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Com o comentário a seguir dou início a uma nova etapa das memórias de uma época da história de Santa Catarina. O marco-zero dessa fase é o afastamento mútuo de duas personalidades que, unidos, protagonizaram, na década anterior, papeis de grande destaque no Estado: Jorge Bornhausen e Esperidião Amin. Separados, continuaram a desempenhá-los, dando, porém, algum fôlego para os adversários. Na presente coluna relembro fatos anteriores que emolduraram o quadro político dentro do qual os dois fortes aliados acabaram, mais tarde um pouco, se desentendendo.
Lembro aos estimados leitores que esses relatos e opiniões fazem parte de acontecimentos dos quais participei diretamente ou presenciei de uma posição próxima. Correspondem, portanto, à visão pessoal (e a memória) do autor sobre os fatos e os personagens.
A “Ditadura Envergonhada”
Pelo menos dois, no máximo três partidos. Essa era a meta do presidente Humberto de Alencar Castello Branco quando, em outubro de 1965, um ano e meio após sua posse, foi editado o Ato Institucional nº 2 que, entre outras medidas, extinguiu o até então vigente sistema pluripartidário. Era indispensável mostrar ao mundo uma cara relativamente democrática. Partido único era coisa de ditaduras e ditadores, e, embora tendo ocupado o poder por métodos bastante heterodoxos, certamente não previstos nos manuais da democracia, as Forças Armadas, na sua maioria, então predominante, não queriam ser vistas como patrocinadoras de um governo ditatorial. Afinal, não éramos uma república bananeira qualquer.
Com essa configuração política em mente, os militares vinham mantendo, desde o advento de sua intervenção institucional, no ano anterior, um certo grau de liberdade de imprensa. O Congresso, ainda que desfalcado por diversas cassações de mandatos, funcionava regularmente. O marechal designado para o papel de presidente da República foi apresentado ao Congresso como “candidato”, foi eleito pelos parlamentares e carregou um vice civil, o pessedista mineiro José Maria Alkmin., primo, (apesar da diferença da grafia do nome) do atual vice-presidente Geraldo Alckmin.
“Ditadura Envergonhada”. Esse foi o título dado pelo jornalista e escritor Elio Gaspari ao primeiro volume de sua abrangente análise dos governos militares. Com a expressão ele definiu os pudores dos generais nos primórdios do regime. Muitos deles (não todos) tinham uma sólida formação democrática, ensinada pela ESG, a Escola Superior de Guerra. Certamente, a muitos doía na consciência a tomada de decisões de cunho ditatorial.
Fase dois do Regime Militar: novos partidos
No dia 3 de outubro de 1965, foram eleitos, pelo voto direto, governadores de oposição no antigo Estado da Guanabara e em Minas Gerais: Negrão de Lima e Israel Pinheiro, respectivamente. Este fato, inesperado devido à liderança exercida pelos governadores do momento, Carlos Lacerda e Magalhães Pinto, aliados do regime, fez ferver o já exaltado ânimo da chamada “linha dura”. Para evitar um conflito interno, o preço pago foi a edição do referido Ato nº 2, do dia 27 do mesmo mês de outubro, que, entre outras restrições da liberalidade vigente, extinguiu todos os partidos políticos. Novas agremiações deveriam ser criadas.
Pelo seu lado, a “linha macia” do sistema, conseguiu definir que teria que existir pelo menos duas, talvez três, agremiações partidárias.
Os militares ajudando seus opositores
Extintos, todos os partidos até então existentes (os principais eram PSD, UDN e PTB) foram baixadas regras para criação de seus sucedâneos. Cada um deveria contar com a adesão de um certo número de deputados e senadores. Aconteceu então um imprevisto: fosse por convicção ou por compreensível temor, foi tão entusiasmada a corrida, no Congresso, em favor daquele que deveria ser o partido de “situação”, favorável ao regime, que não sobraram parlamentares em número suficiente para pôr de pé o partido “de oposição”, a quem caberia o difícil ofício de ser contrário ao governo recém-instalado.
O governo, então, resolveu dar uma mãozinha: foi a campo conversar com alguns dos deputados e senadores situacionistas para convencê-los a assinar a lista de fundação do MDB. E foi assim que, já no final do segundo tempo, e a pau e corda, foi viabilizada a instituição de um sistema bipartidário no País.
Jorge Bornhausen e Esperidião Amin, que não estavam no Congresso, se matricularam, ambos, espontaneamente, na Arena. E eu, lá no Rio Grande do Sul onde havia nascido, estudava Direito, fazia política estudantil, me elegi Presidente do Diretório Estadual de Estudantes por voto direto dos universitários, não conhecia nenhum dos dois. E também assinei ficha, no ano seguinte, no mesmo partido.
Próximo capítulo
Na semana que vem, vou relatar as circunstâncias que levaram o ex-governador Jorge Bornhausen e o então governador Esperidião Amin, a tomarem caminhos partidários diferentes.