Reforma tributária pode afetar acesso a serviços funerários para famílias de baixa renda

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A morte de um ente querido é sempre dolorosa por uma série de questões. Além do luto, um outro fator traz ainda mais estresse sobre familiares e amigos: a burocracia e o custo, já que essas pessoas precisam tomar decisões rápidas sobre os serviços funerários.

E esse momento delicado pode ficar ainda mais complicado se a reforma tributária seguir adiante com a atual redação. Segundo cálculos da Associação dos Cemitérios e Crematórios do Brasil (Acembra), a alteração prevista no texto pode elevar a carga tributária do segmento em 130% — passando dos atuais 8,65% para  19,88% sobre valor do serviço final, já considerando os créditos sobre os insumos adquiridos

Para Cláudio Bentes, presidente da Associação dos Cemitérios e Crematórios do Brasil (Acembra) e do Sindicato dos Cemitérios e Crematórios Particulares do Brasil (Sincep), a mudança expressiva ocorre porque a grande maioria das empresas do setor operam sob o modelo de lucro presumido. Isso faz com que a média da alíquota paga pelos mais 800 cemitérios particulares, 200 crematórios e 5,5 mil funerárias, seja de 8,65%.

Em países como o Reino Unido e a Irlanda, os serviços funerários são isentos de tributação. No Canadá e nos Estados Unidos, algumas etapas da logística funerária são isentas ou contam com taxação reduzida. Na Nova Zelândia e Austrália, a tarifação adotada tem caráter especial.

Insumos e mão de obra

Com muitas funerárias funcionando 24 horas por dia ao longo de toda a semana, o setor emprega cerca de 250 mil pessoas de forma direta. É, portanto, um serviço ao consumidor final intensivo em mão de obra.

Por conta disso, muito embora o modelo do Imposto sobre Valor Agregado – IVA Dual – adotado na reforma tributária possibilite a compensação de débitos com créditos oriundos dos insumos adquiridos, o aumento da carga tributária será significativo, com reflexos sobre os preços dos serviços e planos funerários. 

“Todos os insumos que consumimos para prestar o nosso serviço, como urnas, flores e cimentos para jazigos, totalizam apenas 25% do nosso custo total. Ainda que tenhamos o crédito tributário desse consumo, o imposto pago aumentará em 130%”, explica Bentes.

Números do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que cerca de 1,5 milhão de pessoas morreram em 2022. Com a elevação de quase 20% nos preços finais, a tendência é que a população de baixa renda não tenha recursos suficientes para arcar com os custos de serviços funerários de qualidade.

A Acembra/Sincep projeta que o pacote de serviços funerários, cujo custo médio hoje é de R$3 mil, recolhe cerca de R$259,50 em impostos. Com a Reforma, o valor dos tributos deve subir para R$596,25.

O encarecimento de planos funerários (hoje utilizados em 85% dos funerais) para as classes C, D e E pode levar ao cancelamento desses serviços, dificultando o planejamento financeiro das famílias com menor poder aquisitivo. Como resultado, essas pessoas serão empurradas para os cemitérios públicos, que já enfrentam a falta de espaço e dificuldades na manutenção. Além desses problemas, o aumento de uso no serviço funerário público encareceria o subsídio que as prefeituras são obrigadas a fornecer para a população em situação de vulnerabilidade social.

Um pedaço do setor de saúde

Além de interferir na dignidade humana na hora da morte — principalmente das classes economicamente desfavorecidas —, essa nova realidade também pode se mostrar um problema para os governos locais e para a saúde pública. O enterro de um corpo sem os cuidados sanitários necessários acarreta em problemas de saúde pública e degradação ambiental ao facilitar a propagação de doenças (contagiosas ou espalhadas por animais, como moscas e roedores) e a contaminação do solo ou da água de poços e lençois freáticos.

“Nós somos o elo final da cadeia de saúde. Por exemplo, quando uma pessoa morre com uma doença contagiosa, é o setor funerário que irá tomar os cuidados necessários para que a enfermidade não se espalhe, aplicando as melhores práticas de de tanatopraxia, conservação do corpo e sepultamento ou cremação ambientalmente responsáveis”, aponta o executivo.

Em outros setores, o encarecimento do serviço leva apenas a uma redução do consumo, mas o mesmo não ocorre no setor funerário. “No caso do falecimento, não há essa opção. Eu tenho um tempo pré-determinado para resolver a questão ou as consequências serão desastrosas”, pondera.

Segundo Bentes, para fins da incidência do IVA Dual, faria mais sentido equiparar os serviços funerários aos de saúde — que contam com um desconto de 60% na alíquota. O assunto está em debate no Senado e, até o momento, 14 senadores apresentaram emendas nessa direção, reconhecendo a relevância do assunto para a população brasileira.

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