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O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, concedeu medida cautelar determinando que o município de São Paulo restabeleça a comercialização e cobrança de serviços funerários, cemiteriais e de cremação tendo como teto os valores praticados imediatamente antes das concessões, atualizados pelo IPCA até a data da decisão.
De acordo com a decisão, “objetiva-se evitar danos irreparáveis ou de difícil reparação em desfavor das famílias paulistanas, em face de um serviço público aparentemente em desacordo com direitos fundamentais e com valores morais básicos”.
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Para fins de garantir o seu cumprimento, a decisão estabelece que caberá à administração municipal as providências necessárias para efetivá-la, mantendo-se ou não os contratos de concessão.
É bem verdade que a doutrina, desde cedo, considera os serviços funerários como serviços públicos e atribui à municipalidade sua prestação. No clássico Direito Municipal Brasileiro, Hely Lopes Meirelles já defendia a natureza de serviço público de competência municipal à atividade, que poderiam “ser delegadas pela Municipalidade, com ou sem exclusividade, a particulares que se proponham a executá-las”.
Tal posicionamento foi adotado pelo STF, na ADI 1221, ao declarar a inconstitucionalidade de norma da Constituição do Estado do Rio de Janeiro que determinava gratuidade da prestação de serviços funerários a desempregados, pessoas reconhecidamente pobres e para os que percebessem até 1 salário-mínimo mensal. Ao declarar a inconstitucionalidade da norma, o Supremo assentou que se tratava de um serviço público municipal, e que o legislador estadual havia invadido a competência municipal.
Pois bem. O art. 30, V da Constituição estabelece que compete aos municípios “organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial”. Portanto, inexiste qualquer dúvida quanto à possibilidade de concessão ou permissão de tal serviço à iniciativa privada.
Tal ideia é reforçada pelo próprio art. 175, que prevê o regime de concessão ou permissão para prestação do serviço público, estabelecendo os critérios que deverão ser dispostos pela legislação infraconstitucional. A Lei 8.987 (Lei Geral de Concessões) dá concretude ao disposto no texto constitucional, estabelecendo concretamente os parâmetros para estabelecimento da política tarifária, os direitos dos usuários e a forma de prestação e manutenção do serviço.
A forma de fixação da tarifa é complexa, envolvendo desde o preço da proposta vencedora da licitação, mas estando sujeita a equilíbrio econômico-financeiro e devendo estar de acordo com as peculiaridades relativas a cada serviço público.
A década de 1980 foi marcada mundialmente por uma revisão na forma de prestação dos serviços públicos. No Brasil, isso resultou, no início da década de 1990, na edição da Lei Geral de Portos (Lei 8.630/93) e, posteriormente, na Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97), permitindo a prestação de tais serviços a partir de uma hibridização de regimes.
A famosa divisão entre serviço público e atividade econômica, que estabelecia uma espécie de divisão intransponível entre essas duas modalidades, passou a ser revista. No clássico artigo “Serviço Público à Brasileira”, o professor Almiro do Couto e Silva afirmou a possibilidade de um setor previsto constitucionalmente como de titularidade estatal ser prestado na forma de um serviço público – sujeito a maior interferência estatal (controle de tarifa, bens reversíveis) ou ser prestado por terceiros, em regime privado – sujeito a um regime de liberdade.
Não se pode ter um apego à visão clássica de serviço público, própria do século 19, e que impede a compreensão das tendências contemporâneas
Ao conceder uma medida liminar que determina teto para prestação de serviços, com base em conceito aberto como “valores morais”, abre-se um perigoso precedente. Não apenas quanto envolvimento no mérito de uma série de decisões administrativas realizadas em consonância com a lei, como implica em consequências para segurança jurídica.
Caso validada essa posição, todas as concessões e parcerias realizadas pelo Brasil estarão sujeitas à regulação de preços pelo Judiciário? E essa regulação de preços poderá ser realizada com base em abstrações como uma vaga menção a direitos fundamentais ou valores morais básicos?
Não se pode ter apego à visão clássica de serviço público, própria do século 19, que impede a compreensão das tendências contemporâneas do direito administrativo, forçando inconstitucionalidades que são inexistentes. Espera-que o pleno do Supremo Tribunal Federal, ao se debruçar sobre a questão, garanta a segurança jurídica, a estabilidade das relações e a manutenção do regime de concessões no país.