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Olá, querido leitor!
Neste mês, trataremos de um tema que, salvo engano meu, jamais foi objeto desta coluna (mas deveria ter sido): a sustentabilidade. Assunto central para o nosso bem-estar, para a integridade de Pachamama/Gaia/Terra – ou como se queira chamar – e para o futuro das gerações que virão.
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Vamos falar de um mundo sustentável? Na medida do que nos cabe e do que está ao nosso alcance, sempre. Mas sem retroceder em atitudes e convicções. A isto.
O Conselho Nacional de Justiça realizou, nos dias 23 e 24 de outubro, no auditório do Conselho da Justiça Federal, em Brasília, a 1ª Conferência Internacional para a Sustentabilidade do Poder Judiciário, sob a minha coordenação, na condição de presidente da Comissão Permanente de Sustentabilidade e Responsabilidade Social do CNJ.
A abertura contou com a palestra magna do ministro Herman Benjamin, presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), e o ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do CNJ, proferiu conferência na manhã desta quinta-feira (24), que foi seguida por quatro painéis temáticos (sendo que, no primeiro, estiveram presentes dois eminentes nomes da sustentabilidade no cenário internacional, Paul Clements-Hunt e Andrew Gilmour).
Houve ainda na quarta-feira (23), uma audiência pública em que foram apresentadas iniciativas selecionadas de sustentabilidade oriundas do setor privado, do segmento público e do terceiro setor, de um total de quase setenta práticas inscritas. E nesta quinta-feira foi lançado e assinado o Pacto Nacional pela Sustentabilidade no Poder Judiciário, que deverá alcançar os 91 tribunais do país ao longo dos meses.
Pela importância e envergadura do evento, muito poderia ser dito a propósito de seus conteúdos e personagens. Mais importante que isso, todavia, era tratar das ideias que dele verteriam.
A sustentabilidade é um conceito multidimensional e holístico, que propõe, em síntese, o equilíbrio ideal entre o desenvolvimento econômico, o bem-estar social e a preservação ambiental. No contexto contemporâneo, esse conceito é frequentemente associado ao acrônimo ESG (Environmental, Social and Governance), que sugere a integração de vetores ambientais, sociais e de governança, todos utilizados para medir o impacto e a sustentabilidade das atividades empresariais. As práticas de ESG têm se tornado essenciais para empresas e instituições que buscam não apenas lucro, mas também uma operação mais responsável e ética.
Nesse sentido, a combinação das políticas tradicionais de sustentabilidade com as inovações conceituais e operacionais da abordagem ESG amplia a visão de responsabilidade, incluindo não só a preservação do meio ambiente, mas também a garantia de boas práticas sociais – com a proteção e a promoção de direitos sociais e da acessibilidade – e de transparência e accountability nas organizações.
A noção de ESG tornou-se particularmente relevante na medida em que investidores, consumidores e reguladores passaram a exigir maior transparência e responsabilidade social das empresas e das instituições públicas. As organizações que adotam critérios ESG são frequentemente vistas como mais resilientes a riscos e mais propensas a ter sucesso no longo prazo.
De acordo com dados da Global Sustainable Investment Alliance (GSIA), os investimentos em ativos ESG somaram US$ 35,3 trilhões globalmente em 2020, representando cerca de um terço dos ativos financeiros sob gestão no mundo. Este crescimento reflete a crescente demanda por práticas empresariais mais responsáveis e transparentes.
Nesse cenário, a Conferência das Partes (COP), reunião anual promovida pela Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, tem se destacado como um fórum global essencial para o debate internacional sobre sustentabilidade.
As negociações realizadas durante as COPs influenciam diretamente as políticas globais voltadas à redução de emissões de gases de efeito estufa e à promoção de um desenvolvimento mais sustentável. A COP 26, realizada em Glasgow no ano de 2021, por exemplo, resultou em importantes compromissos internacionais, como a redução de emissões de metano e a eliminação gradual do uso de carvão.
Essas conferências representam um esforço coordenado para enfrentar as mudanças climáticas e alinhar as políticas públicas ao cumprimento dos objetivos do Acordo de Paris; e o protagonismo do Brasil, nesse particular, ganha maior envergadura pela realização da 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP 30) na cidade de Belém do Pará, em novembro de 2025.
Ainda no Brasil, o Poder Judiciário tem atuado de forma proativa no tema da sustentabilidade, implementando uma série de medidas para reduzir seu impacto ambiental e melhorar sua eficiência administrativa. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) tem desempenhado um papel central na promoção da sustentabilidade dentro do Judiciário, editando resoluções tendentes a garantir que os tribunais adotem práticas institucionais cada vez mais sustentáveis. Entre essas normas, destacam-se as Resoluções 400 e 401, ambas de 2021, que introduziram diretrizes importantes para a gestão ambiental no âmbito do Judiciário.
A Resolução 400 do CNJ estabelece a Política de Sustentabilidade no Poder Judiciário, com o objetivo de promover a eficiência no uso de recursos naturais, a gestão adequada de resíduos e a adoção de tecnologias limpas pelos tribunais do país. Além disso, incentiva a realização de compras sustentáveis e a implementação de ações que reduzam a pegada de carbono das atividades judiciárias. Um exemplo prático dessas medidas é a adoção de energia solar em alguns tribunais, o que tem contribuído para a redução do consumo de energia elétrica proveniente de fontes não renováveis.
No âmbito da Justiça do Trabalho, a utilização de placas fotovoltaicas para geração de energia elétrica já é realidade em mais da metade dos tribunais: esses sistemas estão em funcionamento no Tribunal Superior do Trabalho (TST), no Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) e em 13 dos 24 Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs). Isso representa 54,1% do total dos tribunais trabalhistas.
Por sua vez, a Resolução 401 trata especificamente da acessibilidade e da inclusão de pessoas com deficiência nos órgãos do Poder Judiciário, realizando uma das dimensões da letra S (social) em uma política de sustentabilidade que deve ir além da proteção do meio ambiente natural, sem, contudo, descurar desse aspecto.
Ambas as resoluções sugerem, ademais, a necessidade de transparência na gestão de recursos, a inclusão de critérios sociais na formulação de políticas internas e a promoção de uma governança mais participativa e inclusiva. Essas ações reforçam o compromisso do Judiciário com a sustentabilidade em suas diversas dimensões, indo além da questão ambiental e abordando também os aspectos sociais e de governança, como tenho insistido.
Um exemplo concreto da eficácia dessas políticas pode ser visto na redução de consumo de papel nos tribunais. Entre 2015 e 2020, o Judiciário brasileiro conseguiu reduzir em cerca de 40% o consumo de papel, resultado que está diretamente associado à implementação do processo eletrônico e de outras inovações tecnológicas, como os esforços voltados ao programa Justiça 4.0, com a criação do Juízo 100% Digital, dos Núcleos de Justiça 4.0, do Balcão Virtual e da digitalização do acervo físico.
Essa mudança não só diminuiu a dependência da instituição em relação aos recursos naturais, mas também trouxe maior agilidade e eficiência aos processos judiciais. Além disso, a digitalização de processos e outras providências trouxeram sensível redução de deslocamentos físicos – e, logo, de emissão de gases de efeito estufa –, reforçando o papel da tecnologia e da inovação na sustentabilidade do Judiciário.
Outra iniciativa importante foi a adoção de programas de gestão de resíduos sólidos em diversas unidades do Judiciário, incluindo a coleta seletiva e a destinação adequada de resíduos eletrônicos. A Resolução 400 incentiva a realização de campanhas educativas voltadas à conscientização dos servidores e usuários sobre a importância de práticas sustentáveis no ambiente de trabalho. Essas campanhas têm contribuído para uma mudança de cultura dentro dos tribunais, com maior engajamento de magistrados, servidores e trabalhadores terceirizados.
É certo, no entanto, que a sustentabilidade no Judiciário vai além das questões operacionais e tecnológicas. Ela envolve também a promoção de uma Justiça mais inclusiva e acessível. A Resolução 401, ao lado de outras tantas igualmente relevantes – como, p. ex., a Resolução 525/23 (alternância de gênero no acesso ao 2º grau dos tribunais), a Resolução 512/23 (cotas para indígenas na Magistratura) e a Resolução 255/2018 (Política Nacional de Incentivo à Participação Feminina no Poder Judiciário) –, incorporam princípios fundamentais de governança social e estimulam a adoção de políticas que promovam a equidade de gênero, a inclusão de minorias e as diversas dimensões da acessibilidade.
Dessa forma, a sustentabilidade no Judiciário abrange tanto a eficiência ambiental quanto o fortalecimento da justiça social e dos direitos humanos fundamentais.
Em termos de números, o Relatório de Sustentabilidade do CNJ de 2022 destacou que cerca de 60% dos tribunais brasileiros já implementaram programas de eficiência energética, resultando em uma economia anual de aproximadamente R$ 15 milhões. Além disso, o relatório menciona que mais de 80% das unidades judiciárias adotaram medidas de racionalização no consumo de água, resultando em uma economia significativa em um período de apenas três anos. Esses dados demonstram o impacto positivo das políticas de sustentabilidade no funcionamento do Judiciário e a sua efetiva contribuição para a preservação de recursos naturais.
Entre 2020 e 2021, houve efetiva redução nas despesas com copos descartáveis (34,0%), consumo de papel (22%), reformas com layout (16,1%), água envazada (13,4%), telefonia (12,0%) e impressões3 (11,1%), p. ex.
Outro aspecto relevante é a integração dessas práticas sustentáveis às metas nacionais e internacionais de combate às mudanças climáticas. O Brasil, como signatário do Acordo de Paris, comprometeu-se a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa, e o Judiciário, ao adotar políticas alinhadas ao modelo ESG, contribui diretamente para o cumprimento dessas metas. O esforço do Judiciário nesse sentido também está alinhado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Agenda 2030 da ONU, que estabelecem metas globais para um futuro mais sustentável.
Na academia, diversos estudiosos têm se debruçado sobre a relação entre justiça, sustentabilidade e ESG. Alguns deles, inclusive, estiveram conosco nesta 1ª Conferência Internacional para a Sustentabilidade do Poder Judiciário. O acadêmico britânico John Elkington, conhecido por ter cunhado o termo triple bottom line – que reporta o padrão ESG e aponta para o necessário equilíbrio entre os aspectos econômico, social e ambiental – é uma referência central nesse debate.
Elkington argumenta que as empresas e instituições devem integrar esses três pilares para alcançar uma sustentabilidade verdadeira e de longo prazo; e, é claro, isso também se aplica aos tribunais e órgãos judiciários. Em suas palavras, o futuro da sustentabilidade depende da nossa capacidade de repensar a prosperidade de forma que o lucro não venha às custas das pessoas e do planeta (Elkington, 1998).
Por tudo, bem se vê que a sustentabilidade no mundo – e no Poder Judiciário – é uma realidade cada vez mais necessária e palpável, marcada pela adoção de políticas robustas, como as referidas Resoluções 400 e 401 do CNJ, que visam não apenas a reduzir o impacto ambiental, mas também a promover uma governança socialmente mais justa e transparente.
O alinhamento dessas ações aos princípios ESG e às metas globais de sustentabilidade demonstra o compromisso do Judiciário com um futuro mais responsável e inclusivo. Voltando a John Elkington, cabe entender que o “verdadeiro progresso só será alcançado quando conseguirmos equilibrar todas as necessidades econômicas, sociais e ambientais em nossas práticas cotidianas”, tanto no setor privado quanto no público. A 1ª Conferência Internacional de Sustentabilidade é apenas um passo – mas, sim, um passo importante – nessa direção.
O que achou, amigo leitor? O quão consciente você está das questões de sustentabilidade para pequenos ajustes no seu dia a dia e nas organizações de que participa? Voltaremos a falar disso nos próximos meses. Como falaremos, também, de uma outra resolução do Conselho Nacional de Justiça, relativamente polêmica – a Resolução 586/2024, que dispõe sobre métodos consensuais de solução de disputas na Justiça do Trabalho”) –, que mereceu acerbas críticas pela rede afora, inclusive por “violar o princípio da legalidade” e as competências da União (v., p. ex.), até mesmo por quem, em passado distante, editava portaria para impedir acordos sem vínculo empregatício na sua unidade (o que acabou sendo objeto de impugnação no próprio CNJ).
E, ainda adiante, trataremos também da resolução do CNJ sobre litigância predatória, aprovada na sessão do último dia 22. Mas falaremos disso tudo no momento oportuno. Até lá!