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Por 8 votos a 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) declarou inconstitucionais os artigos 3°, 5° e 6° da Emenda Constitucional 123/2022, conhecida como PEC Kamikaze. A norma havia inserido na Constituição a previsão de estado de emergência para viabilizar gastos de R$ 41,25 bilhões com benefícios sociais como a ampliação do Auxílio Brasil e do vale-gás, além da criação de auxílios a taxistas e caminhoneiros no ano em que o então presidente da República Jair Bolsonaro buscava a reeleição.
No julgamento da ADI 7.212, ajuizada pelo partido Novo em 2022, prevaleceu a divergência aberta pelo ministro Gilmar Mendes. O ministro considerou ser de extrema relevância o posicionamento do STF na matéria e defendeu que seria necessário sinalizar que tal artifício “valeu uma vez — e não mais. Porque senão nós corremos o risco de aprimoramento desse modelo”, a fim de evitar novos dribles nas regras da anterioridade e igualdade eleitorais.
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Também prevaleceu a opção por não pronunciar a nulidade da emenda para evitar prejuízos a quem recebeu benefícios de boa-fé, visto que a norma já produziu seus efeitos.
O relator, ministro André Mendonça, havia votado no sentido de que houve a perda superveniente de objeto, ou seja, para ele não faria mais sentido julgar esta ação. Isto porque teria havido o término do prazo de vigência de leis temporárias, que só vigeram até o fim do estado de emergência. O ministro ficou vencido ao lado de Nunes Marques, para quem a ação deveria ser julgada improcedente.
O ministro Gilmar Mendes abriu divergência ao voto do relator, ao considerar que não houve perda superveniente do objeto da EC 123/22. O Partido Novo ajuizou a ação quatro dias após a promulgação PEC Kamikaze, de modo que o questionamento foi formulado oportunamente, logo após a sua promulgação e muito antes do término de seus efeitos.
Destacou, ainda, que a superação da prejudicialidade da ADI 7.212 se justificaria pela evidente relevância social, econômica, política e jurídica envolvendo a controvérsia.
Ao acompanhar o voto de Gilmar Mendes, o ministro Flávio Dino afirmou existir uma dimensão profilática neste julgamento, a fim de evitar que casos similares se repitam.
Já a ministra Cármen Lúcia afirmou que durante o período eleitoral “foram adotados comportamentos que me parecem exatamente conduzir a benefícios ou benesses que, claro, que alterariam o próprio quadro ou poderiam alterar o próprio quadro com o objetivo específico de facilitar, de melhorar, de dar melhores condições de retórica eleitoral, o que me parece contrário a tudo que se tem na Lei das Eleições”.
Além de Dino e Cármen Lúcia, Alexandre de Moraes, Edson Fachin, Luiz Fux, Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso acompanharam a divergência inaugurada por Mendes.
Já o ministro Cristiano Zanin se declarou impedido por ter atuado como advogado.
Voto do relator André Mendonça
Vencido, o ministro André Mendonça havia opinado pela perda superveniente de objeto e inépcia inicial. Quanto à perda de objeto, o ministro destacou a perda de prazo de eficácia dos arts. 3°, 5° e 6° da EC, visto que chegou ao fim o estado de emergência.
Em relação à inépcia inicial, no que diz respeito ao regime fiscal dos biocombustíveis, Mendonça considerou a falta de fundamentos jurídicos específicos para cada dispositivo impugnado da emenda. Segundo ele, a argumentação centrou-se na definição de estado de emergência e não diretamente sobre os biocombustíveis, tratados nos arts. 2° e 4° da EC.
No contexto fático informado tanto pela Câmara dos Deputados quanto pelo Senado Federal no processo de tramitação da EC, Mendonça afastou quaisquer ofensas ao direito do parlamentar ou devido processo legislativo. Com relação aos arts. 1°, 2°, 4° e 7°, que versam sobre os biocombustíveis, reconheceu a possibilidade de instituição do diferencial de competitividade.
No que se refere ao reconhecimento do estado de emergência, em razão da elevação dos preços do petróleo e derivados, Mendonça entendeu que a União está autorizada a adotar medidas extraordinárias via EC. Também rejeitou a alegação de criação de uma terceira modalidade de salvaguarda de defesa estatal.
Conforme afirmou Mendonça, os dispositivos questionados pelo partido Novo não se caracterizam como um instituto de salvaguarda do Estado, mas como estado de defesa, de sítio ou similares, envolvendo a suspensão temporária de garantias fundamentais do cidadão no âmbito de contextos críticos. “A EC 123/2022 refere-se a um conceito similar aos de situação de emergência, por sua vez ladeado pelo conceito de e estado de calamidade pública”, destacou o ministro.
Por fim, entendeu pela perda superveniente de objeto e extinção sem resolução do mérito da ação por inépcia inicial. Caso superado esse entendimento e considerando a possibilidade de julgamento de mérito pelo STF, Mendonça entendeu que a EC 123/22 poderia ser considerada constitucional. Ao final de seu voto, propôs a seguinte tese:
“I – Há perda superveniente de objeto quando verificado o término do prazo de vigência de leis temporárias, sobretudo nas situações em que seus efeitos tenham sido integralmente exauridos;
II – A não observância do ônus processual previsto no art. 3° da Lei 9.868/1999, que impõe a necessidade de expor na petição inicial os fundamentos jurídicos do pedido em relação a cada uma das impugnações, enseja o reconhecimento da inépcia da petição inicial, impondo-se o não conhecimento da ação em relação à parcela das impugnações especificamente não fundamentadas”.
Caso concreto da ADI 7.212
Na ADI 7.212, o partido Novo argumenta que a emenda reconhece em 2022 o estado de emergência decorrente da elevação extraordinária e imprevisível dos preços do petróleo, combustíveis e seus derivados e dos impactos sociais dela decorrentes.
Segundo a legenda, as hipóteses de estado de exceção previstas na Constituição são taxativas (sítio e defesa), e o texto, ao criar uma nova modalidade por meio de emenda, afronta os direitos e garantias fundamentais, além do próprio federalismo.
Aponta, ainda, violação ao direito ao voto direto, secreto, universal e periódico, pois a norma busca efetuar a distribuição gratuita de bens em ano de eleição, o que, a seu ver, é proibido pelo princípio da anterioridade eleitoral, disposto no artigo 16 da Constituição. A sigla explica que a regra visa evitar a utilização abusiva ou casuística do processo legislativo como instrumento de manipulação e de deformação do processo eleitoral.
Segundo o Novo, o que se tem a partir da EC 123/22 será a possibilidade de qualquer governo, a qualquer tempo, encontrar bases para um “estado de emergência customizado, que viabilize medidas populistas, ou pior, restritivas de direitos individuais”.
Também na avaliação do partido, houve vício na tramitação da proposta no Congresso Nacional, na medida em que se inviabilizou a apresentação de emendas, suprimindo direito básico do mandato parlamentar.