No mundo atual, a percepção das dificuldades não pode mais se dissociar do remanejamento dos quadros funcionais.
Pensando mais a longo prazo, a percepção das dificuldades possibilita uma melhor visão global dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

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Assim mesmo, a complexidade dos estudos efetuados ainda não demonstrou convincentemente que vai participar na mudança dos métodos utilizados na avaliação de resultados.

Trump e as estratégias para contornar a obstrução no Senado

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No Brasil, a CF, art. 84, inciso I, prevê que compete privativamente ao presidente da República nomear e exonerar os ministros de Estado, sem qualquer tipo de interferência do Poder Legislativo no processo de escolha – a competência senatorial para a aprovação prévia de autoridades (art. 52, incisos III e IV) não alcança os ministros de Estado.

Diferentemente, a Constituição dos Estados Unidos restringe as nomeações do presidente, dando ao Senado o poder de confirmar, ou não, seus indicados. Trata-se da chamada advice and consent clause (cláusula de aconselhamento e consentimento) prevista no Artigo II, Seção 2, Cláusula 2, da Constituição americana.

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Daí, instaura-se o já conhecido confirmation process: primeiro, o presidente indica um indivíduo para o cargo; segundo, o Senado confirma ou não essa pessoa para o cargo; e terceiro, o presidente nomeia o oficial para o cargo. Ao todo, são mais de mil posições no primeiro escalão do governo federal americano que exigem a confirmação do Senado.

Sobre essa dinâmica, afastam-se os perigos relacionados à confiança desse poder a um homem só, notadamente o de que a designação consideraria seu exclusivo juízo particular. Nesse sentido, é conhecida a afirmação de Hamilton no texto nº 76 de O Federalista no sentido de que essa divisão de autoridade é a via para promover o bom governo, e fornece um excelente meio de controle sobre um espírito de favoritismo ou de popularidade do presidente, e tenderia a impedir a nomeação de personagens inadequados, sem mais merecimento do que relações de parentesco, e sem outro título do que a sua complacência em servir às paixões e aos prazeres de seu superior.

Como em 1787 os pais fundadores tinham que se deslocar a cavalo, em viagens mais lentas que impossibilitavam o funcionamento permanente do Congresso, a própria Constituição trouxe a recess appointments clause (cláusula de nomeações de recesso).

De acordo com Artigo II, Seção 2, Cláusula 3, durante o recesso do Senado, o presidente poderá preencher as vagas temporariamente, sem o processo de aprovação ou verificação no Senado. Naturalmente, esse poder somente existe nos intervalos das sessões legislativas e tais nomeações temporárias expiram ao final da sessão legislativa seguinte (ou seja, duram no máximo dois anos).

É bem verdade que a redação dessa cláusula não é das mais felizes: “O presidente terá o poder de preencher todas as vagas que possam acontecer durante o recesso do Senado, concedendo comissões que expirarão no final de sua próxima sessão.” (No original: “The President shall have Power to fill up all Vacancies that may happen during the Recess of the Senate, by granting Commissions which shall expire at the End of their next Session”).

Mas novamente Hamilton, no texto federalista nº 67, cuida de esclarecer que não se trata de dar ao presidente o direito de indicar nomes para os assentos vagos no Senado como uma leitura apressada poderia sugerir. Tal cláusula 3 guarda íntima relação com a cláusula 2, complementando-a, de modo que a previsão tem o propósito de estabelecer um método auxiliar de nomeação, nos casos em que o método geral de advice and consent não pode ser adotado.

Dessa forma, a previsão constitucional concede ao presidente a competência para fazer nomeações temporárias, com vistas a garantir o funcionamento contínuo do governo federal quando o Senado estiver ausente.

É fácil perceber que, com o passar do tempo, a cláusula de nomeações de recesso se tornou anacrônica com o avanço da tecnologia de comunicação e transporte; perdeu-se a razão de ser dessas designações temporárias, que, por razões óbvias, desequilibram o sistema de checks and balances: há de um claro by-pass do Senado. Presidentes como Bill Clinton e George W. Bush frequentemente usaram esse poder, com 139 e 171 indicações de recesso.

A utilização dessa brecha estratégica estava relacionada a duas questões importantes quanto à interpretação dessa cláusula: a primeira, o significado da expressão recesso do Senado, dado que a Casa pode fazer pausas também durante a sessão legislativa (algo equivalente ao recesso branco brasileiro); e a segunda, o alcance das vagas que possam acontecer: se são só as surgidas durante o recesso ou se também as eventualmente já existentes antes dele.

Nessa linha, Barak Obama chegou a fazer 32 indicações de recesso, até que a Suprema Corte dos Estados Unidos julgou o caso National Labor Relations Board v. Noel Canning (de 2014) e fixou que a cláusula de nomeações de recesso se aplicava amplamente: tanto aos recessos entre sessões, quanto dentro das sessões legislativas; e que as vagas poderiam ser tanto as que surgem durante o recesso, quanto aquelas que ocorreram antes, mas persistirem existindo durante o recesso.

Entretanto, nesse julgamento, entendeu-se que não poderia ser um recesso de qualquer tempo, mas sim um recesso de duração substancial: uma pausa de 3 dias (como a realizada no caso concreto julgado) não apresentava uma interrupção significativa a justificar o exercício da cláusula. Assim, a Corte considerou inválidas três nomeações feitas durante um recesso de três dias.

Daí, considerando que historicamente vinham sendo raras as nomeações de recesso feitas durante um recesso inferior a 10 dias, a Suprema Corte considerou que esses 10 dias seriam o prazo mínimo de recesso para presumir o uso adequado da cláusula. Ou seja, o recesso precisa durar pelo menos 10 dias, prazo fruto de pura criação judicial sem base textual. Um detalhe: exige-se a concordância da House of Representatives para um recesso superior a 3 dias, conforme a Artigo I, Seção 5, Cláusula 4, da Constituição americana.

Esse ponto merece um breve parêntese. Embora esse prazo de 10 dias não conte com previsão na Constituição de 1787, tampouco foi totalmente inventado pela interpretação judicial, tendo surgido da consideração das práticas históricas: concedeu-se um peso significativo ao costume de longa data pelos diversos governos desde o início da República.

No ponto, o que a Suprema Corte registrou foi o dever de o tribunal “hesitar em perturbar as promessas e os acordos de trabalho que os próprios ramos eleitos do governo alcançaram”. O raciocínio é perfeito; e poderia ser utilizado em diversas outras situações de conflitos entre os poderes.

Voltando à decisão, ao mesmo tempo, o tribunal entendeu que o Senado tem poderes para conduzir seus trabalhos, incluindo a possibilidade de marcar sessões pro forma, precisamente com o objetivo de frustrar o uso da cláusula de nomeações de recesso. Assim, a Corte se recusou a entrar no mérito sobre se durante as sessões pro forma os trabalhos legislativos estão ou não de fato sendo conduzidos. Aqui, não se tratou de abdicar de uma abordagem mais realista do assunto, mas sim de não ingressar no cerne de questões interna corporis do Legislativo.

Desde esse julgamento, as nomeações de recesso diminuíram drasticamente, pois a prática do Senado americano passou a ser, precisamente, a de marcar sessões pro forma para quebrar longos recessos e, com isso, evitar o uso da cláusula. Esse é o contexto da apreensão de Trump.

Nas mesmas eleições em que Trump se sagrou eleito para ser o 47º presidente, seu partido (republicano) ganhou 53 assentos (de 100), obtendo a maioria no Senado. Ainda assim, para nomear Matt Gaetz no cargo de Attorney General, o presidente eleito chegou a cogitar se socorrer à cláusula da nomeação de recesso, o que prontamente foi apontado como inconstitucional. O receio estava relacionado à figura do indicado, que contava com uma oposição generalizada contra seu nome, constatada horas após a indicação. Assim, seja qual fosse o meio, haveria dificuldades para sua confirmação.

Um outro caminho cogitado foi suscitar um poder do presidente de “adiar” (ou suspender) as legislaturas, como previsto no Artigo II, Seção 3, pelo qual o presidente “pode, em ocasiões extraordinárias, convocar ambas as Casas, ou qualquer uma delas, e em caso de desacordo entre elas, com relação ao tempo de adiamento, ele pode adiá-las para o momento que julgar apropriado.” Assim, se as Casas não concordarem entre si, a Constituição dá ao presidente o poder de adiamento. Esse poder jamais exercido. A mera cogitação de que Trump pudesse usar essa via causou alvoroço e indica que estratégias para bypassar o Legislativo poderão ser usadas.

Por causa de todas as críticas, Matt Gaetz renunciou à indicação, e Trump acabou anunciado outro nome em substituição, o de Pam Bondi, ex-Attorney General da Flórida.

Todo esse movimento guarda relação direta com o julgamento do caso National Labor Relations Board v. Noel Canning, quando ficou assentado que o propósito da previsão constitucional é o de preservar o equilíbrio de poder entre o presidente e o Senado em relação às nomeações. Dessa forma, o presidente tem o poder para fazer nomeações durante um recesso, mas essa previsão não oferece ao presidente a autoridade para evitar rotineiramente a necessidade de confirmação do Senado.

Visto tudo isso, vê-se como faz falta, no Brasil, uma previsão semelhante que confira ao Legislativo poderes para controlar as indicações do Executivo. Esse controle tem sido exclusivamente jurisdicional, tendo ocorrido, por exemplo, no MS 34.070-MC (caso Lula), no MS 34609-MC (caso Moreira Franco), Rcl 29.508 (caso Cristiane Brasil; aqui, a decisão considerou plausível a usurpação de competência do STF por parte do STJ na SL 2.340, que tinha suspendido os efeitos de tutela antecipada concedida ação popular 001786-77.2018.4.02.5102 em trâmite na 14ª Vara Cível da Seção Judiciária do Rio de Janeiro e mantida pelo TRF2), e MS 37.097-MC (caso Ramagem; aqui, a nomeação não foi para o cargo de ministro de Estado, e sim para o de o cargo de diretor-geral da Polícia Federal, mas também importante politicamente).

Em todos esses casos, nomeações políticas a cargo do presidente da República foram controladas exclusivamente pelo STF, e não pelo Legislativo, dado que, como indicado, a CF atribuiu somente ao presidente a nomeação e exoneração de ministros de Estado.

Ocorre que, mesmo nos casos em que foi previsto um controle parlamentar das indicações, esse tem sido enfraquecido pela jurisprudência do STF (como visto aqui), esvaziando até mesmo situações com base no art. 52, inciso III, alínea f, da CF, que prevê uma autorização genérica no sentido de que a lei pode prever a submissão, ao Legislativo, de outros cargos, além daqueles já previstos na CF. O fundamento é o de que esse controle violaria a separação de poderes. Entretanto, vista a dinâmica nos EUA, vê-se que esse argumento não encontra qualquer base de sustentação, seja na CF brasileira, seja no direito comparado.

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