Reforma eleitoral: é preciso lembrar do eleitor

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Se há um assunto que permanece em pauta na política brasileira é a reforma eleitoral necessária que magicamente resolverá as diversas mazelas do nosso sistema político. Há de se perguntar quais seriam essas mazelas que o sistema eleitoral causa e, se for o caso, qual seria a solução para elas. A rigor, pelo acumulado no debate público brasileiro, não se sabe nem uma coisa, nem outra.

Enquanto nos perguntamos o que as regras eleitorais podem fazer por nós, os políticos aproveitam a construção de uma imagem de “salvadores da pátria” e introduzem modificações que no máximo resolvem os seus próprios problemas.

Neste momento, estão em pauta diversos temas na atual proposta de reforma liderada pelo Senado, que passam por temas muito diversos como as chamadas sobras eleitorais, a inelegibilidade de políticos, a prestação de contas de campanha, a formação de federações partidárias etc. Mas entre eles destacam-se dois pontos bastante importantes para o cidadão: o fim da reeleição para cargos do Executivo e a coincidência das eleições municipais com as eleições gerais.

Estes dois tópicos têm repercussão imediata para os brasileiros e precisam ser bem avaliados, pois nos levam a uma outra constatação: em nenhuma reforma, a decisão do voto é levada seriamente em conta. E nenhum problema maior vai ser resolvido se isto não acontecer.

O argumento favorável à reeleição é o de que um representante que pode se manter no cargo teria maior interesse em produzir políticas públicas que atendessem o cidadão. Afinal, teria o incentivo de se recandidatar e conseguir o seu voto. Assim, a reeleição permitiria que o político trabalhasse com um olhar ainda mais atento à avaliação que o eleitor faz de seu mandato. Excluída essa possibilidade, o político teria menos interesse de tomar certas decisões porque o eleitor só poderia punir eleitoralmente o seu partido e não a ele individualmente. O fim da reeleição provocaria a perda de um instrumento de pressão eleitoral relevante.

Já o argumento contrário é o de que esse olhar do político em manter o apoio eleitoral cria espaço para que ele utilize a máquina pública para “comprar” votos. Nesta situação, ao invés de elaborar políticas públicas de interesse do cidadão, visando sanar grandes questões cujo resultado é de horizonte mais largo, o mandatário atuaria no curtíssimo prazo, voltado para questões muito imediatas, sem que de fato resolvesse os problemas reais da população. Ainda que as ações direcionadas para o momento presente não sejam exatamente ilegais ou ilegítimas, caberia ao eleitor o esforço de entender essa distinção e reprovar a decisão do político. No caso brasileiro, isto não ocorreria já que há demandas reais muito prementes para grande parte da população e, então, a reeleição teria um efeito perverso sobre a ação do político.

O outro tema é a coincidência das eleições municipais com as eleições gerais. Com algumas propostas distintas sobre como seria a transição, a sugestão é que o mandato dos prefeitos e vereadores coincida com o dos demais cargos e tenhamos todas as eleições em uma única data. Neste caso, novamente, há considerações contrárias e favoráveis.

A favorável é que a coincidência permitira maior coordenação tanto das elites políticas, quanto dos eleitores. Com o maior prêmio em disputa – a Presidência da República – as discussões em torno dos demais cargos ocorreria a reboque das estratégias eleitorais que visam a vitória na eleição presidencial. Este efeito de coordenação tornaria a oferta de candidaturas melhor organizada e tenderia a provocar diminuição no número de partidos. Os eleitores teriam melhores condições de também coordenar seus votos em torno de número menor de alternativas, já que a decisão para a disputa presidencial tomaria mais sua atenção e as demais seriam influenciadas por ela.

Porém, há que se considerar o esforço cognitivo para a decisão do eleitor no caso de haver sete eleições em disputa num mesmo dia. Atualmente, o sistema já é demandante para que o cidadão brasileiro escolha um representante em cada um dos cinco cargos nas eleições gerais. Devemos escolher presidente, governador, deputados estaduais e federais, além do senador, todos no mesmo dia. A inclusão de mais dois cargos – prefeito e vereador – não facilitará a vida de ninguém.

Ademais, é preciso considerar que estas disputas também ocorrem em um ambiente com elevadíssimo número de candidatos. Para ficar num exemplo fácil, em São Paulo concorreram mais de 1.600 candidatos nas últimas três eleições para deputado federal, com 70 eleitos. Para vereador, o número de candidatos é da mesma ordem, com 55 cadeiras a serem ocupadas na capital paulista. Como escolher uma pessoa para ser nossa representante num ambiente assim?

Esta dificuldade cognitiva em um processo de decisão é reconhecida pela psicologia e tende a gerar um comportamento conservador nas pessoas: se a pessoa não consegue comparar as alternativas, ela escolhe o mais seguro, o já conhecido. Torna-se mais difícil arriscar porque não se sabe ao certo o que está em jogo. Em termos eleitorais, isso implica em votar em quem já se conhece ou em algum nome de maior projeção, já que as pessoas precisarão lançar mão de atalhos cognitivos que ajudam na escolha. Atalhos não são um problema em si, mas ter um ambiente de decisão muito turvo, com muitas informações, é.

A dificuldade de cognição também tem importância na consideração sobre o final da reeleição. A motivação pelo fim desse instituto é que o eleitor hoje já não conseguiria avaliar as políticas de longo prazo e as trocaria por interesses mais imediatos. Sem a possibilidade de reeleição, esse problema se resolveria teoricamente, mas, a partir do momento em que o mandatário indicar apoio a uma outra pessoa, a prática de curto prazo permanecerá – muda apenas o beneficiário direto.

Tudo está nas mãos dos cidadãos. Uma reforma política necessária passa por tornar o sistema mais informativo para o eleitor. Isso não quer dizer apenas dar a ele mais dados ou melhorar o acesso à informação clara e correta, mas tornar o sistema mais simples para a tomada de decisão.

Por exemplo, nas regras atuais, por que não descasar em meses as eleições para os cargos executivos dos legislativos? Poderíamos votar para os cargos legislativos apenas na data da realização do segundo turno, quando teríamos apenas dois candidatos ao Executivo em disputa ainda, com um pouco mais de chance de pensar em cada grupo de eleição por vez.

Em um caso assim, o esforço de coordenação partidário não se perde, não se aumentam os custos das eleições significativamente – já que haveria um segundo turno em praticamente todo o país – e ainda daria uma folga para que o eleitor avaliasse melhor as propostas oferecidas, ainda mais já sabendo quem são as candidaturas a ocupar o segundo turno.

Sugestões deste tipo precisariam ser melhor pensadas, evidentemente. A coordenação partidária é importante, mas a clareza para a tomada de decisões pelos eleitores também é. Nenhuma mudança vigente no país parece incorporar estas considerações, sejam nas propostas atuais, sejam nas anteriores. O debate público brasileiro a respeito das eleições ainda não incorporou como o eleitor toma suas decisões – a não ser para dizer que o “outro” não sabe votar. Este ponto é fundamental e precisa ser tratado com seriedade e a importância devida.

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