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TCU não é a ‘agência reguladora’ das licitações e contratos do Brasil

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Quando dos debates que levaram à fixação do Tema 309 no RE 656558, que analisava a contratação direta de advogados, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) André Mendonça trouxe em seu voto uma referência expressa à Súmula 39 do Tribunal de Contas da União (TCU).

Diz a Súmula que: “A inexigibilidade de licitação para a contratação de serviços técnicos com pessoas físicas ou jurídicas de notória especialização somente é cabível quando se tratar de serviço de natureza singular, capaz de exigir, na seleção do executor de confiança, grau de subjetividade insuscetível de ser medido pelos critérios de objetivos de qualificação inerentes ao processo de licitação, nos termos do art. 25, inciso II, da Lei 8.666/1993”.

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Contudo, dentre os 33 Tribunais de Contas do Brasil, por que o entendimento contido na Súmula 39 do TCU deveria ser levado em consideração pelo STF em detrimento, digamos do que foi decidido pelo Tribunal de Contas do Maranhão (TCE-MA), que registrou que “(…) a comprovação da notória especialização já comprova também a singularidade do serviço, posto que, caso contrário, estar-se-ia possibilitando a elaboração de entendimentos de caráter subjetivo sobre o tema, afastando a objetividade expressa na lei”?

Em suma, existe alguma posição reservada pela Constituição ao TCU que lhe atribua ao TCU um papel dessa natureza?

Lembrando apenas que, no chamado “Sistema Tribunal de Contas”, além do TCU, temos 6 TCs estaduais[1], 1 TC do Distrito Federal, 3 TCs dos municípios[2] e 2 TCs municipais[3], todos eles com competências própria e sem qualquer relação hierárquica entre si.

Respeitosamente, conferir uma primazia aos entendimentos do TCU com relação aos entendimentos das demais Cortes de Contas é atribuir a aquela Corte um papel que a Constituição Federal de 1988 não lhe conferiu, qual seja: o de ser o principal órgão de controle externo do país e ser o responsável por proferir diretrizes gerais a serem seguidas pelos demais Tribunais de Contas e, por consequência, seus jurisdicionados.

Hierarquizar os entendimentos do TCU para torná-los prevalentes com relação aos entendimentos dos outros integrantes do Sistema Tribunal de Contas equivaleria, por exemplo, a fazer uma diferenciação entre os Tribunais de Justiça Estaduais (ou entre estes e os Tribunais Regionais Federais) e escolher um para servir de guia dos entendimentos dos demais. Algo que não se afina com nosso modelo de divisão de competências.

Nesse contexto é de se mencionar a Súmula 222 do TCU, que estabelece que as decisões daquela Corte de Contas “relativas à aplicação de normas gerais de licitação, sobre as quais cabe privativamente à União legislar, devem ser acatadas pelos administradores dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”.

Todavia, tal verbete, aprovado pelo TCU em 08/12/1994 é fruto de uma competência auto-atribuída – sem amparo no texto constitucional- e que não é cogente com relação aos demais Tribunais de Contas do Brasil. Com efeito, o TCU é um tribunal de contas como outro qualquer, cabendo-lhe apenas tratar de temas de interesse da União. Ele não é uma espécie de STJ das Cortes de Contas, a quem caberia uniformizar a interpretação de regras relativas à licitação e contratos.

Neste particular, traga-se a título de ilustração, entendimento do Tribunal de Contas de Santa Catarina onde se deixou bem claro que “o fato do Tribunal de Contas da União ter aprovado o procedimento do ‘carona’ não impede o Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina de tomar decisão contrária. A súmula 222 do Tribunal de Contas da União não se ajusta à simetria proposta pelo art. 75 da Constituição da República, que se refere à organização, composição e fiscalização em sentido formal. Não há no ordenamento jurídico pátrio nenhuma obrigação dos Tribunais de Contas Estaduais de seguirem os entendimentos do Tribunal de Contas da União. Cada um, dentro de sua jurisdição e competência têm a total liberdade para decidir, isso é o que se depreende da Constituição da República[4]”.

Inclusive, em outra oportunidade já nos manifestamos no sentido de afirmar que: “quando se faz uma análise sobre a remissão e o uso de jurisprudências de Tribunais de Contas, o TCU é, de longe, o mais referenciado, sendo utilizado por gestores estaduais e municipais em suas manifestações, por Procuradores dos Estados e dos Municípios em seus pareceres, por comissões de licitações, pregoeiros e licitantes em processos licitatórios e até mesmo pelos próprios Tribunais de Contas Estaduais, dos Municípios e Municipais. Mesmo na doutrina especializada raras são as menções aos Tribunais de Contas locais, com autores renomados fazendo menções à jurisprudência do Tribunal de Contas da União de forma símile que constitucionalistas mencionam o STF e processualistas se referem às decisões do STJ. Mas essa ‘preponderância técnica’ do TCU deve ser, no máximo, encarada como uma deferência, pois, como já exposto, nada impede que os outros Tribunais de Contas que integram o ecossistema nacional de controle externo possuírem entendimentos que divergem dos proferidos pelo Tribunal de Contas da União[5]”.

Assim, ao menos no atual design conferido pelo figurino constitucional, o TCU não pode ser considerado uma espécie de “agência reguladora” ou Corte de Uniformização das licitações e contratos do Brasil que emana diretrizes nacionais de observância obrigatória. Isso implica suprimir a autonomia dos demais entes federativos, violando frontalmente nosso modelo.

Um bom reforço a tal argumento se encontra no veto ao caput e ao parágrafo único do art. 172 da nova Lei de Licitações e Contratos que estabeleceriam, caso não tivessem sido vetados, respectivamente que “os órgãos de controle deverão orientar-se pelos enunciados das súmulas do Tribunal de Contas da União relativos à aplicação desta Lei, de modo a garantir uniformidade de entendimentos e a propiciar segurança jurídica aos interessados” e que “A decisão que não acompanhar a orientação a que se refere o caput deste artigo deverá apresentar motivos relevantes devidamente justificados”.

Nas razões de veto foi dito que “em que pese o mérito da propositura, o dispositivo ao criar força vinculante às súmulas do Tribunal de Contas da União, viola o princípio da separação dos poderes (art. 2°, CF) e a autonomia dos Estados, Distrito Federal e Municípios (art. 18, CF)”.

Por outro lado, bom é que se diga que tramita no Congresso Nacional a PEC 329/2013, que estabelece que caberá ao TCU o planejamento, o estabelecimento de políticas e a organização do Sistema Nacional dos Tribunais de Contas, bem como remete a uma futura Lei Complementar a fixação das regras para um procedimento extraordinário de uniformização da jurisdição de contas a ser processado autonomamente e em abstrato pelo TCU em casos de repercussão geral.

Em razão de tudo o que foi até aqui exposto, no atual cenário de nosso ordenamento jurídico, não há nada que autorize considerar o TCU uma super Corte de Contas a quem incumbe normatizar as licitações e contratos do Brasil.


[1] Tribunal de Contas do Estado do Acre, Tribunal de Contas do Estado de Alagoas, Tribunal de Contas do Estado do Amapá, Tribunal de Contas do Estado do Amazonas, Tribunal de Contas do Estado da Bahia, Tribunal de Contas do Estado do Ceará, Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo, Tribunal de Contas do Estado de Goiás, Tribunal de Contas do Estado do Maranhão, Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso, Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul, Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Tribunal de Contas do Estado do Pará, Tribunal de Contas do Estado da Paraíba, Tribunal de Contas do Estado do Paraná, Tribunal de Contas do Estado de Pernambuco, Tribunal de Contas do Estado do Piauí, Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, Tribunal de Contas do Estado de Rondônia, Tribunal de Contas do Estado de Roraima, Tribunal de Contas do Estado de Santa Catarina, Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, Tribunal de Contas do Estado de Sergipe e Tribunal de Contas do Estado do Tocantins.

[2] Tribunal de Contas dos Municípios do Estado da Bahia, Tribunal de Contas dos Municípios do Estado de Goiás e Tribunal de Contas dos Municípios do Estado do Pará.

[3] Tribunal de Contas do Município de São Paulo e Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro.

[4] Processo CON-07/00001662.

[5] Araújo, Aldem Johnston Barbosa, Há risco em se fazer um uso irrefletido da jurisprudência do TCU, CONJUR, 30.12.2023. Disponível na internet: https://www.conjur.com.br/2023-dez-30/ha-risco-em-se-fazer-um-uso-irrefletido-da-jurisprudencia-do-tcu. Acesso em 11.11.2024.

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