Reforma tributária: promessas e realidades para o agronegócio

Spread the love

A Emenda Constitucional 132/2023 foi um dos marcos para um tema que está em pauta desde a promulgação da Constituição de 1988: a chamada reforma do Sistema Tributário Brasileiro.

A princípio, a premissa pode parecer estranha, mas um pouco de contexto histórico contextualiza a eventual dúvida sobre esse tópico. O sistema tributário nacional, originalmente idealizado e concebido por Sacha Calmon e outros juristas, foi sensivelmente alterado pela então Assembleia Constituinte.

Assine a newsletter Últimas Notícias do JOTA e receba as principais notícias jurídicas e políticas no seu email

Ironicamente, o anteprojeto original previa um tributo único em substituição ao ICMS e ISS, com o intuito de simplificar o sistema tributário nacional nos moldes do Imposto sobre Valor Agregado (IVA). Exatamente os principais pontos que os defensores da reforma tributária pregavam na época da aprovação da respectiva emenda constitucional.

Em outras palavras, a reforma tributária iniciada pela EC 132 pode ser entendida como uma volta ao anteprojeto inicial idealizada pelo professor Sacha Calmon. Uma verdadeira volta ao passado.

Entendido o contexto histórico, tem-se que a reforma tributária trataria apenas da tributação sobre o consumo, contudo, como é uma prática no processo legislativo brasileiro, as mudanças vão além da mudança do consumo, o que naturalmente acaba impactando todos os setores da economia, inclusive um dos mais importantes para o Brasil: o agronegócio.

A reforma prevê, de maneira genérica, a extinção de cinco tributos de competência federa, estadual e municipal (IPI, PIS, Cofins, ICMS e ISS, respectivamente) e a criação de dois novos (IBS e CBS), que seriam aplicados de maneira isonômica a todos os setores econômicos, com uma alíquota prevista de 26,5%.

Atualmente, com os projetos de lei já aprovados pela Câmara dos Deputados, o cenário acima parece tão distante quanto aquele da Constituição de 1988, pois a questão do tratamento igualitário para todos os contribuintes e a previsão de alíquota são, atualmente, aspectos que pertencem ao passado.

O agronegócio, parte mais tradicional da economia brasileira junto com a mineração, foi um dos setores que já conseguiu assegurar, no texto da emenda constitucional, uma redução de 60% tanto na venda da produção, quanto na aquisição de insumos relacionados à cesta básica.

Entretanto, os agricultores atuantes do setor notaram, durante as discussões de um dos projetos de lei, que a garantia constitucional não significa necessariamente uma redução na tributação de 60% da base de cálculo, tanto para o IBS quanto para o CBS.

Com efeito, a discussão sobre a inclusão ou não da carne como elemento da cesta básica demonstrou, na prática, que assegurar a redução tributária será um caminho desafiador para o agricultor, mesmo porque, é fundamental ressaltar que o Senado pode modificar o texto aprovado pela Câmara dos Deputados e não apensar retirar a carne do conceito de cesta básica, mas outros produtos.

É importante fazer uma observação: embora muitos considerem a redução da carga tributária, mesmo que parcial, da cesta básica como uma “conquista”, vale destacar que, no regime tributário atual, os alimentos incluídos na cesta básica já recebem descontos e isenções que superam os 60% de redução obtidos.

Além da problemática acima destaca, a qual está longe de ser solucionada, um aspecto que impactará significativamente a vida do agricultor e demais contribuintes, é a alteração do sujeito ativo titular do tributo que passará a ser definido pelo local de consumo exclusivamente.

Em suma, a tributação dos produtos agrícolas (e dos produtos em geral, na verdade) não será mais determinada pelo local de produção e/ou consumo, mas pelo local onde está o consumidor final. Por exemplo, na produção de soja no Estado de Goiás, mesmo que essa produção se destine ao consumo em São Paulo, parte do tributo é cobrada e destinada aos cofres goianos no modelo atual.

Com a implantação da reforma, no entanto, o valor dos tributos será exclusivamente direcionado ao Estado de São Paulo, onde se encontra o destinatário final (o consumidor), deixando Goiás sem receber qualquer valor nesse caso.

Diferentemente de outros setores da economia, onde toda a estrutura do negócio pode ser transferida para outro estado, mesmo que isso seja desafiador (fábricas, por exemplo), o setor do agronegócio é “preso” à terra. Assim, os incentivos locais que os agricultores atualmente possuem podem desaparecer devido à falta de interesse do ente local. Afinal, qual é o interesse da autoridade local em atrair ou manter negócios naquela região?

Além do IBS e do CBS, haverá também o Imposto Seletivo (IS), que incidirá sobre a produção, extração, comercialização ou importação de bens e serviços prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. Esse imposto pode reverter a redução concedida ao setor, já que tem o potencial de elevar a carga tributária sobre insumos essenciais, como pesticidas, herbicidas e inseticidas. E, embora esses insumos não estejam previstos no âmbito do IS no texto atual do Senado, há uma pressão para que sejam incluídos.

A preocupação é que esse acréscimo na tributação anule os benefícios da redução da alíquota geral, afetando negativamente o custo de produção e, consequentemente, levando a repasses ao consumidor final.

Da mesma forma que na Constituição de 1988, as promessas de simplificação, isonomia e clareza do sistema tributário nacional parecem ter se perdido. Usando a metáfora do “manicômio tributário”, podemos nos perguntar: é mais fácil conviver com um louco conhecido há décadas ou com um novo que ainda está desenvolvendo sua “síndrome”?

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *