No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Tributação dos juros e da variação cambial na alienação a prazo por pessoa física

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No começo deste ano, a Receita Federal analisou, por meio da Solução de Consulta Cosit 2 de 2024, um questionamento sobre a correta forma de tributação da variação cambial positiva nas alienações ocorridas a prazo. Isto é, se devem ser tributadas como parte do preço, pela sistemática do ganho de capital, ou em separado, como parcela referente à variação cambial.

Caso o entendimento seja que a variação cambial não compõe o valor da alienação, a tributação deverá ocorrer via Recolhimento Mensal Obrigatório (carnê-leão), com alíquotas progressivas de 0% a 27,5% sobre a variação positiva, quando o alienante for pessoa física, conforme tabela progressiva prevista no artigo 677 do Regulamento de Imposto de Renda de 2018. No caso de alienante não residente fiscal no Brasil, sendo o reajuste não considerado como parte do preço da alienação, a tributação será na alíquota única de 15%, com retenção na fonte, nos termos dos artigos 760 e 761 do RIR/2018.

Por outro lado, caso o entendimento seja que o reajuste a título de variação cambial faz parte do preço, o contribuinte deve se submeter à tributação pela sistemática do ganho de capital, com alíquotas progressivas, variando de 15% a 22,5%, conforme artigo 21 da Lei 8.981 de 1995. Sendo o contribuinte não residente no Brasil, os ganhos de capital continuarão a ser tributados pelas alíquotas mencionadas, conforme artigo 26 da Lei 10.8331 de 2003, sendo o adquirente responsável pela retenção na fonte do imposto, ou o procurador do alienante, quando o adquirente não for domiciliado no Brasil.

No caso da SC Cosit 2/2024, o contribuinte alienou participação societária de empresa britânica, tendo se tornado não residente no Brasil no momento do recebimento de algumas das parcelas. Assim, indagou se deveria tributá-las como parte do preço, pela sistemática do ganho de capital, ou como rendimentos autônomos.

Na oportunidade, a Receita Federal ratificou o entendimento já proferido em outras duas Soluções de Consulta DISIT (Solução de Consulta (SC) SRRF/8ªRF/DISIT nº 200, de 7 de julho de 2004 e Solução de Consulta DISIT 364, de 9 de outubro de 2008), de que a tributação deve ser feita individualmente como rendimento do capital a título de juros.

Tal raciocínio está em linha com a Instrução Normativa 84/2001, especialmente em seu artigo 19, parágrafo 3º, dispondo que “os valores recebidos a título de reajuste, no caso de pagamento parcelado, qualquer que seja sua designação, a exemplo de juros e reajuste de parcelas, não compõem o valor de alienação”. Assim, como no caso concreto o alienante era não residente no momento do recebimento dos valores, a tributação da variação cambial ocorreu a uma alíquota fixa de 15%.

De todo modo, independentemente da solução conferida pela RFB no caso concreto, o objetivo deste artigo é fazer considerações a respeito da correta tributação da variação cambial nessa situação: se como parte do preço ou um rendimento separado.

O artigo 65 do RIR/18, dispõe que “nas alienações a prazo, o ganho de capital deverá ser apurado como venda à vista e tributado na proporção das parcelas recebidas”. Nesse sentido, em caso de preço fixado em moeda estrangeira, a variação cambial da moeda poderia ser interpretada como uma variação do preço firmado no momento do negócio jurídico (tendo impacto no ganho de capital, apurado como se a venda tivesse sido feita à vista).

Tanto é assim, que o Código Civil2 permite as partes fixar o preço de determinado negócio jurídico de acordo com alguns índices ou parâmetros. A ideia é que o preço pode ser conhecido no momento da fixação do negócio jurídico, ou passível de ser conhecido posteriormente, desde que mediante critérios conhecidos e acordados pelos contratos.

O preço, em regra, não pode ser fixado em moeda estrangeira (art. 318 do Código Civil3). No entanto, o Decreto lei 857/1969 (atual artigo 13 da Lei 14.286/20214), dispõe de exceções a essa regra, entre elas, a hipótese de “obrigações cujo credor ou devedor seja não residente”. Nesses casos o art. 487 consagra a licitude dos contratos de compra e venda cujo preço é fixado em função de índices ou parâmetros suscetíveis de objetiva determinação, caso do dólar5.

O entendimento de que a variação cambial positiva faz parte do preço é seguido por acórdãos proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). No acórdão 9202-01881, proferido no dia 29 de novembro de 2011 e de relatoria do conselheiro Gustavo Lian Haddad, o Carf entendeu que a tributação deve ocorrer pela sistemática do ganho de capital, visto que: (i) a variação cambial é parte do preço de venda, e não de rendimento do capital (juros), devendo a legislação tributária tratá-la como tal e (ii) a fixação do preço em dólar não se trata de cláusula de reajuste de preço, mas de critério de fixação do próprio preço. Esse entendimento é ratificado por outras decisões mais recentes do Conselho6.

Por fim, embora não tenha sido mencionada na SC Cosit 2/2024, é possível argumentar que a Lei 9.718/1998 tem disposição específica em seu artigo 9º, entendendo que a variação monetária em função de taxa de câmbio deve ser considerada como receita financeira7.

Apesar de o referido diploma legal tratar genericamente “Do Imposto Sobre a Renda”, o dispositivo da Lei 9.718/1998 aborda a tributação corporativa e não a tributação das pessoas físicas. O mencionado artigo 9º cita diversos outros tributos típicos das pessoas jurídicas (e não das pessoas físicas), como as contribuições ao PIS e à Cofins e a contribuição social sobre o lucro líquido.

Para fins contábeis as pessoas jurídicas, que, em regra, apuram sua contabilidade via regime de competência, nas hipóteses de alienação a prazo, é necessário que realizem a mensuração contábil a valor presente (AVP).

Isso significa basicamente que, no momento do reconhecimento inicial, a contabilidade deverá aplicar uma taxa de desconto para garantir que os ativos e passivos sejam reconhecidos pelo seu valor atual. Com o AVP, a Contabilidade Societária passa a tratar de forma diferente as transações a prazo e à vista. A ideia é que os juros e a variação cambial embutidos nas transações venham a ser reconhecidos ao longo do tempo e tenham tratamento contábil de resultado financeiro8.

Ou seja, caso determinada transação a prazo seja realizada, mediante correção por um índice qualquer, ele não será considerado parte do preço, tal racional seria aplicável aos ganhos com juros e com variação cambial.

No entanto, esse raciocínio não é aplicável às pessoas físicas que são tributadas pelo chamado regime de caixa. Nesse regime, as receitas são consideradas quando há saída de caixa, independentemente do momento em que foram realizadas9.

Ou seja, quando a pessoa física firma a alienação de um bem em parcelas por um preço determinável, a receita de sua alienação só será definida no momento do recebimento dos valores, em observância ao regime de caixa, variando conforme a variação cambial da data do recebimento. Apesar da efetiva variação, o valor recebido ainda deverá ser considerado como preço, impactando no eventual ganho de capital recolhido na alienação.

Assim, diante de todo o exposto, apesar das reiteradas manifestações da Receita Federal em sentido contrário, entendemos que a variação cambial e os juros devem ser reconhecidos como parte do preço, em alienação parcelada feita por pessoa física, visto que tais alienações a prazo são feitas por um preço determinável, conforme o conceito do direito privado, em linha com a jurisprudência do Carf, com o RIR/18 e com as melhores práticas jurídicas e contábeis.

1 Art. 26. O adquirente, pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no Brasil, ou o procurador, quando o adquirente for residente ou domiciliado no exterior, fica responsável pela retenção e recolhimento do imposto de renda incidente sobre o ganho de capital a que se refere o art. 18 da Lei 9.249, de 26 de dezembro de 1995, auferido por pessoa física ou jurídica residente ou domiciliada no exterior que alienar bens localizados no Brasil. (Produção de efeito)

2 Art. 487. É lícito às partes fixar o preço em função de índices ou parâmetros, desde que suscetíveis de objetiva determinação.

3 Art. 318. São nulas as convenções de pagamento em ouro ou em moeda estrangeira, bem como para compensar a diferença entre o valor desta e o da moeda nacional, excetuados os casos previstos na legislação especial.

4 Art. 13. A estipulação de pagamento em moeda estrangeira de obrigações exequíveis no território nacional é admitida nas seguintes situações:

I – nos contratos e nos títulos referentes ao comércio exterior de bens e serviços, ao seu financiamento e às suas garantias;

II – nas obrigações cujo credor ou devedor seja não residente, incluídas as decorrentes de operações de crédito ou de arrendamento mercantil, exceto nos contratos de locação de imóveis situados no território nacional;

5 TARTUCE, Flávio. Direito Civil: teoria geral dos contratos e contratos em espécie – v. 3 / Flávio Tartuce. – 14. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

6 Acórdãos nº 2402¬005.279 de 11 de maio de 2016; 2201-002.264 de 15 de outubro de 2013; 2401-010.963 de 04 de abril de 2023.

7 Art. 9° As variações monetárias dos direitos de crédito e das obrigações do contribuinte, em função da taxa de câmbio ou de índices ou coeficientes aplicáveis por disposição legal ou contratual serão consideradas, para efeitos da legislação do imposto de renda, da contribuição social sobre o lucro líquido, da contribuição PIS/PASEP e da COFINS, como receitas ou despesas financeiras, conforme o caso

8 Fundação Instituto de Pesquisas Contábeis, Atuariais e Financeiras (Fipecafi). Manual de Contabilidade. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2018.

9 IUDICIBUS, Sérgio de. Contabilidade e análise de demonstrações financeiras. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2020.

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