Qual ‘L’ Tabata vai fazer na campanha eleitoral municipal?

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Nas eleições municipais de São Paulo, há uma oportunidade única para emergir um polo alternativo à esquerda democrática que ora preside o país e à extrema direita à qual boa parte dos autodenominados liberais e conservadores decidiu vincular-se ou por afinidade ideológica enrustida ou para enfrentar uma estratégia eleitoral de alto risco. Afinal, o bolsonarismo já deu mostras que usa a direita clássica para chegar ao poder, passar um verniz civilizacional e, em seguida, relega à sarjeta ideias e lideranças liberalizantes.

A deputada federal Tabata Amaral (PSB-SP) é a pré-candidata que pode romper a oposição — não polarização, pois não se trata de extremos — entre forças da esquerda tradicional e da nova direita autoritária tupiniquim. Muitas vezes rotulada como esquerdista pela direita e excessivamente à direita para quem está na esquerda tradicional, Tabata tem clara viabilidade eleitoral, pois pesquisas indicam que boa parte dos seus eleitores não a conhece e ao mesmo tempo rejeitam os candidatos que lideram a corrida eleitoral.

São eles Ricardo Nunes (MDB), que busca a reeleição com apoio explícito do bolsonarismo, e Guilherme Boulos (PSOL), também deputado federal e que ainda luta para liberar-se da pecha de radical, herdada do tempo de líder dos sem-teto.

Será interessante ver o desempenho de Tabata nas pesquisas à medida que se tornar mais conhecida da população. Hoje ela é desconhecida por 47% do eleitorado. Portanto, ainda há um grande potencial de votos para ela explorar ao longo da campanha. Sua história de vida reúne elementos de superação fortes para desenhar uma narrativa que se conecta com a cidade que se vê liderando o país. Nascida na periferia da zona sul de São Paulo, perdeu o pai para o crack e graduou-se em Harvard, uma das melhores universidades do mundo.

Quando a campanha começar de verdade, Tabata, porém, vai ter que decidir entre fazer o “L” de Lula, para quem ela fez campanha contra a reeleição de Jair Bolsonaro em 2022, ou o “L” de Jorge Paulo Lemann, bilionário e filantropo. Ela foi em 2016 uma Lemann Fellow logo após se formar em Harvard, onde o empresário também banca bolsas de estudo, geralmente voltadas à projetos que envolvam métodos quantitativos em políticas públicas.

Naquele papel, Tabata desenvolveu o projeto social Mapa Educação, em cujo site ela figura como uma das fundadoras. Dois anos depois conquistou seu primeiro mandato como deputada federal pelo PDT, partido do qual chegou a ser suspensa por votar a favor da reforma da Previdência em 2019. Beneficiada por decisão do Tribunal Superior Eleitoral em 2021, ela manteve o mandato sob a alegação de que foi discriminada pelo partido e migrou para o PSB, mesma sigla que recebeu o ex-tucano Geraldo Alckmin para ser candidato à vice-presidência na chapa liderada por Lula em 2022.

Lula merece inúmeras críticas pela forma como conduziu o país em tempos de bonança global, pois esteve bastante aquém de extrair o potencial brasileiro, mas seu “L” tornou-se um símbolo contra o desmonte do Estado representado pelo bolsonarismo. Tratava-se de defender a ordem constitucional de 1988 e a democracia contra o golpismo praticado quase que diariamente por Bolsonaro e que foi escancarado com sua fuga para os Estados Unidos e a intentona de 8 de janeiro.

Já o “L” de Lemann simboliza — vamos ser elegantes — as contradições do capitalismo brasileiro. Ele é um dos sócios da 3G Capital, firma de private equity que detém a maior parte das ações das Lojas Americanas e também é gerida pelos empresários Marcel Telles e Carlos Alberto Sicupira. Em fato amplamente divulgado, as Americanas estão sob recuperação judicial após um rombo milionário e mal-explicado ter sido identificado nas contas da empresa.

Ecoando os bons tempos de centrismo tucano, Tabata poderá imitar os ex-correligionários de Alckmin e ficar em cima do muro. Uma resposta potencial é que ela não faz o “L”, mas o “B” de Brasil, o que, porém, ecoa o desprezo bolsonarista por partidos. Seria má-fé, porém, associar Tabata ao bolsonarismo. Dito isso, a candidata tem o dever de colocar com clareza se vai servir de preposta a um dos homens mais ricos do Brasil ou terá independência caso venha a ser eleita prefeita de São Paulo.

Para além de pessoalismos envolvendo a figura A, B ou C, são legítimos os questionamentos acerca das convicções de Tabata sobre os limites entre o público e o privado.

Em particular, fiquei estarrecido com a notícia de que em 2019 o então namorado da recém-empossada deputada havia recebido R$ 23 mil do fundo eleitoral por serviços prestados para sua campanha por 50 dias. É legal, mas se trata de patrimonialismo, como se espera que a deputada tenha aprendido em Harvard, já que o principal diploma (major) dela na universidade é em Ciência Política. Na prática, a teoria para mudar o Brasil é outra e talvez seja mais simples: evitar a mistura entre público e privado. Tabata está preparada para isso?

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