Resolução do CNJ para reduzir volume de reclamações trabalhistas é eficaz?

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O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aprovou no último dia 30 de setembro resolução que veda futuras reclamações trabalhistas, quando o acordo realizado entre empregador e empregado for homologado pela Justiça do Trabalho. De acordo com a resolução, será dada quitação geral quando o acordo for homologado pelo juiz do trabalho. O texto traz inovações que merecem nossa reflexão e considerações, principalmente no tocante à sua eficácia na redução do volume de reclamações trabalhistas.

A jurisdição voluntária da Justiça do Trabalho estava limitada à homologação de opção pelo FGTS, prática que há muito não ocorre, já que empregados admitidos antes da Constituição Federal de 1988 e que permanecem até hoje no mesmo emprego são cada vez mais raros.

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Mas a jurisdição voluntária foi ampliada a partir da reforma trabalhista. Inspirados no art. 57 da Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/1999) – o qual garantiu que qualquer acordo extrajudicial pudesse ser homologado no juízo competente –, bem como no Código de Processo Civil (CPC), de 2015, que teve o objetivo de dar mais eficiência e celeridade ao sistema judiciário- , acrescentou-se  os artigos 855-B a 855-E à CLT, formalizando, finalmente, o instituto da homologação de acordo extrajudicial.

Introduzido pela primeira vez no CPC de 2015, o inciso VIII do art. 725 do CPC autorizou o juiz a homologar acordos extrajudiciais em jurisdição voluntária, regra que, em nosso entender, era igualmente aplicável ao processo do trabalho. Mas a matéria era controvertida.

Com a inclusão do art. 855-B e seguintes à CLT, a matéria, afinal, foi pacificada. A partir da vigência da reforma trabalhista, o juiz do trabalho passou a homologar qualquer tipo de acordo extrajudicial, desde que este fosse sobre questão trabalhista e que a petição não fosse assinada pelo mesmo advogado, mas por advogados diferentes, um representando o empregado e outro o empregador.

A Súmula 418 do TST entende que a homologação do acordo é faculdade do juiz, não tendo as partes direito líquido e certo e não tendo cabimento o mandado de segurança contra o indeferimento. A recusa deve ser fundamentada, pois este é requisito para a validade de qualquer decisão.

À par da regra já existente na CLT, ao argumento de apontar métodos adequados para tratamento de conflitos de interesse no Poder Judiciário e, aproveitando as regras contidas nos novos artigos da CLT, o CNJ criou resolução com o objetivo de reduzir o quantitativo de ações trabalhistas, prevendo que os acordos extrajudiciais homologados pela Justiça do Trabalho terão ampla quitação geral, irrevogável e irrestrita, desde que haja previsão expressa no próprio acordo homologado e que as partes estejam acompanhadas de advogados diversos.

Como visto, a regra não é nova e já estava prevista no artigo 855-B da CLT. Há, contudo, inovações relevantes foram trazidas pela Resolução.

A primeira novidade está nos incisos I e II parágrafo único do artigo 1º da Resolução do CNJ, que especifica exceções:

Parágrafo único. A quitação prevista no caput não abrange:

I – Pretensões relacionadas a sequelas acidentárias ou doenças ocupacionais que sejam ignoradas ou que não estejam referidas especificamente no ajuste entre as partes ao tempo da celebração do negócio jurídico;

II – Pretensões relacionadas a fatos e/ou direitos em relação aos quais os titulares não tinham condições de conhecimento ao tempo da celebração do negócio jurídico;

III – pretensões de partes não representadas ou substituídas no acordo; e

IV – títulos e valores expressa e especificadamente ressalvados.

Antes da Resolução, a quitação geral atingida pelos acordos homologados pela Justiça do Trabalho abrangia todo o contrato de trabalho, extinto ou vigente até aquela data, e todas as eventuais e supostas lesões não ressalvadas no acordo homologado. Desta forma, gerava a quitação à eventuais doenças ocupacionais e suas sequelas, se de conhecimento do trabalhador, mesmo que não especificadas no acordo.

A jurisprudência trabalhista já excepcionava a doença ocupacional e/ou sua sequela quando a descoberta ocorria após a transação homologada, à sentença transitada (acerca de outros temas) e ao prazo prescricional contado da extinção em julgado (aplicação analógica da Súmula 378, II do TST c/c Súmula 278 do STJ, que versam sobre a estabilidade e indenização a empregados acidentados).

A Resolução, nesse sentido, é mais favorável ao trabalhador que à própria lei e a jurisprudência trabalhista, pois excluiu a doença ocupacional que não foi expressamente incluída no acordo para fins de quitação.

A segunda novidade está no inciso II do artigo 1º da Resolução, ao excluir da quitação ampla – já nem tão ampla e irrestrita, pelas tantas exceções impostas -, as lesões que os titulares não tinham conhecimento ao tempo do negócio jurídico. Esta regra é absolutamente nova e contraria todo o entendimento adotado até então pela Justiça do Trabalho. De conhecimento ou não, a quitação atingia toda e qualquer lesão de direito, salvo as relacionadas à saúde.

A terceira novidade está no artigo 2º da Resolução, pois não torna nulo o acordo que desrespeitar o artigo 1º, autorizando a quitação plena aos demais títulos e valores mencionados no acordo homologado, o que equivale à quitação parcial.

Resta perguntar. Afinal, a quitação não deveria ser irrestrita e ampla?

De forma contraditória, foi proibida ao magistrado a homologação parcial do acordo, o que constitui a quarta inovação trazida pela Resolução, pois a CLT é silente a respeito do tema. Neste sentido, cabe questionar se uma Resolução poderia criar regra inexistente no ordenamento jurídico.

A quinta inovação está no comando de que o acordo homologado é irrevogável, dando a entender pelo não cabimento de recurso e de ação rescisória, o que viola a ampla defesa. Esta regra não está prevista na CLT e no ordenamento jurídico e nos causa surpresa. Poderia uma Resolução cria-la?

A última novidade foi a de aplicar as regras da Resolução, pelos primeiros seis meses de sua vigência, apenas aos acordos superiores a 40 salários-mínimos, hoje acima de R$ 56.480.

A Resolução do CNJ foi editada com o intuito de reduzir o número de ações trabalhistas, mas cria exceções não previstas em lei e não praticadas na jurisprudência, o que autorizará o ajuizamento de ações, questionando direitos ignorados ao tempo do acordo homologado ou doenças ocupacionais conhecidas, mas não incluídas no acordo. Cria, assim, regras sem competência para legislar.

Por todo o exposto, a Resolução poderá ter o efeito contrário ao desejado, como o aumento de demandas e o desrespeito pelos magistrados que entenderem que não tem efeito normativo vinculante, pois não se constitui em lei.

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