais de revisão (ECR), nos termos do art. 3º do ADCT. Isso implica que as duas Casas Legislativas funcionem como se fosse uma Casa só, e o voto de um senador tem o mesmo peso do voto de um deputado. Isso faz com que o Senado perca seu poder de veto.

Quanto à brecha dada para que este seja um não parlamentar (de fora do Congresso), poderia ser lançada a crítica de falta de representatividade. Entretanto, é preciso recordar que, nas últimas eleições, por exemplo, somente 28 dos 513 deputados se elegeram com os próprios votos (atingiram ou ultrapassaram o quociente eleitoral); os demais foram puxados pelas regras de cálculo do sistema proporcional, que considera também o quociente partidário. Então, esse pedigree de ser oriundo do Congresso não é garantia de representatividade.

Além disso, o Congresso já terá a incumbência de aprovar o plano de governo que precisará ser apresentado pelo pretendente ao cargo de primeiro-ministro. Haverá a possibilidade de que os partidos políticos celebrem um contrato de coalizão, fixando pontos básicos do programa de governo a serem atendidos pelo primeiro-ministro. Dessa forma, entende-se que o sistema de accountability está bem amarrado, já que a legitimidade do primeiro-ministro sempre dependerá da confiança do Congresso.

Pela inserção do art. 86-C que se pretende na CF, em qualquer oportunidade, o primeiro-ministro poderá solicitar o voto de confiança do Congresso Nacional, mediante declaração ou no exame de proposição que considere relevante. O voto de confiança será aprovado pela maioria simples do Congresso em sessão unicameral, mediante declaração ou, no exame de proposição relevante, pelo quórum previsto para a aprovação da proposição correspondente (§ 1º).

Decorridos 12 meses da posse do primeiro-ministro, o Congresso, por iniciativa do presidente da República ou de 2/5 dos membros de ambas as Casas, e pelo voto da maioria absoluta, poderá apreciar moção de censura ao governo, em sessão unicameral (art. 86-C, § 2º).

Nessa hipótese, o Congresso não poderá aprovar moção de censura, sem eleger, em até 48 horas, novo primeiro-ministro. Aqui, o quórum da iniciativa parlamentar da moção de censura parece baixo (menor do que o necessário para abertura de uma CPI, por exemplo), o que pode gerar instabilidade. O prazo de 48 horas também soa muito exíguo e, sem uma sanção ou previsão de regra transitória, pode acabar implicando acefalia do posto, o que seria absolutamente indesejável.

Novamente, nesses dois casos, a previsão de sessão unicameral retira muito do eventual poder de influência do Senado nessas definições. O quórum de aprovação (por maioria absoluta) resulta adequado, sobretudo porque a decisão precisa vir acompanhada de proposta de formação de novo governo (§ 4º). Se a moção de censura for rejeitada, os signatários somente poderão subscrever outra após decorridos seis meses (§ 5º). Para completar, foi estabelecida uma trava: somente poderão ser iniciadas três moções de censura na mesma sessão legislativa.

Como se vê, a redação dá uma brecha para que outro(s) grupo(s) que totalize(m) os 2/5 apresente(m) novas moções de censura em prazo inferior. Considerando o tamanho do Congresso, esse poderia virar um jogo de repetição até o primeiro-ministro ser derrubado. Entretanto, colocado o limite de três, a lógica muda por completo: fatalmente, essa regra gerará uma corrida no início de cada sessão legislativa, assim como ocorre em relação às CPIs nas Casas Legislativas que estabelecem um número máximo de comissões investigativas funcionando ao mesmo tempo.

Esse ponto foi explicado aqui. No caso na minuta de PEC em comento, o corre-corre será para gastar as três moções (com pedidos fracos, que serão rejeitados) e blindar o primeiro-ministro logo no início da sessão legislativa.

Seria preciso mais espaço para seguir comentando os demais aspectos da minuta de PEC em questão; não dará para esgotar o tema hoje, mas possivelmente o assunto será retomado em outra oportunidade. Nada obstante, do que se examinou até aqui, já é possível perceber que as regras propostas gerarão consequências (algumas imprevisíveis, mas outras bem fáceis de antever, como já apontado acima) que precisam ser bem debatidas, por conta do sistema de incentivos que criarão.


[1] Por exemplo, confiram-se SARTORI, Giovanni. Ingegneria costituzionale comparata: strutture, incentivi ed esiti. Bologna: Il Mulino, 1998; SHUGART, Matthew Soberg; CAREY, John M. Presidents and Assemblies: Constitutional Design and Electoral Dynamics. Cambridge: CUP, 1992; DUVERGER, Maurice. A New Political System Model: Semi-presidential Government. European Journal of Political Research 8, p. 165-87, 1980.

[2] SARTORI, Gioavanni. Ingegneria costituzionale comparata: strutture, incentivi ed esiti. Bologna: Il Mulino, 1998, p. 168.

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