Reforma tributária, GT 18 e a regulamentação do Comitê Gestor do IBS

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Como vimos nos artigos anteriores desta série, após a promulgação da Emenda Constitucional 132 (EC 132/23), de 20 de dezembro de 2023, o Ministério da Fazenda estabeleceu a criação de Grupos Técnicos especializados para orientar a elaboração dos novos projetos de lei complementar[1] tendentes a regulamentar a reforma tributária do consumo. Os integrantes destes GTs são indicações de entes federados.

Paralelamente, foram formados Grupos de Trabalho (GTs) para auxílio a essa regulamentação, com a participação também de representantes da sociedade e das empresas, visando a ampliação do processo democrático, a exemplo da Frente Parlamentar do Empreendedorismo, em conjunto com outras frentes, o Instituto Unidos Brasil e o Mulheres no Tributário.

Neste artigo, abordaremos os temas tratados no âmbito do GT 18, voltado à regulamentação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), órgão criado como entidade pública sob regime especial, por meio do qual os Estados, Distrito Federal e Municípios deverão exercer, de forma integrada, suas competências administrativas relacionadas ao novo imposto sobre o consumo.

Conforme disposto no artigo 156-B, incisos I a III, da Constituição Federal (CF), o Comitê Gestor detém uma série de competências consistentes em (i) editar regulamento único; (ii) uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do IBS; (iii) arrecadar o imposto; (iv) efetuar as respectivas compensações; (v) distribuir o produto da sua arrecadação; e (vi) decidir sobre o contencioso administrativo.

Como se vê, a partir das competências atribuídas ao Comitê Gestor, o órgão agregará diversas funções de naturezas distintas: (i) como órgão legislador, ao editar normas infralegais; (ii) como órgão judicante, lato senso, ao uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto, bem como decidir sobre o contencioso administrativo; (iii) como agente financeiro, ao arrecadar, efetuar compensações e distribuir o produto dessa arrecadação; e, por fim, (iv) como órgão administrativo, ao estabelecer e gerir o seu próprio orçamento.

Ao examinarmos essas competências e o efetivo papel do Comitê Gestor no novo sistema tributário, que faz as vezes das funções hoje exercidas pelo entes federados separadamente com relação aos tributos de sua competência, não há dúvidas de que o Órgão representa um pilar essencial da reforma tributária, na medida em que centraliza toda a operacionalização do modelo da tributação sobre o consumo trazido pela EC 132/23, com o objetivo de assegurar a simplicidade, transparência, e a não cumulatividade plena, que são os princípios basilares do novo sistema.

Para assegurar o pleno desempenho das suas atribuições e a eficácia do sistema, é crucial que a Lei Complementar, que regulamentará esse órgão, delimite muito bem suas competências e sua forma de funcionamento, sob pena de lhe conferir poderes excessivos, ultrapassando os limites daqueles pretendidos na promulgação da EC 132/23, e comprometendo o modelo de tributação sobre o consumo introduzido por meio da instituição do IBS.

Considerando esse contexto, nos trabalhos desenvolvidos pelo grupo Mulheres no Tributário no âmbito do GT 18, entendemos que as regras a serem abordadas na lei complementar devem considerar a garantia de algumas premissas básicas, tais como, (i) a representatividade igualitária aos Estados e principalmente aos Municípios de todas as regiões do país; (ii) a paridade de gênero dos membros do Comitê Gestor; (iii) a participação da sociedade civil  nos seus órgãos; e (iv) a edição de regras claras quanto ao seu papel na uniformização da interpretação e aplicação da legislação do imposto.

Com base nessas premissas, destacamos abaixo os principais pontos das proposições elaboradas nesse GT.

Formação do Comitê Gestor: eleição dos representantes e deliberações

Em relação aos critérios de seleção dos representantes dos Estados e Municípios para o Comitê, sugerimos que seja estipulado como requisito geral para todos os membros a qualificação em matéria tributária, acompanhada de, pelo menos, 5 anos de experiência comprovada em cargos relacionados a essa área.

Quanto à nomeação, ficará a cargo do governador dos Estados indicar seu representante, sujeito à confirmação pela respectiva Assembleia Legislativa. Já para os representantes municipais, a indicação seguirá os critérios de votação determinados pela EC 132/23, assegurando a presença mínima de dois representantes de cada região geográfica, bem como a garantia de paridade de gênero para representantes estaduais e municipais.

A definição do Presidente do Comitê Gestor deverá ocorrer por meio de processo eleitoral interno do órgão, com candidatura prévia dos interessados e decisão com base nos votos dos membros do Comitê, com peso igual para todos os votos. Ainda, deve ser assegurada a alternância da presidência entre Estados e Municípios, bem como observado o mandato de 3 anos sem direito à reeleição.

A aprovação de deliberações na instância máxima do órgão, por sua vez, deverá observar critérios que preservem o poder de voto dos entes federados, garantindo maior diversidade e pluralismo na tomada de decisões. Assim sendo, para os Estados, além da maioria absoluta de seus representantes, exige-se o voto favorável de, pelo menos, dois terços das unidades federadas e um terço de cada região. Já para os Municípios, exige-se maioria absoluta dos seus representantes.

Estrutura operacional do Comitê Gestor

Em termos de estrutura operacional, nos parece que o critério mais adequado seria a segregação do Comitê Gestor, além da instância máxima, constitucionalmente assegurada, em núcleos de acordo com cada uma das suas competências, de modo que seriam formados seis núcleos principais: (1) Núcleo de arrecadação, compensação e restituição de recursos; (2) Núcleo de distribuição de recursos aos entes federados; (3) Núcleo Normativo; (4) Núcleo de Solução de Consultas; (5) Núcleo de Controle de Fiscalização; e (6) Núcleo Administrativo.

Para cada um desses núcleos, é fundamental garantir a participação ativa da sociedade civil, proporcionando representatividade por meio de entidades de classes empresariais e órgãos de profissões regulamentadas. Essa inclusão é crucial para enriquecer os debates sobre a operacionalização das competências do Comitê, pois traz perspectivas diversas e conhecimento especializado para a mesa. Além disso, ao envolver esses segmentos da sociedade, é possível assegurar que os interesses sociais sejam devidamente considerados, promovendo uma tomada de decisão mais equilibrada e alinhada com as necessidades e expectativas da população.

Especificamente com relação ao Núcleo de Solução de Consultas, entendemos que a lei complementar deverá estabelecer que se trata de uma competência exclusiva do Comitê Gestor, sendo que as soluções de consulta emitidas possuem prevalência sobre manifestações individuais dos entes federados.

Além disso, o Núcleo de Solução de Consultas deverá estar atrelado a um Conselho de Uniformização do IBS e da Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), a fim de que as interpretações sobre os aspectos materiais de incidência do IBS estejam alinhadas àquelas da CBS.

Competência para uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação

O novo sistema tributário nacional instituído pela EC 32/23 criou o IBS e a CBS, determinando que esses tributos terão mesma hipótese de incidência, base de cálculo, regras de não cumulatividade e compensação, dentre outras regras, atendendo o objetivo de simplificação do sistema trazido pela reforma tributária.

Como já abordado nos artigos publicados sobre os GTs 11 e 12, de fiscalização e do contencioso administrativo do IBS e da CBS[2], se trata aqui de tributos “gêmeos” e, nesse contexto, entendemos que a uniformização da interpretação e aplicação da legislação deve ocorrer de forma conjunta entre o Comitê Gestor e a União Federal. É essencial que haja uma abordagem conjunta para garantir consistência e coerência na aplicação da legislação em todo o território nacional, por meio do Conselho de Uniformização do IBS e da CBS mencionado acima.

Atendendo a esse mesmo objetivo, entendemos que o Comitê Gestor deve deter competência exclusiva para esclarecer os conceitos normativos dos aspectos da hipótese de incidência do IBS e dos poderes de fiscalização das autoridades administrativas. Isso significa que as Administrações Tributárias dos Estados, Distrito Federal e Municípios deverão observar as diretrizes estabelecidas no âmbito do Comitê Gestor, as quais poderão (e deverão), inclusive, ser objeto de edição de súmulas e atos interpretativos.

Além de ser uma atribuição crucial para evitar ambiguidades e garantir uma interpretação precisa e uniforme da legislação tributária, vale destacar que a colaboração entre os entes federados, que, neste caso, ocorrerá por meio do Comitê Gestor, é fundamental para promover uma interpretação homogênea da legislação tributária, promovendo segurança jurídica e previsibilidade para os contribuintes.

Por esse mesmo motivo, o Comitê Gestor deverá ser o órgão responsável para solucionar eventuais divergências de interpretação e aplicação da legislação entre as autoridades fiscais dos Estados, Distrito Federal e Municípios.

É importante esclarecer que não se objetiva impedir que as autoridades fiscais dos entes federados exerçam suas capacidades de aplicação da legislação do IBS e da CBS no curso de suas competências, mas sim que as diretrizes quanto a essa aplicação sejam centralizadas e uniformizadas pelo Comitê Gestor, pois foi o órgão criado pela CF para que os entes federados exerçam suas competências administrativas de forma integrada, como previsto expressamente no caput do artigo 156-B.

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Este artigo é parte de uma série de sete textos, do projeto Mulheres no Tributário, referente aos grupos de trabalho da reforma tributária.

[1] Portaria MF 34, de 11.01.2024, que instituiu o Programa de Assessoramento Técnico à Implementação da Reforma da Tributação sobre o Consumo – PAT-RTC, no qual estão compostos os Grupos Técnicos com vistas a subsidiar a elaboração dos anteprojetos de lei decorrentes da Emenda Constitucional nº 132, de 20 de dezembro de 2023.

[2] “Reforma tributária, GT 11 e a necessidade de unificar fiscalização de IBS e CBS” – Link https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-gt-11-e-a-necessidade-de-unificar-fiscalizacao-de-ibs-e-cbs-20032024

“Reforma tributária, GT 12 e o contencioso administrativo do IBS e da CBS” – Link https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/reforma-tributaria-gt-12-e-o-contencioso-administrativo-do-ibs-e-da-cbs-21032024

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