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O Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade de uma importante política pública para promoção do direito à alimentação saudável e adequada no país. A decisão foi dada pelo ministro Cristiano Zanin, no âmbito de processo em que se discutia a validade da Resolução da Diretoria Colegiada da Anvisa RDC 24/2010, no último dia 24 de maio.
A norma determina que na publicidade ou em qualquer prática que vise à divulgação e promoção comercial de alimentos com quantidades elevadas de açúcar, de gordura saturada, de gordura trans, de sódio e de bebidas com baixo teor nutricional: (a) deverão conter alertas sobre os riscos à saúde do consumo excessivo desses nutrientes; e b) não poderão constar indicações, designações, denominações, símbolos, figuras ou desenhos que possibilitem interpretação falsa, erro e confusão quanto à origem, a procedência, a natureza, a qualidade, a composição ou que atribuam características nutritivas superiores àquelas que realmente possuem.
A norma da Anvisa determina, por exemplo, que na publicidade de alimentos com muita gordura saturada haja o alerta de que, se consumida em grande quantidade, aumenta-se o risco de diabetes e de doença do coração; e que na publicidade de alimentos com muito sódio, haja o alerta de que, se consumido em grande quantidade, aumenta-se o risco de pressão alta e de doenças do coração.
A importância da RDC 24/2010 é inegável para a população brasileira e para a saúde pública, notadamente diante dos crescentes índices de sobrepeso, obesidade, diabetes e de outras doenças que têm acometido a população, inclusive as crianças.
Pesquisa aponta que quase 99% dos alimentos ultraprocessados comercializados no Brasil têm alto teor de sódio, gorduras, açúcares livres ou aditivos para realçar cor e sabor. Seu consumo contribui para o ganho de peso e é fator de risco para as doenças crônicas não transmissíveis, que incluem: doenças cardiovasculares, diabetes, doenças respiratórias e câncer, que são responsáveis por cerca de 74% das mortes no Brasil e 71% da mortalidade geral no mundo.
No Brasil, a ingestão crescente de ultraprocessados (sobretudo pela população de baixa renda) é responsável por mais de 10% de todas as mortes prematuras, correspondendo a aproximadamente 57 mil mortes por ano.
Ainda assim, associações representativas do setor econômico, como de grandes corporações de alimentos ultraprocessados, fizeram intenso lobby durante o processo regulatório na Anvisa e, após a publicação da resolução, propuseram 11 ações judiciais questionando sua validade.
O lobby e essa judicialização desenfreada beneficiaram a indústria, que ganhou tempo, e fizeram com que a agência nunca conseguisse implementar plenamente a RDC 24/2010.
Já são mais de dez anos de disputas judiciais, com cinco casos encerrados com decisões favoráveis à Anvisa e à população, outros cinco aguardando julgamento no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1). Enfim, o caso, que chegou ao STF em grau de recurso, é uma ação proposta pela Associação Brasileira da Indústria de Alimentos (ABIA) em face da Anvisa (ARE 1.480.888).
Agora, todos esses casos podem ser impactados com a decisão proferida pelo ministro Zanin para que, finalmente, a norma tenha plena eficácia e o direito constitucional à saúde seja levado à sério, efetivamente protegendo e orientando o cidadão no seu cotidiano.
Além de expressamente citar o direito constitucional à saúde, a decisão de Zanin se alinha à jurisprudência do STF, ao reconhecer a competência da Anvisa para regular produtos nocivos à saúde, tal como decidido na ADI 4874 – que julgou improcedente a ação movida pela Confederação Nacional da Indústria que visava invalidar a RDC 14/2012, da Anvisa, que regula o uso de aditivos em produtos de tabaco – bem como ao ponderar a livre iniciativa com outros direitos constitucionais.
O precedente aqui mencionado é um paradigma histórico na defesa dos direitos do consumidor, da saúde pública e da infância, notadamente quando se trata da publicidade de produtos que podem ser noviços à saúde. O STF também mantém o poder normativo das agências reguladoras válido, mesmo quando contraria o interesse de gigantes do mercado.
Ainda cabe recurso da decisão, mas a população brasileira espera que os demais membros do STF acompanhem a decisão do ministro Zanin no reconhecimento do direito à alimentação adequada e saudável. Em nome, como dito acima, da saúde pública, da defesa do consumidor e da infância.