Tributação da venda de ações na tranche secundária de IPO e Follow-On

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Ofertas públicas de distribuição de ações são um divisor de águas na vida de uma empresa. Captar recursos no mercado de capitais, abrir as portas a novos acionistas e sujeitar operações ao escrutínio da CVM são algumas das relevantes mudanças aplicáveis quando uma sociedade de capital fechado passa a ser listada em bolsa.

Essas ofertas públicas podem ser ofertas iniciais – chamadas de IPO, sigla de Initial Public Offer – em que a oferta é o evento a partir do qual a empresa terá parte de suas ações negociadas em bolsa de valores, assim como também podem ser subsequentes – chamadas de Follow-On – em que uma empresa já listada recorre ao mercado de capitais para uma nova rodada de distribuição de ações. A principal diferença é que enquanto o IPO é o evento de estreia de uma sociedade na bolsa de valores, o Follow-On é uma oferta realizada por uma empresa já listada.

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Ambas as modalidades têm funcionamento similar. Bancos de investimento são mandatados e elaboram materiais para apresentar a oferta a investidores. A demanda pelas ações ofertadas e a faixa de preço desejada pelos ofertantes definirão o preço por ação.

As ofertas podem ter tranches primárias, secundárias ou ambas combinadas. Na primária, os recursos dos investidores vão para o caixa da companhia a título de aumento de capital. Na secundária, os acionistas vendem suas ações sem que novos papéis sejam emitidos, recebendo recursos dos investidores.

As ofertas de distribuição pública de ações ocorrem em mercado de balcão, onde bancos contratados, que detêm as aprovações regulatórias necessárias, intermediam a distribuição das ações fora de ambiente de bolsa, conectando investidores a ofertantes. A liquidação da oferta – troca de ações por dinheiro – acontece na B3 S.A. – Brasil, Bolsa Balcão.

Ou seja: a entidade em que ocorre a liquidação é a B3, que, como indica o próprio nome, abrange tanto bolsa de valores, como mercado de balcão. A tradição do bem, que, nos termos dos arts. 492[1] e 502[2] do Código Civil, perfectibiliza a compra e venda, ocorre na B3, onde o comprador recebe as ações e o vendedor recebe os recursos.

Como se não bastassem as diversas obrigações regulatórias a serem cumpridas por uma companhia recém listada e por seus acionistas, esses acionistas deverão, também, ter uma preocupação de ordem tributária. Afinal, seria incomum, em um país como o Brasil, que a tributação ficasse de fora da lista de problemas.

A Fazenda Nacional entende que, na tranche secundária das ofertas, a venda de ações realizada por acionistas não está sujeita ao regime de tributação de imposto sobre a renda de que trata o art. 2º da Lei 11.033/2004, o qual se destina a “ganhos líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros, e assemelhadas” e tem como principal característica a alíquota fixa de 15%. Em sua visão, os acionistas deverão sujeitar a renda obtida ao regime de ganho de capital – no caso de pessoas físicas, com alíquotas progressivas de 15 a 22,5%.

O legislador, ao instituir o regime de tributação de ganhos líquidos na Lei 11.033/2004, delimitou que esse regime seria aplicável tanto às operações ocorridas em bolsa de valores, quanto às operações assemelhadas – e esse é o termo que dá ensejo à controvérsia. O que significa uma operação assemelhada à bolsa de valores?

A resposta a essa pergunta é de extrema relevância. Se a venda de ações em IPO e Follow-On é assemelhada à bolsa de valores, as pessoas físicas aplicarão alíquota fixa de 15% e poderão compensar perdas com operações similares. Se a resposta for negativa, deverão aplicar alíquotas progressivas de 15 a 22,5% sem compensação de perdas.

O termo “assemelhadas”, isoladamente verificado, é genérico, pois é amplo e se aplica a diversos casos sem explicação quanto ao elemento relevante para sua constatação[3]. Por exemplo, é possível dizer que lutar jiu-jitsu é uma atividade assemelhada a jogar xadrez, pois ambos envolvem o emprego de uma estratégia e de esforço mental para vencer um adversário. Contudo, se o critério para qualificar uma atividade como assemelhada a outra for número de calorias consumidas em uma prática, a semelhança entre jiu-jitsu e xadrez cai por terra.

Comparar a venda de ações em bolsa de valores à venda de ações em IPO ou Follow-On pode chegar a resultados distintos. Do ponto de vista de (a) formação de preço com base em oferta e demanda, (b) desconhecimento entre as pessoas do comprador e vendedor ou (c) fiscalização da CVM, as operações são assemelhadas. Do ponto de vista de publicização da transação após sua concretização, as operações não são assemelhadas. A genericidade do termo permite que se chegue a conclusões distintas.

No entanto – e este é o ponto-chave da questão –, a regulação da matéria não se esgota com o emprego do termo “assemelhadas” na Lei 11.033/2004. Dois outros dispositivos normativos devem ser considerados para fins de se definir se ganhos com venda de ações em IPO ou Follow-On sujeitam-se ao regime de ganhos líquidos ou ao do ganho de capital.

Em primeiro lugar, o Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/18), exercendo a função regulamentar que lhe é assegurada pelo art. 84, IV, da CF, estabeleceu o que seriam operações assemelhadas para fins de aplicação do regime de ganhos líquidos. Nos termos do art. 839, § 2º, “são consideradas como assemelhadas às bolsas de que trata este artigo as entidades cujo objeto social seja análogo ao das referidas bolsas e que funcionem sob a supervisão e fiscalização da CVM”.

Se “assemelhadas” é um termo isoladamente genérico, o RIR/18 eliminou a genericidade. Fixou, de forma clara e direta, quais critérios deverão ser levados em conta para definir quais operações serão consideradas assemelhadas às bolsas para fins de aplicação do regime de tributação de ganhos líquidos.

Ao fazê-lo, o RIR/18 elege elementos pertinentes à verificação de semelhança – fiscalização da CVM e objeto social – e exclui todos os outros. Precificação das ações, publicização das transações, transparência da negociação são, por certo, elementos relevantes, mas que foram excluídos pelo ordenamento jurídico para realização do exame de semelhança. Os dois critérios previstos no art. 839, § 2º, do RIR/18, excluem todos os demais e são de natureza espacial, que se ligam ao locus em que realizada a operação.

Aplicando-se os critérios eleitos pelo RIR/18 ao caso das ofertas públicas de distribuição de ações, tem-se a inequívoca conclusão de que o regime de tributação aplicável é o dos ganhos líquidos. Isso porque a compra e venda de ações realizada entre acionistas vendedores e investidores compradores – onde as ações são entregues em contrapartida ao recebimento do dinheiro – ocorre na B3. O locus da concretização da operação é a B3. Essa é uma entidade que não só tem objeto social análogo ao das bolsas, como é a mesma entidade da bolsa e, também, sujeita-se à fiscalização e à supervisão da CVM.

Por isso, independentemente de outras diferenças e semelhanças que se possa pontuar, os critérios previstos no RIR/18 apontam para uma única direção: ganhos auferidos em ofertas públicas de distribuição de ações devem ser tributados pelo regime dos ganhos líquidos, e não pelo regime do ganho de capital.

Em segundo lugar, a Lei 9.430/1996, em seu art. 71, estabelece que ganhos auferidos em algumas operações realizadas fora de bolsa “serão tributados de acordo com as normas aplicáveis aos ganhos líquidos”. O título acima deste artigo, negritado, fala de “Ganhos em Mercado de Balcão” – exatamente o mercado onde se negociam as ofertas públicas de distribuição de ações.

Em manifestações a respeito do tema, a Fazenda Nacional vem fundamentando seu argumento em prol da aplicação do regime de ganho de capital em elementos alheios àqueles previstos pelo art. 839, § 2º, do RIR/18. Talvez por discordar da opção do RIR/18, o fisco enaltece outras características como registro de operações previamente realizadas, publicização das transações, transparência dos mercados etc.

Há uma tentativa de se decidir a questão conforme o que o fisco entende mais adequado, e não conforme o que dispõe o ordenamento jurídico. É com base nos critérios do art. 839, § 2º, que a matéria deve ser discutida – gostem deles seus destinatários ou não.

É desejável que se debata, no âmbito de política legislativa, a adequação de critérios do ordenamento jurídico para a definição de regimes de tributação. Todavia, enquanto eles estiverem vigentes, sua observância é mandatória. Se o mero desagrado com os critérios do ordenamento jurídico for razão suficiente para ignorá-los, estarão rompidas as barreiras do Estado Democrático de Direito para chegar no arbítrio.

A matéria acaba tomada por uma confusão entre a vontade e a realidade. Pode-se discutir, em âmbito acadêmico, qual seria o sistema ideal. Contudo, tais discussões não devem levar ao equívoco de aplicar o sistema atual como se fosse o ideal. Afinal, como relembra o professor Pedro Adamy, nós temos o sistema que temos, e não o que gostaríamos de ter.

[1] Código Civil. Art. 492. Até o momento da tradição, os riscos da coisa correm por conta do vendedor, e os do preço por conta do comprador.

[2] Código Civil. Art. 502. O vendedor, salvo convenção em contrário, responde por todos os débitos que gravem a coisa até o momento da tradição.

[3] ÁVILA, Humberto. Teoria da indeterminação no Direito: entre a indeterminação aparente e a determinação latente. 2ª ed. São Paulo: Juspodivm, 2023, p. 49.

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