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Os últimos três anos foram marcados pela edição de Leis e Decretos que buscaram, e buscam, promover uma maior qualidade da regulação no Brasil. A Lei Geral das Agências Reguladoras, a Lei de Liberdade Econômica, e os Decretos 10.139/2019, 10.178/2019, 10.229/2020, 10.411/2020, 11.092/2022 e 11.243/2022, juntos, introduziram uma série de boas práticas para os reguladores nacionais. São alguns exemplos: agenda regulatória, consulta e audiência pública, análise de impacto regulatório (“AIR”), revisão e consolidação periódica do estoque regulatório, avaliação de resultado regulatório, classificação de risco das atividades econômicas com simplificação de procedimentos para as atividades de riscos baixo e moderado, a autorização de uso de normas e boas práticas internacionais quando as brasileiras estiverem desatualizadas, e a publicação das taxas e preços públicos relacionados ao exercício da regulação.
Promover a qualidade regulatória é parte fundamental de uma agenda de desenvolvimento. Estimativas apontam que melhorias na qualidade regulatória têm o potencial de elevar os investimentos privados em cerca de 1,59% do PIB, montante longe de trivial. No entanto, ainda há uma grande lacuna entre o que determinam as Leis e os Decretos acima referenciados e a prática dos reguladores brasileiros. Há uma série de causas potenciais que explicam essa lacuna, muitas sintetizadas pelo TCU[1], em auditoria realizada em 2022, como (i) uma governança deficiente pelo Centro de Governo; (ii) a ausência de pessoal qualificado; (iii) insuficiência de dados; e (iv) falta de conhecimento dos reguladores sobre o seu papel regulador. Embora estas causas tenham sido levantadas em auditoria sobre a implementação do Decreto de AIR, Decreto nº 10.411/2020, não seria surpresa para quem acompanha esta agenda se elas também fossem atribuídas às demais boas práticas elencadas acima.
Uma possível causa para esta lacuna, ainda pouco explorada, é a (baixa) participação do setor privado nas boas práticas regulatórias[2]. A entrada do setor privado nessa pauta, participando da construção da agenda regulatória, cobrando por melhores análises ex-ante e ex-post, oferecendo dados, referências e mapeamentos de outras experiências relevantes e defendendo os seus interesses de forma transparente e por meio dos canais que estão disponíveis a todos os cidadãos brasileiros – como as tomadas públicas de subsídios, consultas e audiências públicas (CAP’s) – tem o potencial de alavancar esta agenda e lhe atribuir a relevância que merece.
Como o setor privado pode fazer isso? Trazemos neste artigo um caso concreto de preparação do setor privado regulado – no caso, a Petrobras – para atuar de forma estratégica ao longo do processo regulatório, buscando fomentar a participação destes atores na agenda de melhoria regulatória nacional.
Em 2023, a área de Gestão de Parcerias e Processos de E&P criou uma área chamada Inteligência Regulatória que tem investido fortemente em um ativo imprescindível para a tomada de decisão: dados. É por meio dos dados que a Companhia busca compreender a linguagem do regulador e articular de maneira mais precisa as demandas que são manifestadas por meio de mecanismos de participação social.
Atualmente, as iniciativas têm como foco estruturar um processo sistemático de preparação para posicionamento nas consultas e audiências públicas. Isso exige, em uma primeira abordagem, o conhecimento sobre o histórico das CAP’s: período em que foram realizadas, objetivos, aceitação em relação às contribuições apresentadas pelos atores interessados, atos normativos gerados, intervalo de tempo para publicação, superintendências e diretorias envolvidas. Pode-se dizer que estas informações são uma espécie de ponto de partida onde os envolvidos compreendem o contexto que envolve a CAP. Os dados precisam ser estruturados e ter semântica clara, evitando ambiguidade na etapa de coleta. Assim, é possível representá-los sob a forma de painéis, facilitando a compreensão e uso.
A segunda abordagem vai focar na análise dos atos normativos e administrativos publicados durante e após as CAP’s. Na fase de envio das propostas, o processo prevê um estudo detalhado da minuta (cenário de edição de norma) e comparação com a resolução ou norma anterior, se houver. Neste caso, ambos os documentos são segmentados em artigos, parágrafos, incisos, alíneas e itens. Cada dispositivo da minuta de norma publicada na CAP e da resolução a ser revisada são comparados a fim de detectar as mudanças que serão, posteriormente, classificadas por tipo e grau de impacto. Isso é relevante na medida em que a adoção e as propostas de alteração de atos normativos de interesse geral precisam ser submetidas à análise de impacto regulatório. No entanto, o regulador pode não estimar adequadamente – ou mesmo desconhecer – esses impactos ex-ante. As CAPs, para além da legitimidade processual que conferem à ação regulatória, tem como objetivo basilar preencher as inerentes lacunas de conhecimento de qualquer tomador de decisão. Como coloca Cass Sustein, a consulta não é uma pesquisa de opinião, e não deve ser usada para verificar a temperatura política ou observar quanto apoio uma proposta consegue atrair. O seu objetivo é submeter a avaliação da agência sobre as consequências prováveis de sua ação à um rigoroso e transparente escrutínio público.
É fato que o tempo dispendido para realização de determinadas tarefas repetitivas, baseadas em regras e padronizadas, é alto, e testes com algoritmos escritos em python para automatizar tais tarefas já vêm dando bons resultados. Com todos os dados em mãos, a tomada de decisão passa a ser orientada por critérios objetivos, principalmente com foco no envio de propostas que tragam equilíbrio entre os interesses de todos os entes envolvidos e que sofrem impacto da regulação.
Na fase posterior à CAP, empreende-se uma análise dos resultados com reuniões de lições aprendidas. Similar ao que ocorre na fase de envio de propostas, faz-se comparações entre o conteúdo da minuta e a norma final, bem como compara-se o ato normativo inicial com a norma ao final publicada. Este procedimento permite identificar, quantitativa e qualitativamente, as mudanças e a origem da mudança: se foram propostas oriundas de consumidores, agentes econômicos, profissionais do setor, atores governamentais ou academia. São estudadas as propostas aceitas, não aceitas e aceitas parcialmente e as justificativas da autoridade reguladora. Estes dados são organizados e situam os envolvidos na nova realidade regulatória, o que pode envolver mudanças na atuação das pessoas, adequação de processos e de tecnologias.
Vale ressaltar que o objetivo da Petrobras ao mobilizar esse aparato é garantir um processo eficiente de preparação e participação nas CAP’s. Isso é importante na medida em que: 1) reduz o custo burocrático e de mobilização da máquina estatal, pois evita o envio de propostas e manifestações que estejam fora do escopo estabelecido pela CAP e pelos limites impostos pelos mecanismos de participação social, além de estimular o envio de contribuições mais efetivas e inovadoras; 2) contribui para que as mudanças regulatórias tragam equilíbrio ao setor; 3) reduz a assimetria informacional, fornecendo explicações detalhadas e assertivas sobre as consequências das mudanças na regulação; 4) valoriza o processo de CAP, como meio formal e democrático de manifestação em que esforços devem ser envidados para unir os diversos agentes, buscando aperfeiçoar as decisões do regulador.
Ainda é desafiador ter processos de participação social estruturados, engajadores e representativos dos grupos afetados e potencialmente interessados. Todavia, teremos um enorme ganho em qualidade regulatória quando o setor privado regulado, em especial grandes agentes econômicos, passar a apresentar as suas demandas com base em evidências e de forma sistematizada, ou seja, por meio dos mecanismos de participação social formais disponibilizados pelo regulador. Com isso, o regulador também precisará se estruturar para considerar e acolher as contribuições do setor regulado e sociedade em geral.
[1] Brasil (2022). Tribunal de Contas da União. Acórdão 2325/2022. Plenário. Relator: Ministro Vital do Rêgo. Sessão de 19/10/2022. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 19 out. 2022.
[2] Uma importante contribuição, na vanguarda do tema, é o artigo da professora Patricia Valente, publicado neste mesmo portal, que chama a iniciativa privada para o modo de operar do regulador: “Não se admitirá mais que o particular aguarde o processo decisório, sem nele se envolver, para, posteriormente, alegar a invalidade da decisão dele resultante”.