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Vícios substanciais em decisões do Tribunal de Impostos e Taxas (TIT), quando ignorados, representam uma violação das garantias e princípios fundamentais que norteiam o contencioso administrativo tributário, pois comprometem a integridade desse sistema e acarretam graves prejuízos às partes envolvidas.
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Há alguns anos, este Observatório publicou o artigo[1], que inclusive faz parte do livro Os 100 textos do observatório de jurisprudência do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo, abordando um julgado da Câmara Superior que, após revisitar provas em sede de recurso especial, deu provimento ao recurso fazendário ante a constatação de premissa falsa, uma vez que o lançamento não decorreu de diferenças de entradas e saídas, mas de apreensão de controles paralelos.
A relevância de temáticas como essa (premissa falsa) motivou os pesquisadores desse Observatório a conduzirem um estudo aprofundado sobre os acórdãos anulados pelas Câmaras Julgadoras, resultando na publicação do livro Nulidade de decisões ordinárias e outros temas analisados pela Câmara Superior do Tribunal de Impostos e Taxas, que homenageia o jurista Celso Alves Feitosa, em razão de sua marcante atuação no TIT, onde se destacou com decisões firmes e impactantes sobre a matéria.
Dos artigos publicados neste livro, ao menos quatro abarcam discussões envolvendo decisões que partiram de premissa falsa.
O primeiro deles[2] é o impecável estudo analítico realizado por parte da coordenação e alguns pesquisadores do Observatório com objetivo de averiguar a origens dos recursos especiais e os resultados dos julgamentos em relação à matéria examinada (nulidade de decisões) durante o ano de 2022, que encontrou 24 abarcaram a temática premissa falsa, sendo que apenas 1 foi acolhido em favor dos contribuintes.
Outros dois artigos[3] abordaram acórdãos da Câmara Superior que (i) reconheceram a nulidade por premissa falsa com base na análise de fatos e provas, a exemplo de situações em que a decisão anulada analisa lide diversa ou ignora algum elemento que, se fosse apreciado, alteraria o resultado do julgamento; (ii) barram recursos que fundamentam premissa falsa como justificativa de contornar o entendimento de decisões ordinárias que se baseiam na análise das provas.
O último artigo[4], escrito por Edison Aurélio Corazza, um dos juízes que participaram do recente julgamento na Câmara Superior, sobre o qual discorreremos neste texto, afirma que “nem tudo que reluz é ouro, e nem toda premissa falsa resulta em nulidade”. Para o autor, uma decisão de Câmara Julgadora que reconheça a boa-fé com base em apenas um dos requisitos mencionados na Súmula 509 do STJ não deve ser anulada por erro de premissa, mas sim reformada.
Feitas essas considerações iniciais, trataremos do interessante julgamento em que a Câmara Superior analisou justamente a possibilidade ou não de se reconhecer a nulidade da decisão recorrida por uso de premissa falsa em situações que aplicam a Súmula 509 do STJ para além da tese que abarca puramente boa-fé (creditamento indevido).
Essa discussão chegou à Câmara Superior em razão do Recurso Especial fazendário, interposto contra a decisão da 1ª Câmara Julgadora que havia afastado que havia afastado a solidariedade por substituição tributária com base na Súmula 509 do STJ (AIIM 4.087.268-3).
A alegação da Fazenda foi de que a decisão da Câmara Julgadora se baseava em uma premissa equivocada, por considerar que, como está sendo cobrado o imposto por responsabilidade supletiva na qualidade de substituto por solidariedade do fornecedor inidôneo, a tese da boa-fé de que trata a Súmula supramencionada não seria aplicável ao caso concreto.
O relator, juiz Edison Aurélio Corazza, rejeitou essa alegação, afirmando que não havia premissa fática equivocada na decisão.
Ele destacou, inicialmente, que a Fazenda não trouxe julgados que abordam a impossibilidade da aplicação da tese da boa-fé aos casos de exigência de imposto por solidariedade, e sim decisões que tratam de nulidade por premissa equivocada.
Para ele, no direito processual, o conceito de premissa equivocada refere-se à adoção de um fato incorreto ou divergente da realidade, o que não era o caso. O que a Fazenda chamou de premissa equivocada era, na verdade, uma discordância com a conclusão jurídica do acórdão.
No que se refere à tese da boa-fé, a Fazenda argumentou que não deveria ser aplicada para caso diverso do crédito indevido.
O relator discordou fortemente dessa posição, destacando a Súmula 509 do STJ, que confere ao adquirente de boa-fé o direito de aproveitar créditos de ICMS decorrentes de notas fiscais posteriormente declaradas inidôneas, desde que a veracidade da compra e venda seja comprovada.
Para reforçar esse posicionamento, o relator ressaltou que jurisprudência do STJ é clara ao afirmar que a responsabilidade do adquirente de boa-fé é afastada quando este toma as devidas providências para verificar a regularidade fiscal do fornecedor e as notas fiscais aparentam ser regulares. No caso em questão, o relator verificou que havia provas suficientes de que o contribuinte agiu com diligência, incluindo a verificação da regularidade fiscal do fornecedor no momento da transação e a comprovação do pagamento das mercadorias.
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O relator enfatizou que a Súmula 509 não deve ser interpretada de forma literal ou restritiva, pois representa o entendimento consolidado dos tribunais sobre o tema. O princípio da não cumulatividade do ICMS e a proteção à boa-fé do contribuinte são valores fundamentais para garantir a segurança jurídica nas relações comerciais. Assim, a boa-fé do adquirente, conforme previsto na Súmula, deve ser reconhecida em todas as situações em que as operações foram realizadas de forma regular e o adquirente desconhecia a irregularidade do fornecedor, mesmo que a responsabilidade solidária esteja em questão.
Ao final, o relator concluiu que não havia nulidade na decisão recorrida e afastou a alegação de premissa equivocada e, portanto, não conheceu do recurso fazendário em relação a esse ponto, e negou provimento ao mérito por considerar que a tese da boa-fé “se aplica a todas as glosas que tenham por objeto operações com inidôneos, independentemente do polo da relação jurídica e da forma como o imposto é exigido” .
Esse entendimento também constou de outro voto, do juiz Juliano Di Pietro.
Merece atenção o voto do juiz Argos Campos Ribeiro Simões. Em relação à alegação de premissa falsa relacionada ao equívoco da decisão recorrida na utilização do tema boa-fé para fundamentar o afastamento da cobrança de ICMS-ST por responsabilidade supletiva, ele reconheceu que houve um equívoco da decisão da Câmara Julgadora, não por premissa falsa, e sim por erro interpretativo da legislação inerente ao caso.
No seu entendimento, a aplicação da boa-fé deve ser restrita a casos de creditamento indevido, sendo inadequado utilizá-la para afastar outras modalidades de responsabilidade tributária, pois há uma distinção necessária entre responsabilidade “solidária” e “supletiva”, o que afeta diretamente a invocação da boa-fé pelo contribuinte.
Para ele, a responsabilidade supletiva decorre exclusivamente do inadimplemento do substituto tributário, independentemente da regularidade das operações ou da boa-fé do contribuinte. Consequentemente, a boa-fé não deveria ter sido aplicada para exonerar o contribuinte de sua responsabilidade supletiva, pois isso se aplicaria apenas em casos de responsabilidade solidária.
Outro voto que merece destaque é o do juiz João Maluf Junior, uma vez que, embora tenha concordado com Argos quanto à incorreta aplicação da Súmula 509 do STJ, discordou em relação à afirmativa de que não seria caso de nulidade por premissa falsa.
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Segundo Maluf, a comprovação da regularidade das operações não altera a responsabilidade do contribuinte em relação ao ICMS-ST, e a decisão da instância anterior se baseou em uma premissa equivocada ao aplicar a boa-fé de forma inadequada. Com isso, ele votou pelo provimento do Recurso Especial da Fazenda e pela anulação parcial do julgamento, determinando o retorno dos autos para complemento do julgado.
Portanto, foram adotadas três interpretações a respeito da possibilidade ou não da tese da boa-fé ao caso concreto:
Primeira: correta a aplicação da tese da boa-fé para além do creditamento indevido, não havendo que se falar em erro de premissa ou equívocos na decisão recorrida;
Segunda: incorreta a aplicação da tese da boa-fé para além do creditamento indevido, não havendo que se falar em erro de premissa, e sim em erro de interpretação da decisão recorrida; e
Terceira: incorreta a aplicação da tese da boa-fé para além do creditamento indevido. Há erro de premissa e, portanto, deve ser reconhecida a nulidade da decisão recorrida e o retorno dos autos à Câmara Julgadora para nova decisão.
O resultado final foi de 7 votos a favor da primeira interpretação, 1 voto a favor da segunda, e 7 votos a favor da terceira.
Devido ao empate entre a primeira e a terceira interpretação, o juiz Argos Campos Ribeiro Simões exerceu seu voto de desempate e alterou sua posição anterior para acompanhar a terceira interpretação. Em outras palavras, o entendimento que prevaleceu no julgamento, portanto, foi o de que há um erro de premissa ao aplicar a tese da boa-fé em situações que não envolvem creditamento indevido.
Portanto, com o julgamento tão acirrado, a expectativa é de que esse cenário possa mudar no futuro. Um único voto a favor da aplicação da Súmula 509 para além das hipóteses de creditamento indevido, por exemplo, pode reverter a jurisprudência e torná-la favorável ao contribuinte.
Autores:
Danilo Bertagnoli – Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF FGV-SP. Pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Tributação, Cidadania e Desenvolvimento – UNESP. Especialista em Direito Tributário – FGV-SP. MBA em Gestão Tributária – FIPECAFI. Graduado em Direito – Mackenzie. Membro da Comissão de Direito Tributário e Constitucional da OAB de Pinheiros (São Paulo/SP). Advogado tributarista.
Thiago Marini – Pesquisador do Projeto Repertório Analítico de Jurisprudência do TIT – NEF FGV-SP. Pesquisador do Instituto de Aplicação do Tributo – IAT. Membro Efetivo da Comissão Especial de Direito Tributário da OAB/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT. Graduado em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Graduando em Ciências Contábeis pela FIPECAFI. Advogado tributarista.
Coordenação:
Eurico Marcos Diniz de Santi
Eduardo Perez Salusse
Kalinka Bravo
Lina Santin
[1] Título: “Da revisitação das provas no recurso especial”. Autores: Rafael Pinheiro Lucas Ristow e Thiago Marini. Publicado em 20/05/2021.
[2] Título: “Acórdãos da Câmara Superior do Tribunal e Impostos e Taxas que trataram da nulidade da decisão recorrida: pesquisa acerca da existência de associação entre a origem dos recursos e os resultados dos julgamentos”. Autores: Eurico Marcos Diniz de Santi, Eduardo Perez Salusse, Kalinka Conchita Ferreira da Silva Bravo. Pedro Motta Saraiva. Gabriela Avolio Sayão. Guilherme Felipe Guarinão. Thiago Matheus Beja Fontura da Silva.
[3] Título: “O desvio de finalidade dos recursos especiais interpostos sob o fundamento de “premissa falsa” para obter o reconhecimento da nulidade das decisões das Câmaras Julgadoras. Qual o limite de atuação da Câmara Superior do TIT-SP”. Autores: Bruno Romano, Gabriela Conca e Rodrigo Helfstein; Título: “As nulidades de decisões tributárias por premissa falsa”. Autor: José Roberto Rosa.
[4] Título: “A falácia da nulidade por premissa falsa no contencioso administrativo do Estado de São Paulo”. Autor: Edison Aurélio Corazza.