Quando o STF acerta: o julgamento sobre os poderes investigatórios do MP

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O Ministério Público pode investigar?

O Supremo Tribunal Federal terminou no último dia 2 de maio o julgamento em que definiu os parâmetros para que o Ministério Público instaure procedimentos investigatórios criminais por iniciativa própria, mesmo que em concorrência com a polícia. O poder investigatório do Ministério Público sempre foi reconhecido pelo Supremo e a questão já havia sido pacificada em 2015, quando do julgamento do tema 184 da Repercussão Geral. A matéria, todavia, voltou ao Supremo, mas agora para dispor sobre os limites a que esse poder de investigação do MP deve estar submetido. 

O que o Supremo decidiu?

O STF decidiu que o Ministério Público pode instaurar investigações de ofício, mas deve obrigatoriamente comunicar o juízo competente sobre a instauração da investigação, suas prorrogações e o seu término. Além disso, o STF impôs ao MP os mesmos prazos para a investigação estabelecidos às Polícias no inquérito policial, e caso haja necessidade de prorrogação da investigação, o MP deverá requerer justificadamente a prorrogação.

O STF também estabeleceu que a instauração ou não de procedimento investigatório pelo MP nos casos de envolvimento de agentes policiais deve ser motivada. Por fim, o Supremo decidiu que as perícias técnicas devem gozar de autonomia funcional, técnica e científica na realização dos seus laudos.

Como foi o julgamento?

O tema estava pendente de julgamento há anos e era objeto de três Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIs 2943, 3309 e 3318) que questionavam dispositivos da Lei Complementar 75/1993, da Lei Orgânica Nacional do MP (Lei 8.625/1993) e ainda da Lei Orgânica do MP-MG. Os processos tramitaram lentamente ao longo do tempo, mas encontraram um terreno fértil no início de 2024. E justamente na dualidade que marca as idas e vindas dos julgamentos que transitam entre o plenário virtual e o plenário físico do STF.

O ministro relator das ADIs, Edson Fachin, incluiu as ADIs para julgamento pelo plenário virtual e lançou seu voto favorável à autonomia investigatória do MP. No entanto, no curso do julgamento, o ministro Gilmar Mendes abriu divergência e, em seguida, houve pedido de destaque, o que zerou o julgamento e levou o caso para apreciação pelo plenário físico do STF. Foi mantido apenas o voto do ministro Ricardo Lewandowski, que havia acompanhado o ministro Edson Fachin, mas também já havia se aposentados da Corte. O julgamento foi então retomado no dia 25 de abril e só terminou na sessão seguinte, em 2 de maio, com a definição das cinco teses que conformaram os parâmetros para a investigação própria pelo Ministério Público.

Por que o julgamento foi importante?

Em outros casos, esse tipo de atuação dos ministros com inclusão de julgamento no plenário virtual, abertura de divergência, pedido de destaque, manutenção ou desprezo de voto já proferido por ministro que em seguida se aposentou, poderia ensejar alguma desconfiança (como aconteceu no caso da revisão da vida toda, por exemplo). No entanto, neste caso sobre os limites da investigação autônoma do MP, os movimentos decisórios abriram vias para a conformação de um julgamento muito mais deliberativo e com uma colegialidade cooperativa tão desejada quanto rara no STF. Não à toa o julgamento foi unânime.

Os ministros do STF demonstraram não apenas a dedicação de cada um sobre o tema, como se empenharam em, conjuntamente, chegar a bom termo sobre cada elemento, limite, prazo, que deveria compor o enquadramento normativo da investigação de ofício realizada pelo Ministério Público.

O paço inicial desse virtuoso julgamento deliberativo e colegiado foi a apresentação de voto conjunto dos ministros Edson Fachin e Gilmar Mendes. A primeira vez que isso ocorreu foi há menos de um ano, quando os ministros Luis Roberto Barroso e Gilmar Mendes apresentaram voto conjunto sobre o piso salarial da enfermagem.

A iniciativa agora foi repetida, num tema sensível como o dos parâmetros para investigação de ofício pelo MP. A apresentação de voto conjunto nunca é fácil. É preciso diálogo entre os ministros, alinhamento de posições, afinamento de itens e refinamento do que constitui divergências. E, neste caso, convém lembrar, o ministro relator Edson Fachin inicialmente apresentou um voto no plenário virtual que foi confrontado por voto divergente do ministro Gilmar Mendes.

Ou seja, para saírem de votos opostos e chegarem a um voto conjunto, houve deliberação interna entre eles. Certamente trocaram ideias, intercambiaram argumentos, abriram mão, de lado a lado, de itens ou elementos, para chegarem a uma posição unívoca. E ainda engajaram o restante do tribunal na empreitada. Para que a votação fosse unânime, os demais ministros também deram suas contribuições para o refinamento da posição do STF e explicitação da tese.

As duas sessões de julgamento foram extremamente deliberativas, com intervenções dos ministros, ora gerais, ora pontuais, para acréscimos ou correções dos argumentos de fundamentação e definição objetiva e clara das teses.

Os ministros Flávio Dino e Alexandre de Moraes tiveram contribuições importantes, chamando a atenção para correções dos argumentos e dos elementos que comporiam as teses que foram construídas e prolatadas ao final do julgamento. Ambos também conformaram suas posições sobre o tema ao longo do julgamento, mostrando como é possível que diferentes posições sobre o tema possam congregar elementos e fundamentos comuns em prol da construção de uma opinião da Corte.

Este julgamento do Supremo sobre os parâmetros dos poderes investigatórios do MP foi importante porque mostrou como é possível que ministros tão diferentes em suas posições e posturas atuem de forma deliberativa e cooperativa entre si, a ponto de apresentarem um voto conjunto. Mais do que isso, ministros puderam e conseguiram envolver seus pares numa empreitada deliberativa que fosse construtiva. Não assistimos a defesas de votos ou de posições, majoritários ou vencidos, mas vontade e empenho pela construção de uma decisão colegiada substantiva, que se fundasse nos consensos e mitigasse os dissensos, para que houvesse uma decisão forte e clara do Tribunal sobre o tema.

O ministro presidente Luís Roberto Barroso foi atento e cuidadoso com o tribunal e com seus pares na condução das duas sessões de julgamento. O ministro relator Edson Fachin foi um verdadeiro timoneiro da construção da solução. O então ministro divergente Gilmar Mendes foi dinâmico e diligente ao se engajar na correção que pretendia do voto do relator e ao buscar, agora, erigir voto conjunto. Os demais ministros foram exemplares ao se colocarem como partícipes ativos e cooperativos dessa construção da decisão do tribunal.

O processo de julgamento a que assistimos e a definição final das teses deixou nítido como é possível que, a despeito das profundas diferenças existentes entre os ministros, o tribunal se engaje numa formação colegiada, com atuação deliberativa, onde se busca a construção do melhor argumento, com cooperação, e não disputa ou competição, e a definição de teses claras e objetivas que expressem uma consistente opinião da corte.

É preciso reconhecer e elogiar quando o Supremo acerta

É preciso que sejamos exigentes e rigorosos com o Supremo e seus ministros. Eles nos devem a guarda da nossa Constituição e devem exercer tal competência com zelo exemplar – tanto com relação ao processo constitucional quanto ao fundamento material e substantivo de suas decisões e ainda com suas posturas pessoais e institucionais.

Temos sido vigilantes quanto a isso – e esta coluna, composta por professores e pesquisadores dedicados aos estudos do STF – é a prova de que críticas, muitas delas duras e difíceis, são feitas quando fundadas em bons argumentos e com pretensões positivas de correção.

Mas também é preciso reconhecer e elogiar quando o Supremo acerta. Afinal, é sobre os bons exemplos e as boas práticas que devemos pensar o futuro do STF.

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