No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Reforma, harmonização e federação: o não adotado modelo Indiano

Spread the love

Recentemente, comparamos o novo sistema tributário brasileiro com o de outros países e chegamos à conclusão de que o Brasil está mais próximo de um modelo de estado unitário descentralizado do que de uma federação. O exame vai além da mera perda de competência tributária, mas passa por uma questão pouco explorada de perda de capacidade tributária ativa dos entes subnacionais, que nem sequer terão a possibilidade de administrar, autonomamente, seus tributos. Este é o primeiro de uma série de trabalhos nesse sentido. Iniciaremos pela comparação com o modelo indiano.

Capacidade Tributária e Centralização

Além de limitar a competência tributária (em decorrência da substituição de impostos de competência subnacional – ICMS e ISS – pelo Imposto sobre Bens e Serviços – IBS, instituído por legislação federal), a reforma alterou profundamente a capacidade tributária ativa1 dos entes subnacionais, que envolve funções como arrecadação, fiscalização, julgamento administrativo e partilha de receitas.

Conheça o JOTA PRO Tributos, nossa plataforma de monitoramento tributário para empresas e escritórios, que traz decisões e movimentações do Carf, STJ e STF

Antes da reforma, os 27 Estados e Distrito Federal e os mais de 5570 Municípios possuíam procedimento de fiscalização, sistema de arrecadação, órgão de julgamento administrativo e representação judicial próprios. Cada ente subnacional exercia a administração de seu tributo, o que envolvia o poder de decidir se ele seria cobrável, se teria havido a incidência, qual prazo de pagamento, como se daria sua fiscalização e arrecadação, como seria formado o tribunal administrativo, uniformizada a jurisprudência, etc.

Depois da reforma, todas essas atividades deixam de ser titularizadas pelas entidades parciais de poder e passam a ser centralizadas em um condomínio tributário, por meio de um comitê que representará uma pluralidade de interesses, nem sempre convergentes, o que interfere com as relações federativas horizontais.

Do ponto de vista das relações verticais, a reforma tributária supõe a harmonização do IBS com a CBS, sob pena de ferir a “simplicidade” propalada durante a tramitação da EC 132, inserida como princípio fundante do sistema no §3º do artigo 145 da Constituição Federal. De fato, o §6º do art. 156-B da Constituição Federal determinou expressamente que União e o Comitê Gestor atuem “com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos”.

Embora a União não participe do comitê gestor, ela participa do comitê e do fórum de harmonização, com representação, em ambos, de 50% (quatro representantes), nos termos dos arts. 319 e 320 da LC 214/25.

Ocorre que a representação dos interesses próprios dos Estados e Municípios será indireta, mediante designação de dois representantes para votarem em nome de 27 Estados e o Distrito Federal e de outros dois representantes para votarem em nome de mais de 5.570 Municípios (art. 320, III, da LC 214/2025). A formação desses colegiados, que são fundamentais para definir as regras comuns do IBS/CBS e acomodar os interesses da União, dos Estados e Municípios, difere da estrutura de um órgão federativo clássico2 em que há representação direta dos entes subnacionais na União.

Assine gratuitamente a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas do dia no seu email

A representação também é desigual. Isso, porque, enquanto a União forma um bloco monolítico, com interesses claramente alinhados e representação de 50% nesses comitês, os 27 Estados e DF (25%) e os mais de 5570 Municípios (25%), que possuem uma pluralidade de interesses regionais/locais, eventualmente até antagônicos entre si, respondem, juntos, pelos demais 50%. Portanto, os entes subnacionais nem sequer possuem maioria nos comitês.

Além disso, a LC 214/25 estabelece que as decisões das instâncias de harmonização devam ser tomadas por unanimidade, o que cria um ambiente propício à paralisia decisória, conforme experiência histórica do CONFAZ relativamente ao ICMS3. Enquanto isso, a União mantém autonomia plena para legislar sobre a CBS, pois não depende diretamente do CG para regular seu tributo.

Reforma tributária na Índia

A reforma tributária na Índia durou mais de 15 anos desde a proposição inicial do Goods and Services Tax (GST), em 19994, até a aprovação da 101ª Emenda à Constituição Indiana, em 20165. A estrutura dual do GST assegura que tanto o governo central quanto os estados tenham alguma competência para legislar e arrecadar o imposto e garante a coexistência de ambos os níveis de administração tributária. A competência legislativa é compartilhada, mas regulamentada pelo GST Council, órgão criado para coordenar e harmonizar a legislação entre os entes federativos. Apesar disso, os Estados podem legislar sobre aspectos regulamentares do GST dentro de suas fronteiras (SGST), seguindo os parâmetros gerais do modelo nacional. O IGST, incidente sobre as transações interestaduais e internacionais, é legislado e administrado exclusivamente pela União.

O modelo confere competência concorrente à União e aos Estados para tributar essas bases. Dada a complexidade dos interesses envolvidos, essa alteração constitucional seguiu um rito específico, exigindo aprovação por maioria qualificada nas duas Casas do Parlamento e ratificação por, no mínimo, metade das assembleias legislativas estaduais. Tal mecanismo imprimiu caráter federativo à realocação das competências tributárias, pois esta não resulta de imposição unilateral do poder central, mas de um consenso entre os Estados. Além disso, certos impostos permaneceram sob a titularidade dos Estados, tais como os incidentes sobre álcool, petróleo e eletricidade.

Inscreva-se no canal de notícias do JOTA no WhatsApp e fique por dentro das principais discussões do país!

O Conselho do GST, responsável pela harmonização do GST, assegura a predominância dos estados no processo decisório. Com efeito, o Conselho do GST é composto por representantes do governo central (1/3 dos votos) e dos governos estaduais (2/3 dos votos). Cada estado tem um voto igualitário, independentemente de sua população ou contribuição econômica. As decisões exigem maioria de 75% dos votos, o que garante que nenhuma parte possa impor sua vontade unilateralmente.

Conclusão comparativa Brasil-Índia

No modelo indiano, a preservação da autonomia subnacional é um princípio fundamental, refletido na aprovação da reforma, que demandou sua ratificação pela maioria das assembleias legislativas estaduais, bem como na composição e nas regras de votação do Conselho do GST e na manutenção de algumas competências legislativas pelos Estados.

No Brasil, a legislação do IBS é federal, o CG-IBS tem composição que favorece a União, e os estados e municípios estão fragmentados, dificultando a formação de blocos coesos. A exigência de unanimidade no CG-IBS cria um sistema potencialmente disfuncional, diferente do modelo indiano, que promove equilíbrio federativo ao estabelecer que os estados tenham maioria no Conselho do GST. A participação dos Estados indianos na ratificação da reforma, por meio de suas assembleias legislativas, difere substancialmente do que ocorreu no Brasil em que a reforma foi realizada “de cima para baixo”, mediante emenda constitucional e lei federal editados pelo Congresso, sem participação direta dos entes subnacionais.

Embora a retórica que permeou a reforma tenha apontado para uma inspiração no sistema indiano, seu exame revela diferenças notáveis. O sistema brasileiro é muito mais centralizador, distanciando-se das características de uma verdadeira federação.

1 BALEEIRO, Aliomar de Andrade. Direito Tributário Brasileiro. 11ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2003, pp. 79/80.

2 MADISON, HAMILTON e JAY, 2003: 375.

3 SZELBRACIKOWSKI, Daniel Corrêa; FUNARO, Hugo. ICMS e Guerra Fiscal: da LC 24/1975 à LC 160/2017, 2022, São Paulo: Amanuense.

4 Durante o governo do Primeiro-Ministro Atal Bihari Vajpayee

5 Governo da Índia. GST – concept and status. Relatório oficial do Comitê de Tributos Indiretos e Aduaneiros, Ministério das Finanças da Índia. Abril/2019.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *