No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

pensamento do dia

Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Sandbox regulatório no setor da saúde: Anvisa na vanguarda?

Spread the love

Criada em 1999, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) tem por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população através do controle sanitário da produção e consumo de produtos e serviços, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados.[1] Ao longo desses mais de 25 anos de atuação, a Anvisa enfrentou inúmeros desafios, tendo como o mais notório e alarmante a pandemia da Covid-19.

Passado esse período difícil, objetivando oportunizar à população brasileira o acesso à inovação, a Anvisa enfrenta um novo desafio: “dar tratamento regulatório adequado às oportunidades de desenvolvimento, produção e comercialização de produtos e serviços inovadores submetidos à vigilância sanitária, nos casos em que o marco normativo vigente inviabiliza a obtenção de evidências para a regulação desses produtos e serviços”[2].

Para tanto, a Anvisa incluiu em sua Agenda Regulatória (ciclo 2024-25) o “estabelecimento de modelo de Ambiente Regulatório Experimental (Sandbox Regulatório)”.

Com notícias direto da Anvisa e da ANS, o JOTA PRO Saúde entrega previsibilidade e transparência para grandes empresas do setor. Conheça!

Implementado pela primeira vez, em 2015, pela Autoridade de Conduta Financeira (FCA) do Reino Unido, o termo sandbox regulatório é definido pela Anvisa como “um ambiente regulatório experimental para que as pessoas jurídicas participantes possam, mediante o cumprimento de critérios e limites previamente estabelecidos, receber autorização temporária, concedida e monitorada pela Anvisa, para desenvolver, produzir e/ou comercializar produtos e serviços inovadores, submetidos à vigilância sanitária”.

No país, a Lei Complementar 182/2021 estabeleceu o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, possibilitando a adoção de “ambiente regulatório experimental”. Ainda que a predominância de implementação de sandbox regulatório seja em serviços financeiros, ele foi inspirado nos ensaios clínicos conduzidos na área farmacêutica.

Atualmente, esse “ambiente” já conta com iniciativas em órgãos como o Banco Central, Susep, Aneel, ANP e ANPD, “possibilitando que, tanto o governo quanto os reguladores mantivessem uma supervisão das atividades no setor visando mitigar qualquer risco potencial” (Walport, 2015).

Diante das dificuldades de regulamentação sanitária de produtos e serviços inovadores e tendo como paradigma os modelos internacionais, a Anvisa, então, realizou Análise de Impacto Regulatório (AIR), cujo relatório parcial foi disponibilizado pela agência em julho de 2024.

O documento traz relevantíssima análise sobre o tema, contendo detalhamento, inclusive, sobre a origem, aplicabilidade e desafios do instrumento, além de um panorama a respeito da experiência internacional e nacional na utilização de sandboxes regulatórios.

Objetivando mapear a experiência internacional com sandboxes regulatórios na área da saúde, a Anvisa consultou autoridades de 26 países/bloco.

A partir de 15 respostas recebidas, a Anvisa concluiu que a maioria “não tem produtos ou serviços regularizados através do sandbox regulatório, ou não prevê a possibilidade de sandbox para a regularização de seus produtos”, constatando que, a despeito da sua fonte de inspiração nos ensaios clínicos, a utilização deste instrumento ainda é considerada embrionária no setor da saúde. A agência se encontra, portanto, na verdadeira vanguarda da utilização de sandboxes regulatórios no setor da saúde.

É inegável a necessidade de dar tratamento regulatório adequado e ágil aos produtos e serviços inovadores submetidos à vigilância sanitária. Contudo, é inequívoco que a implementação de um sandbox não significa flexibilização total na regulamentação.

A utilização dessa abordagem objetiva compreender melhor o funcionamento desses projetos inovadores e avaliar a viabilidade de simplificar as regulamentações atuais ou implementar novas medidas regulatórias de forma a aumentar a competitividade e ampliar a oferta de soluções no mercado – sempre preservando a saúde da população.

Certo é que a Anvisa analisou diversas “alternativas regulatórias” sobre como poderia implementar o sandbox, avaliando: (i) necessidade de regulamentar ou não o sandbox, (ii) forma de entrada no sandbox, (iii) natureza do participante, (iv) processos de participação social no fluxo operacionalização do sandbox, e (v) concessão de autorização para que a empresa possa continuar a oferta do produto/serviço entre o final do experimento e o processo de revisão normativa.

A análise de impacto regulatório parcial sugeriu que eventual sandbox deveria ser (i) regulamentado, (ii) possuir espaço restrito e entrada programada, (iii) permitir a possibilidade de participação de empresas não regularizadas previamente (startups, por exemplo), sem a necessidade de vínculo com outras empresas regularizadas, (iv) permitir a participação social aberta ao público nos processos de construção do Edital de Chamamento e da Via Personalizada, e (v) possibilitar a prorrogação da autorização temporária, com possibilidade de mudança de seu escopo. Além disso, propôs-se um “protótipo de fluxo[3] de sandbox”.

Após divulgação do relatório de AIR parcial, a Anvisa divulgou a Tomada Pública de Subsídios (TPS 9/2024), possibilitando o envio de contribuições do setor regulado sobre o tema. Sem prejuízo da TPS e continuidade da AIR, o relatório previu que, paralelamente, fosse realizado um projeto-piloto do sandbox regulatório para “validar o protótipo de fluxo, definir a estrutura de governança e compreender os impactos, benefícios e riscos do modelo.” A agência, internamente, selecionou o tema de cosméticos personalizados para realização do projeto-piloto.

Nesse cenário, em 11 de dezembro de 2024, foi aprovada a abertura da Consulta Dirigida 4/2024, que visa receber contribuições a respeito da minuta de Edital de Chamamento para envio de projetos de sandbox regulatório voltados para cosméticos personalizados.

O Edital de Chamamento está previsto para ser lançado no primeiro trimestre de 2025. Contudo, antes de abrir o edital propriamente dito, a Anvisa pretende receber contribuições, através da referida Consulta Dirigida, ao texto do edital de forma a garantir que a proposta da agência atenda as necessidades do setor. Os interessados poderão encaminhar suas sugestões até 31 de janeiro de 2025.

Este projeto-piloto estabelecerá o fluxo procedimental dos demais sandboxes regulatórios da agência. Fluxos, critérios de elegibilidade gerais e específicos, dentre outros procedimentos e disposições que vierem a ser aprovados, poderão ser replicados para a Resolução-RDC, que vier a ser editada pela Anvisa para regulamentar sandboxes, inclusive para outras categorias de produtos. A avaliação cuidadosa e contribuições à Consulta Dirigida por parte dos setores afetados é, portanto, fundamental.

São louváveis a iniciativa e os esforços da Anvisa para viabilizar a implementação de sandbox regulatório, ainda tão incipiente na área da saúde. Sem dúvida, este ambiente regulatório experimental pode representar diversos benefícios para a população brasileira, dentre os quais, sem exclusão de outros de mesma relevância, “acelerar a chegada de novas ideias ao mercado, ao mesmo tempo em que asseguram que os produtos ou serviços testados atendam aos padrões exigidos pela agência”.

Alguns aspectos jurídicos, operacionais e regulatórios decorrentes das flexibilizações regulatórias, contudo, merecem maior atenção. Em especial, destaca-se o impacto que a eventual implementação do sandbox regulatório causará na atividade regular da Anvisa, especialmente no que concerne à alocação de recursos e expertise para o acompanhamento dos projetos e as dificuldades que a agência já enfrenta nesta seara.

Também será fundamental definir os procedimentos que serão adotados para garantir a capacitação dos demais operadores do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) em relação ao sandbox regulatório e suas implicações. Outrossim, é imprescindível que a Anvisa estabeleça mecanismos de controle, monitoramento e fiscalização de forma a garantir a segurança e a eficácia dos produtos submetidos a este ambiente regulatório experimental, evitando, ou minimizando, os eventuais impactos à saúde pública.

Além disso, como destacado na AIR, é necessária a alteração do Regimento Interno da Anvisa para prever “os instrumentos decisórios disponíveis para manifestação da Diretoria Colegiada da Agência e os atos e procedimentos previstos para o SNVS – que não apresenta previsão para aprovação de ambientes de testagem de novas tecnologias”.

Estes são apenas alguns dos diversos aspectos que sugerem reflexões profundas e intervenções assertivas da autoridade pública. Para que haja completa e adequada avaliação desses impactos, é fundamental não somente a contribuição dos agentes regulados, como também a conclusão da Análise de Impacto Regulatório.

Ainda que a atuação da Anvisa no enfrentamento do tema mereça aplausos e apoio do segmento regulado, somente com a participação da sociedade e seguindo as melhores práticas regulatórias internacionais (especialmente no âmbito da OCDE) será possível alcançar um modelo eficiente para o tratamento e incorporação da inovação no Brasil.


[1] Art. 6º, Lei nº 9.782/1999 – “A Agência terá por finalidade institucional promover a proteção da saúde da população, por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados, bem como o controle de portos, aeroportos e de fronteiras.”

[2] Página 5, do Relatório Parcial de Análise de Impacto Regulatório – AIR, que dispõe sobre o “estabelecimento de modelo de Ambiente Regulatório Experimental (Sandbox Regulatório) para a Anvisa”, disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/participacao-social-antigo/tomada-publica-de-subsidios/arquivos/tomada-publica-de-subsidios-no-9-sandbox-regulatorio/relatorio-parcial-de-air-sandbox-regulatorio> Acesso em 17.01.2025

[3] O fluxograma está disponível na página 186 – figura 25 – do Relatório Parcial de Análise de Impacto Regulatório – AIR, disponível em <https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/participacao-social-antigo/tomada-publica-de-subsidios/arquivos/tomada-publica-de-subsidios-no-9-sandbox-regulatorio/relatorio-parcial-de-air-sandbox-regulatorio> Acesso em 17.01.2025

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/regulamentacao/participacao-social-antigo/tomada-publica-de-subsidios/arquivos/tomada-publica-de-subsidios-no-9-sandbox-regulatorio/relatorio-parcial-de-air-sandbox-regulatorio

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2024/anvisa-recebe-contribuicoes-sobre-proposta-de-modelo-de-sandbox-regulatorio

https://www.gov.br/anvisa/pt-br/assuntos/noticias-anvisa/2024/anvisa-abre-consulta-dirigida-sobre-sandbox-regulatorio-para-cosmeticos-personalizados

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *