Três reflexões sobre o novo Decreto 12.002/24

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O cenário dos atos normativos em âmbito federal é uma verdadeira torre de babel. Dentre decretos, resoluções, portarias, atos, despachos e tantos outros, com vários nomes, há uma confusão generalizada de quais seriam as diferenças práticas entre eles.

Essa convivência caótica gera problemas diversos, como já tem sido identificado pelo movimento em prol das boas práticas regulatórias. Sobreposição, contradição, ausência de gestão. A lista não é curta nem simples de ser resolvida. E a situação se agrava se considerarmos o custo da carga e da ineficiência regulatória para o país.

A medida mais recente para endereçar a questão é o Decreto 12.002/2024. O decreto estabelece “normas para elaboração, redação, alteração e consolidação de atos normativos”. Tem por objeto tanto atos de competência do Presidente da República – como decretos e medidas provisórias – quanto atos de “autoridades hierarquicamente inferiores”. Alcança, portanto, a edição de atos normativos pelos ministérios e órgãos componentes da administração direta.

Seu conteúdo se assemelha ao Decreto 9.191/2017, que era restrito às propostas de atos normativos de competência do presidente encaminhados pelos ministros de Estado. Ambos trazem um roteiro de regras, que vão desde a organização da estrutura das normas (art. 4º, por exemplo), regras de redação (arts. 11 e 12), até a regulação de regras específicas. Três pontos merecem destaque.

O primeiro diz respeito à consulta pública do ato normativo, que seria parte do processo administrativo de sua elaboração. São estabelecidas regras para realização da consulta e rito para sua realização. Pela redação do art. 27, a consulta parece mais uma faculdade, a mercê da discricionariedade da autoridade competente para edição do ato, do que uma obrigação. Fica expresso que a análise das manifestações é mera faculdade (art. 31) e o resultado da consulta pública não vincula o ente público (art. 32). Basicamente é dizer: se quiser fazer pode, se não quiser pode também.

O decreto parece não ter considerado a importância da consulta pública, como instrumento de reforço à legitimidade da edição dos atos normativos – em contramão ao que é preconizado pelas boas práticas regulatórias.

O segundo é quanto à criação ou alteração de colegiados por ato normativo inferior a decreto, ressalvados os de assessoramento direto do Presidente da Repúblicas e aqueles criados por lei. O decreto estabelece as finalidades possíveis para o colegiado (art. 35), regras formais para validade do ato, instrução específica do processo administrativo (art. 36 e 37) e conteúdo mínimo (art. 38). Foi igualmente considerado o caso de o colegiado envolver mais de um órgão, do mesmo ou de outros poderes (art. 39 e 40). Em qualquer caso de criação ou alteração, a Casa Civil deve anuir previamente (art. 42).

Algumas opções do decreto merecem atenção. A possibilidade de criação, via decreto, de órgãos colegiados com a participação de integrantes de outros poderes é passível de questionamentos à luz da separação de Poderes. A escolha de centralizar a decisão, independente da origem, também não necessariamente é benéfica à celeridade ou à tecnicidade da análise. Diferente de outros pontos, em que o decreto foi detalhista, não há exigência de motivação atrelada à anuência, independente de esta ser positiva ou negativa.

Por último, o decreto traz um anexo que já existia no Decreto 9.191/2017. O anexo contém uma listagem de questões que, em princípio, devem ser avaliadas de maneira prévia à elaboração do ato normativo. Isso inclui diagnóstico, alternativas, competência, dentre outros.

O Decreto 9.191/17 exigia o cumprimento obrigatória desse checklist, prevendo redação mais enfática quanto ao ponto (art. 13). O novo Decreto  12.002/2024, entretanto, adotou redação mais aberta e com comando menos claro para esse ponto, indicando que se trata de “guia” de auxílio à análise (art. 3º §§1º e 2º). A opção desobriga que haja um preenchimento formal das questões propostas para análise, o que pode terminar por desincentivar o seu uso na prática.

A reprodução do anexo também ignora um esforço dos últimos anos: a implementação e consolidação da análise de impacto regulatório (AIR). Ao fazer incidir tais questões para atos de autoridades hierarquicamente inferiores ao Presidente da República, há uma sobreposição com a própria AIR. Vale lembrar que AIR não é só para agência reguladora. Por exigência legal[1], AIR é para todas as entidades públicas, da administração direta e indireta, incluindo os ministérios.

Embora a intenção do Decreto 12.002/2024 seja positiva, ele aparentemente traz mais dúvidas do que resolve os problemas existentes no processo de elaboração normativa do Poder Executivo Federal. No lugar de pensar em criar meta-normas, talvez o necessário, na atual conjuntura, passe por avaliar o cumprimento das boas práticas regulatórias na administração direta em especial.

[1] Art. 5º, da Lei nº 13.874/2019: As propostas de edição e de alteração de atos normativos de interesse geral de agentes econômicos ou de usuários dos serviços prestados, editadas por órgão ou entidade da administração pública federal, incluídas as autarquias e as fundações públicas, serão precedidas da realização de análise de impacto regulatório, que conterá informações e dados sobre os possíveis efeitos do ato normativo para verificar a razoabilidade do seu impacto econômico.

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