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Patrick Pursley viveu quase 24 anos atrás das grades antes de ser declarado inocente. O exame de comparação balística desempenhou um papel central tanto em sua condenação quanto na reviravolta que garantiu sua liberdade.
O crime pelo qual ele foi condenado ocorreu na noite de 2 de abril de 1993. Andrew Ascher e sua namorada, Becky George, estavam sentados em um veículo em Rockford, Illinois (EUA), quando foram abordados por um homem descrito como negro, vestindo um moletom com zíper e uma máscara de esqui azul. Durante a tentativa de assalto, o criminoso disparou dois tiros na cabeça de Ascher, que veio a falecer. Elementos de munição foram coletados durante a autópsia e na cena do crime.
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Pouco mais de dois meses após o crime, um homem chamado Marvin Windham fez uma denúncia anônima à Crime Stoppers – uma associação civil que auxiliava cidadãos na denúncia de atividades criminosas e, eventualmente, oferecia remuneração por essas informações.
Segundo Windham, Pursley havia confessado a ele a autoria do crime. Em 10 de junho, a polícia passou a vigiar o apartamento de Pursley, onde ele morava com Samantha Crabtree. Ao saírem do apartamento naquela tarde, Pursley notou a presença dos policiais, mas conseguiu despistá-los. Crabtree foi detida pela polícia e conduzida à delegacia para ser interrogada.
Enquanto isso, a polícia realizou uma busca no apartamento e apreendeu uma pistola Taurus 9 mm. Pursley foi depois localizado e detido pela polícia, sendo levado a julgamento perante o júri na Corte do Circuito do Condado de Winnebago, em Rockford, Illinois.
O perito em balística Daniel Gunnell, da polícia do estado de Illinois, realizou um exame comparativo entre os elementos de munição encontrados na cena do crime (dois projéteis e dois estojos) e os padrões obtidos em disparos realizados com a pistola apreendida. Gunnell concluiu que tanto os estojos quanto os projéteis foram disparados pela arma examinada, excluindo a possibilidade de terem sido disparados por qualquer outra arma (“to the exclusion of all others”).
Já o perito em balística Mark Boese, contratado pela defesa, discordou dessa conclusão. Após analisar os vestígios e os padrões utilizados por Gunnell, Boese concluiu que as munições provavelmente partiram de uma pistola Taurus 9 mm, mas que as marcas presentes não eram suficientes para afirmar que as munições foram disparadas com a arma apreendida. Mesmo assim, Pursley foi condenado à prisão perpétua. Ele apelou, diversas vezes, sem sucesso.
‘Eu não concluiria da mesma forma hoje’
A esperança de Pursley ressurgiu quando o Estado de Illinois alterou a seção 116-3 do Código de Procedimento Penal, permitindo que um condenado solicitasse um novo julgamento com base em exames forenses que não estavam disponíveis na época do julgamento original.
Atuando em causa própria – pois ele havia se formado como advogado na prisão –, Pursley peticionou à Corte, argumentando que o recém-criado Sistema Integrado de Identificação Balística (IBIS, na sigla em inglês) era uma nova base de dados com imagens em alta resolução que permitia uma comparação mais acurada dos componentes de munições – uma técnica inexistente na época de seu julgamento. No entanto, o texto da lei mencionava explicitamente essa possibilidade apenas para exames de impressões digitais e testes de DNA.
Seu pedido foi negado, assim como o recurso apresentado à Corte de Apelação de Illinois. De acordo com a interpretação formalista do juiz John J. Bowman, que presidiu a decisão da Corte de Apelação, “a legislatura restringiu os testes forenses ao material genético porque a confiabilidade desses testes já foi estabelecida. Esse limite garante que uma petição para testes forenses não seja apresentada a cada avanço científico nos próximos anos”.
Graças a uma campanha liderada pelo próprio Pursley, o Código de Procedimento Criminal de Illinois foi emendado em 23 de outubro de 2007. O IBIS foi explicitamente incluído na seção 116-3, cuja redação passou a dizer: “Petição para realização de testes de impressões digitais, Sistema Integrado de Identificação Balística ou exames forenses não disponíveis no julgamento, relacionados à inocência real”.
Depois de muitas tentativas frustradas de reverter a sua condenação, Pursley finalmente obteve o direito a uma nova audiência para revisar a prova, tornando-se a primeira pessoa a conquistar esse direito com base em uma análise balística feita pelo IBIS – um precedente que ele mesmo ajudou a estabelecer. Apesar do sucesso, sua audiência viria a ocorrer apenas em 2016.
Na ocasião, o perito John Murdoch, atuando para a defesa, chamou atenção para a diferença entre o equipamento utilizado por ele, um microscópio de comparação balística equipado com aumento de até 120 vezes e fotografia digital, e as ferramentas disponíveis nos anos 1990, que consistiam em microscópios com aumentos de apenas 20 a 40 vezes.
Murdoch concluiu que a arma suspeita deveria ser excluída, pois não havia correspondência significativa entre os projéteis encontrados na cena do crime e os padrões disparados pela arma apreendida, além de os estojos apresentarem diferenças consideráveis. Um segundo perito, Chris Coleman, que revisou o trabalho de Murdoch, também testemunhou corroborando a sua conclusão.
O estado convocou três peritos, incluindo Gunnell, que, ao reexaminar os projéteis, alterou sua opinião para “inconclusiva”. Ele admitiu que não concluiria hoje da mesma forma que no passado, reconhecendo que a linguagem utilizada anteriormente – ao afirmar que podia excluir todas as outras armas de fogo – poderia ter induzido os jurados a erro. Quanto aos outros dois peritos, Russel McLain apresentou uma conclusão limitada, dizendo que apenas um dos projéteis foi disparado pela arma suspeita, enquanto Beth Patty foi inconclusiva em sua análise.
Em 2019, Pursley foi julgado novamente por um novo júri. Após ouvir os depoimentos dos peritos acima, que repetiram suas conclusões, o juiz McGraw afirmou que as evidências balísticas não estabeleciam a prova além de uma dúvida razoável. Pursley foi finalmente absolvido em 16 de janeiro de 2019, e dois anos depois recebeu uma indenização de US$ 508.266,00 do estado de Illinois.
Exame balístico: da condenação errônea à liberdade
O caso de Pursley chama atenção por um fato intrigante: o exame de comparação balística que levou à sua condenação errônea também foi a base para a sua liberdade. Curiosamente, essa mesma situação – em que o exame de comparação balística é usado para condenar e depois inocentar – ocorreu em um dos primeiros casos registrados de uso desse tipo de prova pericial.
Em 1915, no estado de Nova York, Charles Stielow, um trabalhador rural imigrante, foi condenado à pena de morte pelo assassinato de um fazendeiro e uma governanta, com base em um exame balístico apresentado por um “perito” chamado Albert Hamilton.
Hamilton se dizia especialista em diversas áreas, incluindo identificação de armas de fogo, mas tinha “menos que um diploma de ensino médio”. No início, Stielow afirmou que não possuía uma arma, mas a polícia encontrou e apreendeu uma em sua casa durante uma busca. Além do exame balístico e da falsa declaração do réu, a acusação apresentou como prova a sua confissão.
O governador de Nova York, Charles S. Whitman, influenciado por outras autoridades e entidades filantrópicas que passaram a duvidar da culpabilidade de Stielow, ordenou uma reinvestigação do caso. Stielow mal sabia ler e escrever, e a linguagem usada para descrever os detalhes do crime era incompatível com suas limitações cognitivas. Posteriormente, Stielow revelou que sua confissão havia sido obtida sob coação dos detetives.
Em uma nova investigação do caso, Henry Jones, perito em balística do Departamento de Polícia de Nova York, analisou a arma encontrada na casa de Stielow e concluiu que ela não havia sido utilizada há anos. A comparação balística dos projéteis retirados das vítimas foi inicialmente feita a olho nu, e Jones determinou que eles não poderiam ter se originado da arma de Stielow. Segundo ele, “os projéteis retirados dos corpos das vítimas eram lisos, enquanto os projéteis disparados no teste, recuperados de um anteparo de algodão, apresentavam marcas profundas e irregulares”.
Max Poser, um segundo perito experto em microscopia, analisou as marcas novamente e concluiu que não correspondiam à arma de Stielow. Três anos após sua prisão, Stielow foi libertado. Algum tempo depois, teve seus direitos de cidadania restaurados e recebeu um perdão completo por parte do governador de Nova York.
Esses dois casos tornam evidente a importância de mecanismos institucionais que possibilitem a realização de exames periciais após a condenação, especialmente quando avanços científicos podem trazer novas evidências capazes de corroborar a inocência do condenado.
Embora os testes de DNA sejam frequentemente discutidos como ferramenta para revisar condenações errôneas, será que outras áreas da ciência forense – após a revisão de seus princípios, a atualização de suas tecnologias e a garantia de maior confiabilidade de seus métodos – não poderiam contribuir também para reverter condenações equivocadas?
Tipos de perícia relacionados a eventos com armas de fogo
Há diversos tipos de exames forenses relacionados a eventos com armas de fogo, cada um voltado para um objetivo específico. Esses objetivos podem incluir a identificação do atirador, a determinação da arma que realizou os disparos ou a reconstrução da dinâmica do crime. Esse último tipo de exame pode ajudar até mesmo na avaliação do potencial lesivo do disparo.
A identificação do atirador baseia-se na análise dos resíduos de disparo de armas de fogo (Gunshot Residues, GSR, ou Firearm Discharge Residue, FDR), que consiste em investigar a presença, na pele ou nas vestes de uma pessoa suspeita de ter realizado um disparo, de partículas liberadas durante um disparo e que costumam se depositar na pele, nas roupas ou em objetos próximos ao atirador. Para realizar esse exame, são coletadas amostras desses locais e analisadas com técnicas instrumentais específicas, como o Microscópio Eletrônico de Varredura combinado com Espectroscopia de Raios X por Dispersão de Energia (SEM-EDX).
A identificação da arma que realizou os disparos em uma agressão ou homicídio, tema central deste texto, é realizada por meio do exame de comparação balística, também conhecido como confronto balístico. Este exame baseia-se na teoria de que, durante um disparo, toda arma produz nos elementos de munição (projétil e estojo) deformações microscópicas que variam de uma arma para outra, e cuja observação permitiria determinar com precisão qual arma efetuou o disparo.
Nesse procedimento, marcas em projéteis e estojos recuperados de uma cena de crime são comparadas àquelas deixadas em projéteis e estojos disparados pela arma suspeita, utilizando-se caixas de algodão ou tanques de água para recuperar os projéteis sem danificá-los. O perito analisa o grau de semelhança entre essas marcas para determinar se os projéteis e estojos foram disparados pela mesma arma ou por armas diferentes.
A reconstrução da dinâmica do crime pode ser esclarecida pela análise da trajetória do projétil, que fornece dados importantes, como a provável posição do atirador, o número de atiradores, a sequência dos disparos, o ângulo e a distância entre o cano da arma e o alvo, entre outros.
Este tipo de exame foi utilizado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro no caso Marielle Franco e Anderson Torres para sustentar a tese de que os acusados tinham a intenção de matar todos os passageiros, contra a tese da defesa de que o alvo era exclusivamente Marielle.
Além disso, essa análise auxilia o perito médico na avaliação do potencial lesivo dos ferimentos causados por arma de fogo, considerando fatores como a velocidade do projétil e o ângulo de impacto, contribuindo assim para estimar melhor a gravidade e a natureza das lesões.
Um quarto tipo de exame forense relacionado a armas de fogo, mas atualmente desacreditado, é a análise da composição química de projéteis, que tem como objetivo identificar a liga de chumbo utilizada na sua fabricação (conhecida como Bullet Lead Analysis, em inglês).
Esse método era usado para determinar se um projétil encontrado na cena do crime pertencia ao mesmo lote de munições associado a um suspeito. No entanto, em 2004, a pedido do FBI, a Comissão Nacional de Pesquisa dos Estados Unidos (National Research Council – NRC, na sigla em inglês) investigou este tipo de exame forense e concluiu que “os dados disponíveis não sustentam nenhuma afirmação de que um projétil utilizado em um crime veio, ou provavelmente veio, de uma caixa específica de munição, e quaisquer referências a ‘caixas’ de munição, em qualquer forma, são seriamente enganosas”.
Desde a década de 1980, o FBI realizou cerca de 2.500 exames de composição química dos projéteis, alguns dos quais foram utilizados em condenações. No entanto, esse tipo de exame foi finalmente abandonado com a recomendação do NRC.
Como funciona o exame de comparação balística?
No exame de comparação balística, o perito utiliza um microscópio de comparação para observar lado a lado os padrões de marcação deixados pela arma nos elementos de munição. O exame considera características macro e microscópicas. As marcas macroscópicas constituem as características de classe, que incluem atributos como peso, comprimento, calibre, tipo de raiamento do cano da arma etc.
Caso não haja correspondência entre as características de classe, é possível excluir categoricamente a possibilidade de um elemento de munição ter origem na arma apreendida. Por exemplo, um projétil de calibre 9 mm não pode ter sido disparado de uma arma de calibre .40. Da mesma forma, um estojo com marcas características de disparo com pistolas da marca Glock não pode ser resultado de disparo com uma pistola da marca Taurus.
Caso haja correspondência nas características macroscópicas, a análise avança para o nível microscópico. As marcas microscópicas, por sua vez, correspondem a características que resultam de pequenas imperfeições randômicas contidas no cano ou nos mecanismos de disparo da arma.
Essas imperfeições geram ressaltos, cavados, sulcos, riscas e outras marcas diminutas que podem decorrer do processo de fabricação em si, do desgaste devido ao uso ou por danos que a arma tenha sofrido. Essas características são consideradas a “impressão digital” da arma, permitindo, em tese, associá-la de forma única ao projétil ou estojo analisado.
Para compreender os exames de comparação balística, é essencial entender quais são os componentes de uma munição. O cartucho corresponde à munição de maneira integral, e está composto por quatro elementos principais: estojo, propelente, espoleta e projétil.
O estojo é o compartimento que reúne todos os outros componentes. O propelente é a substância que será inflamada, originando os gases de alta pressão necessários para impulsionar o projétil. A espoleta é um invólucro metálico que contém a mistura de iniciação para inflamar o propelente, dando início ao disparo. O projétil é a parte móvel do cartucho que será impulsionado pelos gases liberados na combustão do propelente.
Esses componentes trabalham em conjunto para que o cartucho funcione corretamente. Nas cenas de crime, geralmente são encontrados o estojo e o projétil – este último pode ser recolhido também do corpo da vítima.
Os exames de comparação balística fazem parte da categoria análise de marcas de ferramentas. Este gênero de análise baseia-se na teoria de que “quaisquer dois produtos manufaturados – mesmo aqueles produzidos consecutivamente com as mesmas ferramentas de fabricação – apresentarão marcas microscopicamente diferentes” (p. 150). Peritos em balística acreditam que as marcas deixadas em projéteis e estojos podem ser associadas de maneira única a uma arma específica.
O uso desta técnica teve início na primeira metade do século 20. Calvin Goddard, considerado o “pai” da balística forense, foi pioneiro em explorar o potencial dessas marcas para identificar armas suspeitas. Na investigação do famoso Massacre de Saint Valentine’s Day (1929), ocorrido em Chicago, Illinois, Goddard analisou os vestígios de munições encontrados na cena do crime e os vinculou a uma arma encontrada na casa de um dos gângsteres da máfia de Al Capone. Seu trabalho não apenas legitimou a balística forense, mas também estabeleceu padrões de análise que continuam sendo aplicados em investigações criminais até hoje.
A classificação das semelhanças, feita após a inspeção visual com auxílio do microscópio de comparação balística, leva em consideração uma escala de três níveis. Segundo a Associação de Examinadores de Armas de Fogo e Marcas de Ferramentas (AFTE, na sigla em inglês), os resultados devem ser classificados, de forma categórica, como “identificação”, “exclusão” ou “inconclusivo”. As descrições de cada possível conclusão são as seguintes:
- Identificação: ocorre quando há concordância entre as características individuais e todas as características de classe, de forma que o grau de correspondência excede o que seria esperado ao comparar marcas de ferramentas feitas por diferentes instrumentos. Essa correspondência, por outro lado, deve ser consistente com marcas produzidas por uma mesma ferramenta.
- Exclusão: ocorre quando há um desacordo significativo nas características de classe e/ou individuais.
- Inconclusivo: Ocorre quando há concordância em todas as características de classe, mas a concordância ou discordância em algumas características individuais é insuficiente tanto para uma identificação quanto para uma exclusão. Também pode ocorrer quando, apesar da concordância em todas as características de classe, as características individuais não apresentam concordância nem discordância devido à sua ausência ou insuficiência.
Além disso, segundo a AFTE, o exame de comparação balística deve ser considerado “inadequado para exame” quando os vestígios não apresentarem valor para análise. Isso pode ocorrer devido a deformações causadas por fatores ambientais, como a superfície de impacto ou condições climáticas. Outra razão que leva à inadequação do exame é a ruptura na cadeia de custódia.
É mesmo possível identificar a arma do crime?
“O laudo de comparação balística de fls. 169/172 concluiu que os projéteis encontrados no veículo da ofendida foram disparados pela arma de fogo encontrada em poder dos apelantes” – este é um trecho de uma decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (Apelação Criminal 0008168-02.2004.8.26.0050) que exemplifica a forma categórica com que peritos e juízes brasileiros costumam abordar o exame de comparação balística. Mas este tipo de exame pode realmente identificar, de forma categórica, qual foi a arma utilizada em um crime?
O método de exame e a forma como a balística forense apresenta seus resultados têm sido debatidos nos tribunais pelo menos desde o final da década de 2000, quando foram publicados alguns relatórios importantes nos EUA.
Em 2008, o relatório Produção de imagem balística (Ballistic Imaging), da Academia Nacional de Ciências dos EUA (NAS, na sigla em inglês), investigou a viabilidade de criar uma base de dados nacional de imagens computadorizadas para auxiliar nos exames de comparação balística.
A investigação partiu do pressuposto de que as marcas deixadas por armas de fogo seriam únicas – o que alguns autores chamam de “princípio de unicidade”. No entanto, o comitê investigador concluiu que “a validade das pressuposições fundamentais de unicidade e reprodutibilidade de marcas de ferramentas relacionadas a armas de fogo ainda não foi totalmente demonstrada”.
Em 2009, a NAS publicou um relatório mais abrangente chamado Fortalecendo a ciência forense nos Estados Unidos: um passo adiante (Strengthening Forensic Science in the United States: A Path Forward, conhecido como Relatório NAS), no qual afirmou que “a decisão do perito em marcas de ferramentas continua sendo subjetiva, baseada em padrões não explícitos e sem uma base estatística para estimar as taxas de erro. […] Seria necessário um volume significativo de pesquisa para determinar cientificamente o grau de unicidade das marcas de ferramentas relacionadas a armas de fogo ou mesmo para caracterizar quantitativamente a probabilidade dessa unicidade”.
Em 2016, foi a vez do Conselho de Assessores do Presidente em Ciência e Tecnologia, que publicou o relatório Ciência forense nos tribunais criminais: garantindo a validade científica dos métodos de comparação de características (Forensic Science in Criminal Courts: Ensuring Scientific Validity of Feature-Comparison Methods, conhecido como Relatório PCAST).
O relatório reconhece avanços desde a publicação do Relatório NAS em 2009, mas ressalta que “as evidências atuais ainda não atendem aos critérios científicos de validade fundamental”. Sugere-se, ainda, que uma das ferramentas para dar mais objetividade aos exames de comparação balística é o desenvolvimento e teste de algoritmos de análise de imagens para comparar a similaridade das marcas de ferramentas em projéteis.
A atribuição categórica de origem tem sido adotada em exames comparativos (que também incluem comparações de impressões digitais, manuscritos, imagens faciais, gravações de voz etc.) desde o início do século 20. Defensores dessa capacidade de identificação absoluta argumentam que isso é possível a partir dos princípios da “unicidade” e “individualização”. Este último seria uma decorrência lógica do primeiro.
No contexto do confronto balístico, o princípio da unicidade afirma que cada arma imprimirá “marcas únicas”, que apenas aquela arma é capaz de produzir; enquanto o princípio da individualização afirma que, em decorrência do princípio anterior, seria possível identificar categoricamente a arma que disparou um elemento de munição questionado, excluindo como possíveis origens todas as armas existentes.
Ocorre que há sérios problemas de ordem lógica e prática nesse raciocínio, por si só capazes de invalidar esses princípios como fundamentos científicos para qualquer exame comparativo. Note-se que o exame de DNA, usado para identificar pessoas com base em vestígios biológicos, também é um exame comparativo.
Considerado o “padrão ouro” dos exames periciais de laboratório, este tipo de exame não utiliza respostas categóricas de mesma origem desde os anos 1990. Deveria causar espanto e perplexidade a toda a comunidade pericial e jurídica que conclusões categóricas continuem sendo aceitas em exames com fundamentos científicos comparativamente mais frágeis.
O debate sobre a confiabilidade de conclusões categóricas de mesma origem em confrontos balísticos ganhou destaque recentemente com a decisão de 2019 no caso U.S. v. Marquette Tibbs. Nesse julgamento, o juiz Todd E. Edelman, da Corte Suprema do Distrito de Columbia, abordou críticas recorrentes à confiabilidade dos métodos e conclusões da balística forense.
Ele concluiu que “princípios e métodos confiáveis não sustentam adequadamente a teoria de que um perito em balística pode identificar uma arma de fogo específica como tendo disparado um determinado projétil ou estojo.” Essa decisão foi tomada após uma extensa audiência para ouvir os argumentos de especialistas de ambas as partes. Para embasar sua conclusão, o juiz Edelman elaborou um memorando detalhado, no qual justificou, ponto a ponto, sua linha de raciocínio.
O precedente U.S. v. Marquette Tibbs (2019)
O debate central era determinar se o exame de comparação balística cumpria os critérios estabelecidos no precedente Daubert v. Merrell Dow Pharmaceuticals, Inc. (1993), da Suprema Corte dos EUA, para que pudesse ser admitido como prova no tribunal.
No caso Daubert, a Suprema Corte determinou que os juízes devem realizar uma avaliação preliminar da validade científica e da confiabilidade do raciocínio ou da metodologia apresentada pelo perito. Para auxiliar os juízes na sua função de gatekeepers, a Corte apresentou uma lista de critérios flexíveis que incluem avaliar:
- se a teoria ou técnica pode ser ou foi testada;
- se a teoria ou técnica foi publicada em revista científica com revisão por pares;
- o percentual da sua taxa de erro conhecida ou potencial;
- a existência e manutenção de padrões para controlar sua operação; e
- sua aceitação geral na comunidade científica relevante.
Para o juiz Edelmann, apenas o primeiro dos critérios mencionados pode ser satisfeito no caso em questão. Vejamos abaixo o que ele diz a respeito dos demais.
A teoria ou técnica foi publicada em revista científica com revisão por pares?
A decisão destacou que até então apenas dois estudos ( de 2016 e 2019) foram publicados no Journal of Forensic Sciences, um periódico com revisão por pares. Os demais apareceram na revista da AFTE, que adota um sistema de revisão aberta.
Além disso, a revisão é conduzida por profissionais diretamente ligados à área da balística, interessados na natureza dos resultados. Existe um claro conflito de interesse. O juiz ressaltou ainda que esses trabalhos não estavam indexados nas principais bases de dados reconhecidas pela comunidade científica, o que compromete sua credibilidade e alcance.
Qual a taxa de erro conhecida ou potencial da técnica?
O juiz Edelman apontou problemas nos estudos realizados para testar a taxa de erro dos exames de comparação balística. Primeiro, observou falhas no desenho metodológico de tais estudos, uma vez que eles foram conduzidos por pessoas sem experiência adequada em metodologia da pesquisa. Também destacou que os estudos utilizavam conjuntos fechados, nos quais as fontes das amostras questionadas e conhecidas têm a mesma origem.
Isso contrasta com estudos de conjuntos abertos, onde as amostras questionadas podem ter origens distintas dos padrões usados no estudo. Em estudos com conjuntos fechados, o examinador pode inferir suas respostas com base nas soluções anteriormente alcançadas. De fato, o Relatório PCAST já havia comparado esse modelo de estudos baseado em um conjunto fechado a um jogo de Sudoku, “onde as respostas iniciais podem ser usadas para ajudar a preencher as respostas subsequentes” (p. 106).
A decisão destacou também a polêmica sobre como lidar com os resultados inconclusivos no cálculo da taxa de erro. Mesmo sob condições controladas, com amostras de alta qualidade disparadas em caixas de algodão ou tanques de água, alguns estudos permitiam que os participantes fornecessem respostas inconclusivas – espelhando a classificação da AFTE, que considera possível esse tipo de conclusão.
Mas o problema é que, em circunstâncias de teste ideais, uma resposta inconclusiva não deveria ser aceita – muito menos contabilizada como correta, como ocorreu no estudo conhecido como “Ames I”, conduzido pelo Laboratório Ames e o Departamento de Energia dos EUA. Este estudo contabilizou 735 respostas inconclusivas (34%) como corretas. Se fossem consideradas errôneas, a taxa de erro subiria de aproximadamente 1% para 35%. Muitos estudos posteriores criticaram o estudo Ames I em particular por apresentar uma taxa de erro subestimada.
Isso não significa que respostas inconclusivas não possam ser consideradas corretas em exames comparativos. Existem situações em que o fragmento de munição analisado pode realmente não conter informações suficientes – tanto em quantidade quanto em qualidade – para determinar a sua origem. Esse tipo de situação pode decorrer também de uma ruptura na cadeia de custódia.
Nessas circunstâncias, uma resposta inconclusiva deveria ser considerada correta. No entanto, se há informações suficientes para chegar a uma conclusão, uma resposta inconclusiva pode ser tratada como incorreta. Como argumenta Itiel Dror, “imagine uma pessoa inocente que não é descartada como suspeita porque o perito responsável pela comparação falhou em tomar a decisão de exclusão e, incorretamente, concluiu como inconclusivo – um erro claro que deve ser contabilizado como tal” (p. 334).
Existem e são mantidos padrões de controle para a operacionalização do exame?
O controle dos exames de comparação balística segue os parâmetros estabelecidos pela Teoria da Identificação da AFTE. Segundo a AFTE, é necessário que as superfícies dos elementos de munição comparados apresentem uma “correspondência suficiente” em características como altura, profundidade e largura das marcas.
As marcas incluem deformações da superfície metálica dos elementos de munição, como ressaltos, cavidades, sulcos, entre outras. A correspondência poderá ser considerada suficiente quando, de um lado, supera a melhor correspondência observada entre marcas produzidas por ferramentas diferentes e, de outro, é consistente com o padrão de marcas produzidas por uma mesma ferramenta cuja origem comum é conhecida.
O juiz Edelman destaca que esse parâmetro “é apenas subjetividade irrestrita disfarçada de objetividade” (p. 46). Essa subjetividade decorre do fato de que a determinação do acordo suficiente depende da experiência do perito, uma vez que não existe um padrão objetivo para orientar o exame, como a definição de um número mínimo de correlações exigidas para uma identificação.
Além disso, ao citar novamente o Relatório PCAST de 2016, o juiz aponta a circularidade desse parâmetro: “Uma opinião de origem comum pode ser emitida quando as superfícies dos dois itens analisados estão em ‘acordo suficiente’, o qual existe […] quando o examinador determina, com base em sua formação e experiência, que seria uma ‘impossibilidade prática’ que os dois itens não tivessem uma origem comum” (p. 46).
O método possui aceitação geral na comunidade científica relevante?
Em relação ao último requisito, o juiz Edelman questiona o alcance do conceito de comunidade científica relevante. “Os tribunais não devem limitar a comunidade científica relevante ao grupo específico de profissionais dedicados à validação da teoria – ou seja, àqueles cuja reputação profissional e sustento financeiro dependem da disciplina questionada”.
Segundo ele, como apontam o Relatório NAS 2009 e o Relatório PCAST 2016, a comunidade científica mais ampla não demonstra aceitação em relação à validade fundamental e à confiabilidade do método de comparação balística. Essa falta de aceitação é evidenciada não apenas pela existência de trabalhos críticos, publicados em periódicos científicos revisados por pares, mas também pelo fato de que a maioria dos estudos de validação foi publicada na própria revista da AFTE, que apresenta todos os problemas mencionados anteriormente.
O tribunal concluiu que o exame de comparação balística não atende aos critérios estabelecidos no precedente Daubert. Como resultado, o juiz proibiu, neste caso, que o perito apresentasse uma conclusão categórica sobre a identificação da origem dos elementos de munição analisados. No entanto, não descartou completamente o exame de comparação balística.
A impossibilidade de identificar uma arma específica como a fonte (match) dos elementos de munição não impede que outro tipo de conclusão seja apresentado. Dessa forma, o juiz Edelman autorizou o perito a declarar que uma arma de fogo não pode ser excluída como a possível origem de um projétil ou estojo – uma conclusão baseada em evidências.
O cenário brasileiro
Como vimos no caso de Pursley, avanços tecnológicos podem influenciar os resultados dos exames de comparação. O Sistema Integrado de Identificação Balística (IBIS) – tecnologia que possibilitou a revisão da condenação de Pursley – armazena imagens tridimensionais com dados detalhados sobre características de classe e individuais de projéteis e estojos disparados por armas de fogo apreendidas em crimes.
No Brasil, essa tecnologia começou a ser utilizada em âmbito nacional com o Decreto 10.711/2021, que instituiu o Banco Nacional de Perfis Balísticos (BNPB). O BNPB integra o Sistema Nacional de Análise Balística (SINAB), que viabiliza o compartilhamento e a comparação de perfis balísticos armazenados, garantindo a padronização de procedimentos e técnicas, além da segurança e confidencialidade das informações.
Em 2022, foram divulgados o Manual de Procedimentos e o Manual de Controle de Qualidade do SINAB. O Manual de Procedimentos tem por objetivo estabelecer diretrizes para a operação do BNPB, conectando centrais regionais para permitir o compartilhamento dos perfis balísticos no território nacional.
É importante destacar que apenas materiais coletados em locais de crime por peritos criminais ou sob supervisão médica em vítimas são aceitos, e há critérios rigorosos para a inserção de informações no sistema. Um software é responsável por fazer correlações entre os materiais, que são validadas manualmente por peritos.
No Manual de Controle de Qualidade são descritos os procedimentos relacionados à validação de equipamentos e outros meios necessários para assegurar a qualidade e gestão do BNPB. Em 2023 uma segunda versão do Manual de Procedimentos foi publicada com o objetivo de aprimorar a primeira e introduzir novos recursos, em um exercício do Comitê Gestor para a atualização e melhoria dos fluxos de análise.
Em 2024, foi publicado o documento Procedimento de Operação Padrão (POP) sobre balística forense, pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública. Este documento segue a lógica da AFTE e também adota respostas categóricas para os resultados dos exames de balística: “positivos”, quando há concordância de características entre os elementos de munição analisados; “negativos”, quando há discordância entre esses elementos; e “inconclusivos”.
Este último resultado, contudo, deve ser atribuído a casos como peças deformadas, intervalo longo entre o fato investigado e o exame, inconsistência nos padrões ou insuficiência de amostras. Comparado às normas da AFTE, o POP parece mesclar os resultados “inconclusivo” e “inadequado”.
O POP está dividido em quatro partes: exame de confronto balístico, coleta e análise de resíduos de tiro (GSR), exame de eficiência em armas de fogo e exame de eficiência em cartuchos de munições. Também há orientações para a elaboração de laudos periciais, desde a descrição dos materiais analisados até a apresentação de conclusões.
O documento reflete o esforço de unificação e modernização dos procedimentos periciais em todo o país, com ênfase na proteção de direitos humanos e na contribuição para a elucidação de crimes violentos. Ele reforça a necessidade de atualização constante das práticas forenses e a importância de integração com sistemas como o SINAB.
Dois passos à frente, um passo atrás
Diante das críticas da comunidade científica aos fundamentos do exame de comparação balística, várias mudanças têm ocorrido: avanços tecnológicos, ajustes na condução do exame, aprimoramentos na comunicação de seus resultados e novos estudos voltados à sua validação.
Ferramentas modernas – como microscópios de alta ampliação, dispositivos capazes de gerar imagens tridimensionais de alta resolução e sistemas integrados que auxiliam na comparação das marcas microscópicas – oferecem maior precisão em relação aos métodos utilizados no passado.
Em julho de 2024, o Ministério da Justiça e Segurança Pública concluiu uma doação de equipamentos no valor de R$ 109,6 milhões para aprimorar o SINAB nos estados e no Distrito Federal. Esses equipamentos permitem escanear munições e armas, produzindo imagens topográficas tridimensionais para que um software realize comparações e forneça um escore de similaridade. Além disso, facilitam a integração entre as investigações criminais estaduais e federais e promovem a padronização dos procedimentos em balística forense.
Quanto aos ajustes na forma de condução do exame, uma equipe de pesquisadores do Instituto Nacional de Padrões e Tecnologia (NIST, na sigla em inglês), vinculado ao Departamento de Comércio dos EUA, vem desenvolvendo um novo algoritmo para a comparação das imagens topográficas tridimensionais dos elementos de munição, chamado “Segmentos de Perfis Correspondentes Congruentes” (CMPS, na sigla em inglês).
Com a ajuda do computador, este método de comparação divide as marcas microscópicas em fragmentos; depois correlaciona tais segmentos com aqueles de munições de referência para verificar se existe alguma correspondência. O objetivo deste estudo é desenvolver um método que dependa menos da expertise do examinador, permitindo quantificar de forma mais objetiva o grau de incerteza de uma comparação.
O método CMPS representa um avanço significativo ao atender à necessidade de evitar conclusões categóricas que afirmam a mesma origem na conclusão de laudos periciais. Declarações como “o projétil questionado e o projétil padrão foram disparados pela mesma arma” ou – como frequentemente ocorre – “o projétil questionado foi disparado pela arma apreendida com o suspeito” transmitem uma ideia de certeza absoluta, incontestável e definitiva, que não admite revisão posterior.
Não por acaso, Patrick Pursley passou longos 24 anos preso enquanto lutava para provar sua inocência. As incertezas relacionadas ao confronto balístico e à subjetividade presente em algumas etapas do exame devem ser reconhecidas e refletidas na redação dos laudos. Por essa razão, um número crescente de laboratórios tem adotado conclusões probabilísticas.
Isso não significa dizer que os laudos periciais devam expressar suas conclusões em termos numéricos. De acordo com as diretrizes da Rede Europeia de Institutos de Ciência Forense (ENFSI, na sigla em inglês), a conclusão do perito em exames comparativos deve ser comunicada por meio de fórmulas verbais – isto é, descrita em termos de graus de suporte.
Por exemplo, ao considerar duas hipóteses possíveis para um exame de comparação balística – mesma origem (“o projétil questionado foi disparado pela arma da pessoa suspeita”) e origens distintas (“o projétil questionado foi disparado por outra arma”) –, caso seja identificado um altíssimo grau de similaridade entre os elementos de munição analisados, deve-se concluir que “a evidência fornece um suporte extremamente forte para a hipótese de que o projétil foi disparado pela arma da pessoa suspeita em relação à hipótese alternativa”.
Os avanços no campo da validação científica têm ocorrido de forma mais lenta. Cada novo estudo de validação revela lacunas ou falhas metodológicas que só são identificadas após a publicação dos resultados. O mais recente estudo de validação em larga escala foi realizado pelo Laboratório Ames, a pedido do FBI, para testar a performance de 173 peritos qualificados em comparação balística (conhecido como “estudo Ames-FBI”).
Este estudo, cujos resultados foram publicados em 2022, teve um escopo mais amplo em comparação ao primeiro (Ames I), que se limitava à análise de projéteis. Foram encontradas taxas de erro para falsos positivos (conclusões “identificação” quando elementos de munição têm origens diferentes) de 0,656% e 0,93%, para projéteis e estojos, respectivamente. As taxas de erro para falsos negativos (conclusões “exclusão” quando elementos de munição têm a mesma origem) foram de 2,87% e 1,87%, para projéteis e estojos, respectivamente.
No entanto, apenas a primeira parte do estudo Ames-FBI foi publicada e permanece disponível. A segunda parte – que investigou a repetibilidade (i.e., a frequência com que a mesma pessoa chega à mesma conclusão ao examinar o mesmo objeto) e a reprodutibilidade (i.e., a frequência com que diferentes pessoas chegam à mesma conclusão ao analisar os mesmos objetos) – foi divulgada em 2021, mas posteriormente retirada do ar.
De acordo com um artigo de revisão dessa segunda parte do estudo, publicado em um periódico científico da área, “uma análise mais fundamentada revela não uma alta repetibilidade e reprodutibilidade, como afirmam os autores, mas, pelo contrário, uma repetibilidade e reprodutibilidade bastante fracas”.
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O objetivo desta reportagem foi destacar a necessidade de maior cautela nos exames de comparação balística. Precedentes como o caso Marquette Tibbs e outros já refletem essa mudança, com juízes rejeitando afirmações categóricas de mesma origem. Respostas categóricas são problemáticas porque ocultam as incertezas, dificultando que os tomadores de decisão identifiquem possíveis erros e tomem medidas para corrigi-los.
É por isso que a adoção de respostas probabilísticas, expressas em fórmulas verbais, como já ocorre nos exames de DNA, torna-se fundamental. Adotar abordagens mais cautelosas nessa área é um avanço essencial para assegurar uma justiça fundamentada em ciência forense confiável. Vale lembrar que condenar um inocente, além de ser uma grave injustiça, resulta na impunidade do verdadeiro autor do crime.
Quando a Justiça ignora a ciência
Esta reportagem abordou o fundamento científico da prática pericial de afirmar que projéteis e estojos encontrados na cena do crime pertencem a uma arma específica. É possível que o perito identifique uma arma específica e exclua todas as outras armas como possíveis origens de um disparo? Essa questão é objeto de intenso debate nos dias de hoje, envolvendo, de um lado, peritos e cientistas forenses, e, de outro, especialistas em metodologia da pesquisa e estatística, cujas conclusões têm sido adotadas por alguns juízes de tribunais estaduais nos EUA.
Esta é a quinta e penúltima reportagem do projeto “Quando a Justiça ignora a ciência”, que discute a rejeição ou o mau uso de evidências científicas no contexto criminal brasileiro. Na primeira, tratamos de condenações errôneas devido a falsos positivos em exames de drogas. Na segunda, abordamos as limitações dos exames de DNA, mostrando que nem mesmo o padrão ouro das provas periciais está livre do risco de condenar inocentes. Na terceira, analisamos o uso de provas psicografadas – um tipo de pseudociência – nos tribunais brasileiros e em etapas preliminares das investigações policiais. Na quarta, discutimos como os erros de reconhecimento expõem injustiças no Judiciário e destacam a necessidade urgente de reformas.