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Durante o período eleitoral, é comum e esperado que os candidatos se manifestem, mostrando suas propostas políticas para conquistar os eleitores. Essas manifestações ocorrem nos mais diversos meios (presencialmente, na rádio, na televisão e na internet), todos eles regulamentados pela legislação eleitoral.
No entanto, os candidatos não podem se expressar de forma ilimitada, violando outros direitos. Nesse sentido, um dos principais objetivos da Justiça Eleitoral é preservar a igualdade dos candidatos, evitando a configuração de abuso de poder por parte deles, incluindo a vedação de produção e compartilhamento de conteúdo desinformativo.
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O abuso de poder pode se manifestar de diversas formas. A presente análise destaca dois tipos de abuso de poder comuns no contexto eleitoral: abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social. O abuso de poder econômico é definido como:
[…] utilização excessiva, antes ou durante a campanha eleitoral, de recursos materiais ou humanos que representem valor econômico, buscando beneficiar candidato, partido ou coligação, afetando assim a normalidade e a legitimidade das eleições (grifos nossos).
Ocorre quando uma das partes, que possui recursos econômicos significativos, produz, distribui ou compra algo (produto ou serviço) que seja relacionado à eleição. Uma das formas de fazer isso é, por exemplo, utilizando robôs, contas falsas ou remunerando financeiramente grupos e indivíduos para criar e compartilhar notícias inverídicas.
Sobre o uso indevido dos meios de comunicação, sabe-se que a mídia é responsável por prover informações das mais diversas aos cidadãos, o que ocorre de forma ainda mais relevante durante o período eleitoral. O uso indevido ocorre quando há um abuso, por exemplo, quando as informações são apresentadas ao público de modo manipulativo ou desigual. Compreende-se que a mídia pode se posicionar de maneira favorável a uma candidatura. No entanto, há um “impedimento de que assumam uma postura que caracterize propaganda eleitoral em favor de candidato”[1].
Nos últimos anos, o ambiente digital (principalmente através das redes sociais e dos aplicativos de mensagens) tem se tornado um meio relevante para que os candidatos e partidos políticos entrem em contato com seus possíveis eleitores.
No entanto, há diversas regras específicas para a propaganda eleitoral na internet, que devem ocorrer nos sites dos próprios candidatos, do partido ou coligação; por mensagens; blogs e redes sociais (art. 57-B, Resolução TSE 23.610/2024). Em cada um desses casos, há exigências específicas previstas na Lei das Eleições (Lei 9.504/1997) e na própria Resolução do TSE sobre propagandas eleitorais (Resolução TSE 23.610/2024).
Assim, não se aceita que a desinformação seja promovida no ambiente digital, comprometendo a integridade do processo eleitoral brasileiro. A integridade das eleições é extremamente relevante, sendo prevista na Constituição Federal brasileira de 1988, art. 14, §9º, que estabelece a necessidade de proteger “a normalidade e legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”[2].
Assim, deve-se evitar que informações falsas, equivocadas, parciais ou descontextualizadas sejam apresentadas com fins de obter, para um candidato específico, vantagens injustas.
Sabe-se que, apesar das manifestações feitas pelos candidatos serem amplas e ancoradas no direito à liberdade de expressão, nem todas as manifestações em período eleitoral são legais e permitidas pelo nosso ordenamento jurídico. No Brasil, as leis eleitorais e a Justiça Eleitoral brasileiras (inclusive por meio do Tribunal Superior Eleitoral) agem de modo a preservar a igualdade e a justiça para todos os candidatos(as) durante as eleições. Há inúmeras definições e estipulações legais sobre o que é permitido e o que é vetado nos períodos eleitorais.
O Código Eleitoral (Lei 4.737 de 1965) esclarece, por exemplo, que a divulgação de fatos sabidamente inverídicos (na propaganda eleitoral ou durante o período de campanha eleitoral) em relação a partidos ou candidatos e que tenham a capacidade de influenciar o eleitorado é crime (art. 323). O artigo 237 também prevê que o abuso do poder econômico, em desfavor da liberdade do voto, será coibido e punido.
O TSE também vem atuando contra a desinformação e o abuso de poder econômico em suas Resoluções. Na Resolução 23.735/2024, o TSE define os crimes eleitorais, incluindo o abuso de poder. Segundo o artigo 6º, §3º, o uso de aplicações digitais de mensagens instantâneas que promovam disparos em massa com desinformação, falsidade, inverdade ou montagem pode ser considerado como abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social.
O §4º do mesmo artigo prevê que a utilização da internet para difundir informações falsas ou descontextualizadas sobre (i) o adversário; (ii) o sistema eletrônico de votação e (iii) a Justiça Eleitoral pode configurar uso indevido dos meios de comunicação e, a depender do caso, abuso de poder econômico. Segundo o artigo 7º, para que o ato abusivo seja configurado, não é considerada a potencialidade de o fato alterar o resultado das eleições, mas a gravidade das circunstâncias dos casos, incluindo os aspectos qualitativos e quantitativos, segundo o parágrafo único.
A Resolução 23.610/2019 dispõe sobre propaganda eleitoral e traz várias previsões relevantes. O artigo 28, §7º-A, por exemplo, prevê que o impulsionamento de conteúdo online somente pode ser feito para promover ou beneficiar candidaturas. Assim, não pode haver impulsionamento para a realização de propaganda negativa, que vise prejudicar candidaturas. Caso ocorram, pode haver apuração de abuso de poder (art. 28, §7º-C).
Segundo o seu artigo 9º-C, veda-se a utilização de conteúdos fabricados ou manipulados que visem a difusão de fatos notoriamente inverídicos ou descontextualizados, os quais tenham potencial de causar danos ao equilíbrio do pleito ou à integridade do processo eleitoral. O seu descumprimento configura abuso do poder político, sendo cabível a apuração das responsabilidades de acordo com o artigo 323 do Código Eleitoral (§2º) e do artigo 22 da Lei Complementar 64 (art. 10, §3º).
Por fim, a Resolução 23.714/2022 é sobre desinformação que atinja a integridade do processo eleitoral e já foi considerada constitucional pelo Supremo Tribunal Federal. Na decisão do STF[3], o relator, ministro Edson Fachin, afirmou que o processo eleitoral deve seguir o seu processo regular, sem a influência do poder econômico. A influência, quando abusiva, torna o processo eleitoral menos democrático, menos livre e menos independente, já que a desinformação afeta o direito à informação e a própria existência de uma verdade compartilhada na sociedade brasileira.
Um caso recente ocorreu quando o Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo manteve a suspensão de perfis das redes sociais de Pablo Marçal, então candidato à Prefeitura de São Paulo. A ideia da suspensão é garantir a regularidade e a isonomia do processo eleitoral.
Segundo o acórdão[4], a investigação está analisando a suposta prática de monetização do candidato, que poderia configurar abuso de poder econômico e uso indevido dos meios de comunicação social, pela utilização irregular de cortes em vídeos para aumentar e impulsionar as publicações do candidato.
Assim compreende-se que, em regra, a Justiça Eleitoral e o TSE vem atuando para evitar o abuso de poder econômico no contexto eleitoral. A ideia é evitar que haja desigualdade nas eleições, ou seja, que os candidatos tenham condições justas de concorrerem, a despeito das suas diferentes condições de poder econômico. Busca-se também evitar que essas condições de poder diversas sejam utilizadas para criar e disseminar conteúdos eleitorais falsos, comprometendo a integridade do processo eleitoral brasileiro.
Confira mais informações sobre a atuação do TSE sobre a desinformação e suas resoluções no volume 1 e no volume 2 da Cartilha publicadas pelo Centro de Tecnologia e Sociedade (CTS) da FGV Direito Rio.
[1] Ac. de 12.2.2019 no RO nº 250310, rel. Min. Jorge Mussi; no mesmo sentido o Ac. de 26.4.2018 no AgR-RO nº 317093, rel. Min. Jorge Mussi. Disponível em: https://temasselecionados.tse.jus.br/temas-selecionados/inelegibilidades-e-condicoes-de-elegibilidade/parte-i-inelegibilidades-e-condicoes-de-elegibilidade/abuso-de-poder-e-uso-indevido-de-meios-de-comunicacao-social. Acesso em: 24 set. 2024.
[2] Nesse sentido, a Lei Complementar nº 64 de 1990, estabelece, de acordo com o supracitado artigo da Constituição, os casos de inelegibilidade. O seu artigo 22 detalha como ocorrerá a investigação judicial para apurar o uso indevido dos meios de comunicação e o abuso de poder econômico.
[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 7.261. Acórdão Brasília/DF. Relator Min. Edson Fachin. Julgamento: 05/03/2024. Disponível em: https://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15365041617&ext=.pdf. Acesso em: 24 set. 2024.
[4] BRASIL. TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DO ESTADO DE SÃO PAULO. Acórdão no Mandado de Segurança Cível (120) – 0600348-97.2024.6.26.0000 – São Paulo – São Paulo (julgado em conjunto com o Agravo Regimental). Disponível em: https://consultaunificadapje.tse.jus.br/#/public/resultado/0600348-97.2024.6.26.0000. Acesso em: 30 set. 2024.