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Regulamentação da Lei de Igualdade Salarial e o controle de políticas públicas

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Nos últimos dias, o Poder Judiciário tem sido convocado a enfrentar questão ainda abstrusa na seara do Direito Público, embora materialmente recorrente, relativa ao controle judicial de políticas públicas. Se por um lado a doutrina tem avançado no estudo da matéria, traçando contornos aceitáveis de análise jurisdicional de políticas engendradas por governos democraticamente eleitos nos meandros políticos, por outro, juízes e tribunais, quando provocados, frequentemente fornecem respostas encapsuladas no viés simplista de que não é dado ao Judiciário fazer política pública.

Nesses termos, a regulamentação da Lei de Igualdade Salarial tem sido levada à teste perante o Judiciário. A lei concretiza uma política pública lançada pelo governo federal que visa a equiparação salarial e remuneratória de homens e mulheres para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função. Como política de Estado, acertadamente endereçada via projeto de lei pelo Executivo e chancelada pelo Congresso Nacional, a lei visa suprimir discriminações de gênero historicamente concebidas no ambiente de trabalho.

Um dos mecanismos de equiparação salarial e remuneratória previsto na lei é a publicação de relatórios de transparência salarial e critérios remuneratórios por empresas com 100 ou mais empregados, de forma anonimizada e em conformidade com a Lei Geral de Proteção da Dados (LGPD), de modo que seja possível comparar objetivamente salários e remunerações e aferir a proporção de cargos de direção, gerência e chefia preenchidos por homens e mulheres (art. 5º, §1º). A lei delegou ao Poder Executivo a regulamentação da matéria.

Sobrevieram, assim, o Decreto 11.795/2023 e a Portaria MTE 3.174/2023, que detalharam o conteúdo e a forma de apresentação dos relatórios de transparência salarial e de critérios remuneratórios de que trata a lei, impondo a publicação pelas empresas, em seus próprios sites ou redes sociais, ou ainda em outras plataformas congêneres, de dados e informações de seus empregados relacionados a valores de salário e demais remunerações, a exemplo de décimo terceiro, gratificações, comissões, horas extras, e todo tipo de provento recebido em função do trabalho, correlacionados ao cargo exercido (art. 2º do Decreto e 3º e 4º da Portaria).

A partir disso, relevantíssimos debates surgem acerca da potencial violação que a publicação de tais relatórios, do modo como regulamentado pelo Poder Executivo, pode ensejar ao direito fundamental à proteção de dados pessoais, pois ainda que anonimizados os dados, muitos funcionários podem ser facilmente associados aos seus cargos e ter a sua remuneração revelada.

Há também aspectos concorrenciais preocupantes oriundos da regulamentação, como bem externado pelo Departamento de Estudos Econômicos do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) por meio da Nota Técnica 3/2024, em que se recomendou a suspensão ou a revogação dos dispositivos citados uma vez que a publicação dos relatórios, da forma como disposta, constitui divulgação de informações concorrencialmente sensíveis que podem viabilizar cartéis e outros comportamentos colusivos entre agentes do mercado.

Provocado ante as possíveis afrontas ao texto constitucional, o Judiciário não proveu uma análise adequada e contundente da matéria até o momento – ao menos tempestivamente e com eficácia erga omnes.[1]

O cenário ora narrado permite duas reflexões, que não apenas transcendem as questões de impugnação às normas aqui delineadas, mas que denotam falhas no controle de políticas públicas – antes e depois de implementadas.

A primeira consideração, de prisma ex ante, parte da constatação de que os efeitos da regulamentação da política pública ora examinada não parecem ter sido captados por instrumento valiosíssimo previsto na Lei de Liberdade Econômica, que é a Análise de Impacto Regulatório (AIR).

Tida como melhor técnica para a edição de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários de serviços, a AIR é um procedimento a ser adotado pela entidade ou órgão da Administração Pública federal visando exatamente dimensionar os impactos da regulação por meio da verificação de informações acerca dos seus prováveis efeitos socioeconômicos, avaliando a razoabilidade e a proporcionalidade da medida para a tomada de decisão.

Embora a regulamentação da AIR comporte exceções que permitam a sua não adoção, este não parece ser o caso das normas emanadas via Decreto 11.795/2023 e Portaria MTE 3.714/2023, frente as quais se denotam justas inquietações sobre os impactos da regulação na proteção de dados e na livre concorrência, com o potencial efeito de desajustar o comportamento dos agentes econômicos e favorecer conluios de tabelamento salarial – externalidades que deveriam ter sido minimamente calculadas ex ante a publicação dos atos normativos.

Por outro lado, a política pública, em sua forma e mérito, deve ser analisada pelo Judiciário, mormente à vista da atmosfera de patente ilegalidade que paira sobre tais normas. Tal como ocorre com os atos discricionários, em que o magistrado analisa se houve extravasamento dos limites legais, sem negar jurisdição, deve o Judiciário, uma vez provocado, verificar a política pública à luz do ordenamento jurídico vigente e eventualmente corrigir a atuação política, ou mesmo confirmar sua implementação dentro dos limites legais. Aqui está uma possível falha no controle ex post da regulamentação da Lei de Igualdade Salarial, quando juízes e tribunais se esquivam de analisar adequadamente a matéria.

Este caso retrata mais uma política pública de fins honrosos, extremamente necessária para o cumprimento de ditames constitucionais que anseiam por uma sociedade mais igualitária e justa, mas que é encaminhada sem a devida equalização de direitos e estudo de impactos e alternativas que melhor solucionem externalidades provenientes da ação governamental – eis um dos desafios da boa administração.

De igual modo, é de se ter em conta o importante papel do Judiciário perante a falha administrativa, pois a inafastabilidade da tutela jurisdicional face a atos manifestamente ilegais, ou que assim provavelmente sejam, ainda que albergados nos quadrantes de política pública, atrai a revisão meritória no sentido de recolocar a política na linha da juridicidade, nada mais sendo do que o restabelecimento da lei e o estancamento de potenciais violações ao texto constitucional.

[1] Até o momento, não se tem notícias de qualquer demanda judicial que tenha obtido êxito em suspender, com efeito erga omnes, os dispositivos do Decreto Federal e da Portaria do MTE cuja legalidade é questionada. Embora tenham sido veiculadas em diversas mídias notícias quanto a propositura de demandas nesse sentido, em sendo a política pública aplicável em todo o território nacional e direcionada a empresas com 100 ou mais empregados, o ajuizamento de tais ações mostra-se de difícil mapeamento. O que se tem de amplo conhecimento é a Ação Civil Pública 6008977-76.2024.4.06.3800, movida pela Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (FIEMG) contra a União Federal, no âmbito da qual se obteve êxito em suspender a eficácia erga omnes de tais dispositivos no Agravo de Instrumento 6002221-05.2024.4.06.0000, de relatoria do Des. Federal Lincoln Rodrigues de Faria, da 4ª Turma do TRF6, que reconheceu a probabilidade das ilegalidades contidas nas normas que regulamentam a apresentação do relatório de transparência salarial. Horas depois, a decisão foi suspensa pela Desa. Presidente do TRF6 na Suspensão de Liminar 6002520-79.2024.4.06.0000, a qual entendeu que as normas impugnadas respeitam a proteção de dados pessoas, mas não enfrentou a questão nodal atinente à livre concorrência e ao teor da Nota Técnica emitida pelo Cade. A Desa. Presidente do TRF6 assinalou, ao final de sua decisão, que “não se apresenta, assim, como juridicamente admissível ao Poder Judiciário interferir decisivamente na formulação e/ou execução de políticas públicas de combate à desigualdade entre homens e mulheres, quando inexistentes seguros elementos de convicção aptos a configurar a ilegalidade dos atos do Poder Legislativo e Executivo”.

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