Qual o ponto ótimo para o nível de desigualdade de um país?

Spread the love

Existe na literatura de Análise Econômica do Direito um debate interessante acerca de um dilema entre eficiência de curto e longo prazo no ordenamento jurídico e o consequente impacto no crescimento econômico (Meneguin e Bugarin, 2016)[1].

Um resultado importante dessa discussão está explícito em teorema demonstrado por Cooter e Edlin (2010)[2], chamado de Welfare Overtaking Theorem. Em suma, o raciocínio é o seguinte: o custo ou a ineficiência gerada num primeiro momento (como preço mais alto, diminuição da concorrência ou prejuízos para a inovação) podem ser compensados no longo prazo com uma maior taxa de crescimento que se sustente. Isso faz com que uma suposta intervenção estatal possa ser eficiente do ponto de vista intertemporal, apesar de, no curto prazo, trazer embutida uma ineficiência.

Uma extensão dessa ideia é apresentada pelos autores ao argumentarem que, em alguns momentos, decisões de políticas públicas podem agravar a concentração de renda, mas a perda de bem-estar inicial pelo aumento da desigualdade pode ser compensada se a concentração de renda gerar incremento sustentado na taxa de crescimento econômico.

Tal debate entre igualdade e crescimento é estudado em Cooter e Schäfer (2012)[3] por meio de análise histórica de diversos países, permitindo aos autores apresentarem a seguinte generalização:

Gráfico 1: Crescimento econômico vs. nível de desigualdade

Crédito: Cooter e Schäfer (2012)

Pelo Gráfico 1, vemos que uma desigualdade muito alta não consegue criar condições para um crescimento econômico sustentado. Isso é explicado na literatura pelo aumento de instabilidade política, diminuição dos investimentos e até ameaças ao direito de propriedade.

Por outro lado, uma igualdade muito elevada também acarreta baixo crescimento econômico, sendo explicada pelos autores como situações nas quais se forçou uma isonomia entre os cidadãos, desestimulando o empreendedorismo e diminuindo os incentivos à inovação.

Ante essa discussão, cabe perguntar qual seria então a desigualdade ótima? Quais características aumentam a probabilidade de estarmos no ponto X em relação ao nível de desigualdade no Gráfico 1 que maximiza o crescimento sustentado?

A obra Extremos traz literatura e evidências essenciais para responder a essas questões (Nery, 2024)[4]. Uma certa desigualdade é importante por refletir maiores capacidades de estudo, trabalho e empreendimento. Trata-se de consequência positiva a bons incentivos da matriz institucional para que as pessoas se esforcem. No entanto, se essa desigualdade for demais, a concentração de renda e riqueza apenas servirá de mecanismo para preservação do status quo, dificultando mobilidade social.

O livro ressalta que o problema não é a desigualdade oriunda de diferenças no esforço pessoal das pessoas, mas sim na desigualdade de oportunidades. A falta de igualdade na partida “dificultaria que pessoas talentosas e esforçadas alcançassem todo seu potencial. Privadas de boas escolas ou boas vagas de emprego, por exemplo, elas deixam de ser profissionais produtivos que deveriam ser, o que implica perda para a economia” (Nery, 2024).

Em um comparativo internacional, a elevada desigualdade de oportunidades brasileira fica evidente ao se visualizar o gráfico a seguir, elaborado pela OCDE[5]:

Gráfico 2: Número de gerações para um descendente de família de baixa renda atingir uma renda média

Fonte: OCDE (2020)

Enquanto na Dinamarca, país com melhor mobilidade intergeracional, espera-se apenas duas gerações para um cidadão migrar de uma família de baixa renda para uma com renda média; no Brasil, são necessárias nove gerações para mudança equivalente.

É inequívoco assim que estamos diante de um cenário de oportunidades muito desiguais no nosso país. Isso permite inferir que, apesar de não podermos definir qual é o melhor nível de desigualdade conforme apontado no Gráfico 1, é possível sim indicar um caminho para atingirmos esse ponto ótimo de desigualdade que maximize o crescimento econômico – no caso brasileiro, o foco deve ser em políticas públicas que uniformizem as oportunidades para todos, especialmente para as crianças da primeira infância.

[1] MENEGUIN, F. B.; BUGARIN, T. T. S. O Dilema entre a Eficiência de Curto e de Longo Prazo no Ordenamento Jurídico e o Impacto no Crescimento Econômico. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/Senado, Julho/2016.

[2] COOTER, R.; Edlin, A. Law and Growth Economics: A Framework for Research. Berkeley Program in Law and Economics, Working Paper Series, 2010.

[3] COOTER, R. D.; Schäfer, H. B. Solomon’s knot: how law can end the poverty of nations. New Jersey: Princeton University Press, 2012.

[4] NERY, P. F. Extremos: Um mapa para entender as desigualdades no Brasil. 1ª edição. Rio de Janeiro, Zahar, 2024.

[5] OECD (2020), OECD Economic Surveys: Brazil 2020, OECD Publishing, Paris.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *