No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Regulando a Inovação: quo vadis?

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Pode soar meio contraditório iniciar desta forma o último artigo da coluna Regulando a Inovação do JOTA, que tivemos a honra de coordenar ao longo desse um ano. Contudo, a expressão quo vadis é simbólica  – mais que entender onde estamos, urge pensar para onde vamos.

Ao longo desse tempo, especialistas dos setores público e privado, pesquisadores, juristas e profissionais de outras expertises ocuparam as colunas semanais para debater e refletir sobre como a Inovação está redefinindo os contornos da sociedade, o que inevitavelmente esbarra na relação com o Direito.

A cada 8.000 caracteres, foram apresentados temas tão variados quanto os(as) autores(as): da Inteligência Artificial (IA) ao Legal Design, da Proteção de Dados Pessoais ao Acesso à Justiça, da Diversidade e Inclusão (D&I) à Linguagem Simples.

Nesse sentido, um ponto em comum: a inovação, força motriz do progresso tecnológico e social, exige um ambiente propício para florescer. A regulação da inovação assume, nesse contexto, um papel crucial: equilibrar o incentivo à criatividade e o desenvolvimento responsável, assegurando a proteção de valores e princípios fundamentais.

A regulação da inovação, abrangendo as normas e instrumentos jurídicos, passa por diversos objetivos, alguns dos quais listamos abaixo:

Estimular a pesquisa e o desenvolvimento de soluções inovadoras, a exemplo de iniciativas governamentais e colaborações entre os setores público e privado;
Promover a competividade, garantindo, por exemplo, a facilitação da realização de negócios e a abertura dos setores econômicos, a exemplo de movimentos globais como o Open Finance, que vem se estabelecendo no Brasil;
Assegurar a adequação e qualidade dos serviços e produtos disponibilizados às pessoas, a exemplo de normas técnicas, testes e certificações e mecanismos de auditoria e recall;
Proteger os direitos dos consumidores, incentivando informação clara e transparente e mecanismos de defesa e proteção de seus interesses, especialmente online;
A preservação do meio ambiente, entendido não apenas como os recursos naturais, mas como o âmbito da Internet e das tecnologias digitais; e
Assegurar a observância de limites éticos e a promoção da responsabilidade social, atingindo uma amplitude de temas como a bioética e os neurodireitos, a proteção de dados e o combate à discriminação algorítmica.

Não faltam iniciativas legislativas e institucionais nesse sentido, a exemplo do PL 2338/2023, espinha dorsal do futuro marco regulatório brasileiro da Inteligência Artificial, e do Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples, capitaneado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Em outras palavras, temos à mão uma chance única de colocar o Brasil em par de igualdade com as principais potências mundiais. Para isso, são necessários a vontade política, medidas concretas e informação de qualidade.

No que tange ao setor público, pesquisadores em grupos, centros e associações em todo o País fazem verdadeiros milagres mesmo com uma carreira desvalorizada, estrutura sucateada e recursos escassos. Faltam maiores incentivos, por exemplo, programas de financiamento mais robustos, e valorização da carreira.

O setor privado, que acaba por desenvolver grande parte das soluções, tira o Direito de seu estado de inércia ao gerar produtos e serviços que transformam a realidade das pessoas, e, por conseguinte, demandam a construção de regulamentação adequada – seja por meio de legislação e políticas públicas, seja por meio de jurisprudência que supra a ausência das duas primeiras.

Importante destacar também que a regulação da inovação enfrenta desafios como a velocidade das mudanças tecnológicas, a globalização e a necessidade de garantir a flexibilidade e adaptabilidade dos instrumentos normativo-regulatórios.

Além dos temas abordados na coluna, dentre as tendências que chamam a atenção nesse contexto estão: (i) regulação responsiva, (ii) abordagem sandboxing; e (iii) governança multinível, (iv) acessibilidade; e (v) interseccionalidade da inovação com questões ambientais, dentre outras possibilidades. 

A regulação responsiva guarda relação com a capacidade de criação de regulamentação que acompanhe de maneira eficaz a evolução tecnológica, de forma que fenômenos massivos que geram impacto relevante não fiquem órfãos do necessário balizamento ao longo de seu desenvolvimento e uso – por exemplo, a corrida global pela regulamentação de soluções de IA.

A abordagem sandboxing, por sua vez, diz respeito à criação de ambientes regulatórios experimentais, nos quais soluções inovadoras possam ser testadas de maneira controlada e com a necessária flexibilidade, para permitir que as mais aptas possam ser implementadas de forma ampla no mercado. Um exemplo foi  a criação do sandbox regulatório de IA pela Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD).

Outra importante variável é a governança multinível, que envolve a coordenação e o compartilhamento de responsabilidades entre diferentes níveis de governo (local, nacional e internacional) e outros atores relevantes (empresas, academia, sociedade civil).

A acessibilidade, por sua vez, emerge como um valor inegociável na era da inovação. O design universal e a preocupação com interfaces amigáveis para todos os usuários, incluindo pessoas com deficiência, são aspectos que devem ser considerados desde a concepção de um produto ou serviço. Isso está em perfeita sintonia com a ideia de uma sociedade mais igualitária, na qual a tecnologia serve como um nivelador de oportunidades, e não como um amplificador de desigualdades.

A interseccionalidade da inovação com questões ambientais também se mostra uma tendência indiscutível. A sustentabilidade deixou de ser uma opção para se tornar um imperativo. As startups de tecnologia limpa e as soluções de energia renovável são testemunhas do potencial da inovação para endereçar crises climáticas. Porém, a regulamentação nesse setor ainda enfrenta desafios significativos, como a necessidade de equilibrar o incentivo à inovação com a proteção do meio ambiente e dos recursos naturais.

À parte de aspectos mais técnicos, também importa questionar: a quem é franqueada a oportunidade de cocriar e opinar sobre o futuro que se avizinha? Neste espaço, mulheres foram as autoras da maioria dos artigos da coluna – 28 (vinte e oito) dos 48 (quarenta e oito) textos; ainda, neste último mês, tivemos a honra de contar com 3 (três) textos produzidos por mulheres negras. Apenas mediante a representatividade é possuir construir futuros desejáveis e melhores.

Essa representatividade não apenas enriquece o debate e traz à tona perspectivas diversas, mas também sublinha a importância de políticas inclusivas no ecossistema da inovação. Afinal, as inovações tecnológicas devem beneficiar a toda a sociedade, não apenas uma parcela dela. Nesse contexto, as discussões sobre ética na IA, por exemplo, ganham uma nova dimensão quando consideram não apenas as implicações técnicas, mas também as implicações sociais e culturais das tecnologias emergentes.

Em retrospecto, o que se percebe é uma complexa tapeçaria de desafios e oportunidades. A regulamentação da inovação, portanto, não pode ser estática nem unilateral. Deve ser dinâmica, adaptativa e, acima de tudo, inclusiva, contemplando as várias camadas da sociedade. O papel do diálogo multistakeholder, como temos defendido, é fundamental para construir consensos sólidos e promover uma inovação que seja verdadeiramente transformadora e equitativa.

Encerramos, assim, nossa jornada na coluna Regulando a Inovação, gratos pela oportunidade de compartilhar reflexões e aprendizados. O caminho à frente é tanto desafiador quanto excitante. À medida que o mundo continua a evoluir, a direção que escolhemos moldará o futuro da inovação e, por extensão, da sociedade. Nosso convite a cada leitor e leitora é para que continuem questionando, explorando e contribuindo para democratizar e amplificar esse debate que está bem longe de terminar.

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