Regulação de IA verde abre oportunidade para o Brasil

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O termo “IA verde” inclui tanto os aplicativos de inteligência artificial para reduzir o consumo de energia e mitigar os impactos ambientais das atividades econômicas humanas (IA para sustentabilidade)[1] quanto as medidas de governança para diminuir os efeitos sobre o meio ambiente da produção e implantação de sistemas de IA (IA sustentável).

Esses conceitos ganham especial relevância na construção de grandes modelos de IA, por trás das IAs generativas, que exigem vastos conjuntos de dados e muitos recursos naturais limitados, como eletricidade e água, tanto para serem desenvolvidos quanto empregados.

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Conforme destacado no Relatório 2024 da Agência Internacional de Energia (IEA), o consumo global de eletricidade de datacenters, criptomoedas e IA deve variar entre 620 e 1050 TWh até 2026. A água, por sua vez, é usada para resfriar os datacenters e não pode ser facilmente reutilizada porque contém produtos químicos adicionados. Um estudo de 2023 revelou que o ChatGPT, por exemplo, consome cerca de 500 ml de água para cada 20-50 perguntas e respostas simples.[2]

O principal desafio enfrentado pelas empresas que operam com inteligência artificial é como lidar com o consumo desses insumos em datacenters. De acordo com o relatório do Goldman Sachs, espera-se que os datacenters das empresas de IA representem de 3% a 4% do consumo global de energia até 2030. Embora tal volume não pareça significativo no volume global de energia consumida, essas estruturas podem saturar a capacidade local de fornecimento de energia.[3]

Como parte significativa da demanda de energia para alguns sistemas de IA ocorre durante o estágio de inferência[4], a expectativa de crescimento no uso de sistemas de IA (incorporada em chatbots, assistentes pessoais e dispositivos IoT) aponta para crescimento exponencial no consumo de energia nos próximos anos.

Além disso, os datacenters estão geograficamente concentrados em países que não têm uma pegada significativa de recursos renováveis (35% nos EUA, 16% na Europa e 10% na China), o que gera preocupações não apenas com a possível saturação da capacidade de fornecimento de energia local, mas também com o aumento do consumo de energia proveniente de fontes de combustíveis fósseis.

Por outro lado, sistemas de IA devem ser projetados e desenvolvidos de forma responsável desde o primeiro estágio do processo de desenvolvimento e, consequentemente, devem ser regulamentados para serem mais eticamente responsáveis e benéficos do ponto de vista social e ambiental.[5]

Para isso, “o desenvolvimento de uma IA confiável deve ser inerentemente sustentável”.[6] Recomendações internacionais recentes, como a da Unesco sobre a Ética da Inteligência Artificial e a do Conselho da OCDE sobre Inteligência Artificial (emendada em 2024), afirmam explicitamente que a pegada ambiental dos sistemas de IA deve ser incluída entre os princípios fundamentais da IA responsável e confiável, o que deve influenciar as regulamentações dos países membros dessa organização.[7]

Na U.S. Executive Order on the Safe, Secure, and Trustworthy Development and Use of Artificial Intelligence, emitida em 30 de outubro de 2023, há uma referência ao “desenvolvimento e adoção globais sustentáveis de IA”. O projeto de lei de IA brasileiro afirma que “as entidades públicas e privadas devem priorizar o uso de sistemas e aplicativos de inteligência artificial que visem a eficiência energética e a racionalização do consumo de recursos naturais” e propor programas de certificação para reduzir o impacto ambiental dos sistemas de inteligência artificial. Apesar dessas disposições gerais, não há estrutura legal que torne tais exigências implementáveis em nenhum desses países.

Além disso, a infraestrutura de IA é desacoplada do ponto de consumo, permitindo a prestação de serviços globais. Isso cria a necessidade de entender o complexo ecossistema global das estruturas regulatórias atuais e em desenvolvimento nos EUA (SEC), no Canadá (GHGPPA), na UE (CSRD, CBAM) e no Brasil (SBCE), para determinar os riscos e as oportunidades associados à infraestrutura de observação e os requisitos para atender às demandas de sustentabilidade.

Apesar de todos os esforços e investimentos de Europa, China e EUA para transformar sua matriz energética nos próximos anos, tal movimento ainda requer alguns anos – o que parece ser excelente oportunidade para atrair grandes datacenters para o Brasil.

Nota-se, por exemplo, uma tentativa dos EUA de priorizar iniciativas de energia nuclear e geotermal, o que pode não ser aceito em outros países (na Europa, por exemplo) como fonte responsável, haja vista que há um movimento de phase-out do uso de energia nuclear nos países da União Europeia.

Neste cenário, o Brasil, que possui matriz energética baseada em sua quase totalidade em fontes renováveis (hidrelétrica, eólica, solar, bagaço de cana e outras) e cuja capacidade produtiva deve superar em 150% a demanda por energia elétrica em 2028, surge como uma alternativa para o atendimento de parte dessa demanda das empresas de IA.

No Brasil, o Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA) prevê um programa específico para sustentabilidade e energias renováveis para a IA. Dentre as ações previstas, está o fomento à implementação de infraestrutura energética sustentável e eficiente para datacenters e instalações de IA. No entanto, não há infraestrutura disponível para que essa energia excedente do Brasil seja exportada.

Uma alternativa seria o aumento da produção de hidrogênio verde, que aparenta ser a forma mais viável de transmitir energia para longas distâncias e que foi regulada pela Lei 14.948/2024, que instituiu o marco legal de hidrogênio de baixa emissão de carbono e incentivos para a indústria. Além disso, é necessário aprimorar o marco normativo para trazer maior incentivo e diversificação da matriz energética, além de formas de controle de qualidade e origem que atendam aos critérios das regulações de países desenvolvedores de IA.

Nessa linha, há iniciativas no Legislativo – o PL 5174/2023, para fomentar financiamento de projetos de energia sustentável, e o PL 182/2024, que trata de incentivos fiscais para projetos de energia renovável – e no Executivo, com a Política Nacional de Transição Energética (PNTE), que busca promover transição energética justa, inclusiva e sustentável no Brasil.

De fato, a crescente disseminação de ferramentas de IA terá impacto direto no aumento da demanda global por energia elétrica e água, havendo consenso em fóruns internacionais sobre a necessidade de basear a produção e o emprego de IA em fontes de energia limpa.

Com isso, o Brasil está em posição privilegiada, mas para aproveitar essa oportunidade que se vislumbra, deve haver diálogo entre a indústria nacional de energia, grandes desenvolvedores de IA e Poder Público para que os marcos normativos criem efetivos incentivos econômicos para inserir o Brasil de modo competitivo na cadeia produtiva global de inteligência artificial.

[1] Vide A. Van Wynsberghe, “Sustainable AI: AI for sustainability and the sustainability of AI”, 2021, AI and Ethics, Vol. 1 No. 3, pp. 213-218.

[2] Vide P. Li, J. Yang, M.A. Islam, S. Ren, “Making AI Less “Thirsty”: Uncovering and Addressing the Secret Water Footprint of AI Models”, 2023, disponível em https://arxiv.org/pdf/2304.03271.

[3] Essa porcentagem, por exemplo, em alguns países europeus, como Irlanda e Suécia, atinge valores significativos da demanda total de eletricidade do país. O mesmo ocorre em Cingapura.

[4] Radosvet Desislavov, Fernando Martínez-Plumed, José Hernández-Orallo, Tendências no consumo de energia de inferência de IA: Beyond the performance-vs-parameter laws of deep learning, Sustainable Computing: Informatics and Systems, Volume 38, 2023.

[5] W. Wallach, C. Allen, “Moral Machines: Teaching Robots Right from Wrong”, 2010, Oxford University Press, Nova York; L.N. Hoang, E.M. El Mhamdi, “Le fabuleux chantier: Rendre l’intelligence artificielle robustement bénéfique”, 2019, EDP Sciences.

[6] H. Mann, “Trustworthy AI is No Less Than Sustainable Development”, 2023, disponível em https://www.institutmontaigne.org/en/expressions/trustworthy-ai-no-less-sustainable-development.

[7] Sobre a aplicação dos Princípios de IA da OCDE em nível nacional, consulte o Observatório de Políticas de IA da OCDE e a página da Web dedicada. “How countries are implementing the OECD Principles for Trustworthy AI”, por L. Russo, N. Oder, 2023, disponível em https://oecd.ai/en/wonk/national-policies-2.

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