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Vetos no PLP 68/2024 para evitar a dispensa do IBS e preservar o federalismo fiscal

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O modelo federativo é uma das formas de organização do Estado, no qual em um mesmo território devem conviver harmonicamente duas ou mais ordens de poderes de pessoas políticas autônomas, em suas respectivas esferas de competência.

A opção metodológica deste artigo foi baseada na análise do federalismo sob a égide do Direito, sendo relevante perpassar pela contribuição de Hans Kelsen, para quem a convivência entre os entes é caracterizada pela centralização ou descentralização de poder político normativo. Na concepção do jurista austríaco, quando a produção das normas pelos poderes é descentralizada, definitiva e independente, sem interferência mutiladora do poder centralizador, aumenta o grau de perfeição da descentralização política, administrativa e jurídica; do contrário, quando há subordinação e limites para legislar, a descentralização é imperfeita.

O federalismo fiscal é um princípio estruturante do Estado brasileiro, garantindo a autonomia da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, sobretudo em matéria tributária e orçamentária.

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A autonomia dos entes subnacionais foi um marco do federalismo fiscal da Constituição de 1988, que procurou dotar os estados, o DF e os municípios de maior autonomia financeira. Por meio da atual Carta Magna, foi instituído um modelo de federalismo fiscal complexo, caracterizado pela distribuição de competências tributárias entre os entes federados e um sistema de transferências intergovernamentais, visando à promoção do equilíbrio socioeconômico entre as diversas regiões do país.

Esse modelo complexo é frequentemente denominado pela doutrina federalismo fiscal cooperativo, o qual implica a concentração de certas competências tributárias em poder do ente central (União), mas mantendo os estados, o DF e os municípios com a competência para legislarem sobre seus tributos, além de ferramentas de equalização fiscal na modalidade de transferências obrigatórias de repartição de receitas tributárias, transferências voluntárias e transferências condicionais como meio de amenizar a desigualdade econômica e social existente entre os entes federados.

A reforma tributária promulgada no Congresso Nacional, por meio da EC 132/2023, reconfigura esse cenário, restringindo a competência dos entes subnacionais de instituírem e legislarem amplamente sobre os tributos que incidem sobre o consumo de bens, direitos e serviços, mas não há uma subordinação total à União em face da possibilidade de os estados, o DF e os municípios continuarem fixando suas alíquotas por lei específica.

Assim, pelo menos em relação à tributação sobre o consumo, esse modelo de federalismo, baseado principalmente na autonomia dos entes legislarem amplamente sobre os tributos da sua competência, está sendo alterado pela EC 132/2023; afinal uma lei complementar federar irá instituir o IBS, cuja competência é dos estados, DF e municípios. Com o advento da mencionada EC, o novo modelo de federalismo fiscal na tributação sobre o consumo continua baseado na cooperação, mas se sobressairão as transferências constitucionais.

Para regulamentar as alterações constitucionais advindas da EC 132/2023, foi aprovado no Congresso Nacional o PLP 68/2024 propenso a instituir o IVA Dual (CBS e IBS) e o Imposto Seletivo (IS)

Como o Imposto Sobre Bens e Serviços (IBS), que substituirá o ICMS e o ISS, será instituído por uma lei complementar federal, que deverá ser sancionada pelo presidente da República até 16/1/2025, haverá aumento da centralização do poder de legislar na União, inclusive com a vedação de os entes subnacionais concederem incentivos fiscais. 

Todavia, essa mitigação da autonomia legislativa dos Entes subnacionais não contraria a forma federativa de Estado, porque eles continuarão legislando sobre suas alíquotas. Ou seja, como o poder de legislar sobre o IBS dos estados, do DF e dos municípios não foi totalmente centralizado na União, não houve afronta ao pacto federativo.

A EC 132/2023, entretanto, abriu a possibilidade de contrariedade ao art. 151, III c/c o art. 60, § 4º, I, ambos da Constituição, ao prescrever que uma lei complementar federal pudesse dispensar o pagamento do IBS, no ano de 2026, cuja receita pertence aos estados, ao DF e aos municípios, sendo que os valores arrecadados no referido ano seriam fonte de receita para o Comitê Gestor, nos termos do art. 125, § 3º do ADCT. 

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No ano teste de 2026, conforme a previsão constitucional do art. 125 do ADCT, o IBS será cobrado com alíquota de 0,1% (um décimo por cento) e a CBS, com alíquota de 0,9% (nove décimos por cento), sem custo para o contribuinte, já que os valores dos novos tributos serão compensados com os devidos em relação às contribuições PIS/Cofins ou por qualquer outro tributo federal ou, ainda, se não houver tributo federal a pagar, ressarcido em até 60 (sessenta) dias.

A proposição contida no PLP 68/2024, inicialmente aprovada na Câmara dos Deputados, dispôs sobre a possibilidade da desoneração, no ano de 2026, mas sem corroborar com a contrariedade à cláusula pétrea da Constituição, uma vez que seria necessária a anuência do Comitê Gestor do IBS, que representa os entes subnacionais.

Eis a previsão do texto do PLP 68/2024, aprovado na Câmara dos Deputados, antes do envio ao Senado Federal:

Art. 346. Em relação aos fatos geradores ocorridos de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2026:

  • 1º Ato conjunto do Comitê Gestor do IBS e da RFB poderá dispensar o recolhimento relativo aos fatos geradores ocorridos no período indicado no caput em relação aos sujeitos passivos que cumprirem as obrigações acessórias previstas na legislação.

  • 2º A dispensa de que trata o § 1º poderá ser diferenciada por regime de tributação, porte de empresa e setor econômico.

Todavia, o Senado Federal, alegando injustificadamente a desoneração do IBS e da CBS para o contribuinte, no ano teste de 2026, alterou o texto da Câmara dos Deputados, de modo a dispensar, diretamente por meio da lei complementar federal, a exigência dos referidos tributos, inclusive o da competência dos estados, do DF e dos municípios, opondo-se a autonomia federativa fiscal dos entes subnacionais.

Art. 348. Em relação aos fatos geradores ocorridos de 1º de janeiro a 31 de dezembro de 2026:

I – o montante recolhido do IBS e da CBS será compensado com o valor devido, no mesmo período de apuração, das contribuições previstas no art. 195, inciso I, alínea “b”, e inciso IV, e da contribuição para o PIS a que se refere o art. 239, ambos da Constituição Federal;

II – caso o contribuinte não possua débitos suficientes para efetuar a compensação de que trata o inciso I, o valor recolhido poderá ser:

  1. a) compensado com qualquer outro tributo federal, nos termos da legislação; ou
  2. b) ressarcido em até 60 (sessenta) dias, mediante requerimento.
  • 1º Fica dispensado o recolhimento do IBS e da CBS relativo aos fatos geradores ocorridos no período indicado no caput em relação aos sujeitos passivos que cumprirem as obrigações acessórias previstas na legislação.
  • 2º O sujeito passivo dispensado do recolhimento na forma do § 1º permanece obrigado ao pagamento integral das Contribuições previstas no art. 195, inciso I, alínea “b”, e inciso IV, e da contribuição para o Programa de Integração

Social a que se refere o art. 239, ambos da Constituição Federal.

Portanto, sem embargos dos louváveis propósitos que motivaram a alteração por parte do Senado Federal, faz-se necessário o veto dos §§ 1º e 2º do art. 348 do PLP 68/2024 para que não se consuma afronta ao pacto federativo (art. 60, § 4º, I, da Constituição).

O mencionado veto não provocará aumento de carga tributária em face da compensação prevista nos incisos I e II do caput do referido artigo.

Uma premissa da EC 132/2023, que também repercute no federalismo fiscal, é a destinação da arrecadação. 

O IS e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) são de competência da União e, por conseguinte, suas arrecadações serão transferidas diretamente para os cofres do Poder Executivo Federal, independentemente do local do consumo.

Diferentemente, o IBS não será recolhido diretamente para os erários estaduais e municipais, mas para o Comitê Gestor, que terá a missão institucional de arrecadar e distribuir o produto da arrecadação para os entes subnacionais onde ocorrer a operação para o consumo.

Portanto, diversamente do ICMS e do ISS, que são arrecadados diretamente pelos estados, DF e municípios, o IBS será recolhido para o Comitê Gestor, que só distribuirá o produto da arrecadação para os entes subnacionais quando for identificado o local da ocorrência do consumo.

Dessa forma, o critério relevante para identificar os estados e municípios que receberão do Comitê Gestor a arrecadação do IBS será o local das operações com bens e serviços e direitos realizadas para o consumidor final. A arrecadação relativa às operações anteriores à etapa final da cadeia econômica, por exemplo, entre produtor-indústria-atacado-varejo ficará retida no Comitê Gestor, aguardando o fim da cadeia econômica de consumo.

Atualmente, nas operações interestaduais com bens, a receita do ICMS é distribuída entre os estados de origem e destino. Com o advento do IBS, as receitas advindas das transações interestaduais ficarão apenas no destino (local da operação com o consumidor final).

Diante da ausência de arrecadação do IBS para o estado de origem nas operações interestaduais, os entes produtores (geralmente mais industriais) tendem, inicialmente, a perder receita, comparando com o ICMS, em relação aos estados consumidores.

Para atenuar as perdas, o art. 130 do ADCT da Constituição, inserido pela EC 132/2023, prevê que resolução do Senado Federal fixará, para todas as esferas federativas, alíquotas de referência, de modo a assegurar a manutenção da carga tributária e da receita da União, entre 2027 e 2033, bem como dos estados, do DF e dos municípios entre 2029 e 2033.

O art. 131 do ADCT estabelece a transição federativa, entre 2029 e 2077, período no qual haverá equacionamento entre a distribuição da arrecadação atual entre entes subnacionais e a distribuição que resultará a partir da reforma implantada pela EC 132/2023, mitigando os efeitos da mudança da arrecadação para o destino.

Para evitar eventuais perdas de arrecadação de estados e municípios, foi também concebido um seguro receita. O art. 132 do ADCT, inserido na Constituição pela EC 132/2023, determina que seja retido o montante correspondente a 5% do IBS para distribuição aos entes que perderão receita em face da reforma tributária.

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Será de competência exclusiva do Comitê Gestor reter todas essas arrecadações do IBS, motivo pelo qual o fato de o imposto não ser recolhido diretamente para os cofres públicos dos entes subnacionais provocará uma alteração constitucional importante no modelo de federalismo fiscal.

Como os estados, o DF e os municípios perderão a autonomia direta de arrecadar o seu imposto sobre o consumo de bens e serviços, a EC 132/2023 inaugurou no Brasil o modelo de federalismo fiscal cooperativo na tributação sobre o consumo baseado apenas em transferências constitucionais.

Para que o federalismo fiscal não seja comprometido, no primeiro ano do IBS/CBS, o veto dos §§ 1º e 2º do art. 348 do PLP 68/2024 é necessário em respeito à cláusula pétrea constitucional e à vedação de a União dispensar um tributo de competência dos estados, do DF e dos municípios, conforme as previsões dos arts. 60, § 4º, I e 151, III, da Constituição.

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