A falácia da anistia



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Esta é a 100ª coluna da Defensor Legis. Para celebrar a ocasião, hoje os leitores são brindados com um texto do professor Manuel Atienza (já referido aqui e aqui) comentando o debate sobre a proposição de lei 122/000019 em discussão nas Cortes Generales (o Legislativo espanhol) que pretende anistiar os crimes relacionados à consulta e ao referendo para a independência da Catalunha. A questão interessa ao Brasil, porque por aqui também se debate uma anistia aos envolvidos nos atos do 8 de janeiro de 2023 no PL 5063/2023.

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Há alguns anos, escrevi uma coluna semanal no jornal Información (de Alicante) intitulada “A Guerra das Falácias”.[1] Meu objetivo era partir de uma discussão sobre um dos temas atuais (daquela época) e identificar algum erro de argumentação – alguma falácia – que talvez tivesse passado desapercebido aos interessados no assunto em questão.Quando reuni um número suficiente, transformei-o em um livro que intitulei precisamente “A Guerra das Falácias” e concluí aquela aventura intelectual.[2]

Se volto agora aos meus velhos hábitos, é motivado pelo rarefeito debate que estamos assistindo sobre uma possível (ou mais do que possível: extremamente provável) lei de anistia em relação aos crimes cometidos por vários políticos pró-independência durante o curso do procés (da Catalunha). Sem dúvida, o cometimento de erros argumentativos (erros que parecem ser bons argumentos: por isso constituem falácias) poderia ser detectado nos defensores das duas teses: a favor ou contra a anistia. Mas vou referir-me aqui apenas a uma falácia que normalmente é cometida por quem é a favor da medida e que – penso – pode muito bem ser chamada de “falácia da anistia”, pela importância que tem na discussão.

Em síntese, a falácia consiste em levantar a questão de forma abstrata, como se fosse simplesmente uma alternativa entre aqueles que preferem perdoar, esquecer, colocar a política antes do Direito Penal, buscar uma medida conciliatória em vez do conflito, em face daqueles supostamente em favor de continuar a alimentar o ressentimento, as medidas repressivas e o conflito. Mas, claro, as coisas não são assim. Não se trata de pensar de forma abstrata, mas, sim, considerando todos os elementos da situação, alguns dos quais (muito relevantes) não costumam ser levados em conta pelos defensores da anistia.

Entre os abundantes exemplos que poderiam ser encontrados do cometimento dessa falácia, escolho aqui um artigo recente publicado no jornal El País (no dia 6 de outubro de 2023) e de autoria do professor de Direito Internacional da Universidade de Seattle, Ronald Slye; seu título é: “Uma anistia para a reconciliação”. O que ele sustenta é, sem dúvida, verdade: “A anistia reivindicada para os separatistas catalães é muito diferente daquelas de Pinochet, do Reino Unido ou de qualquer outra que tenha sido declarada ilegal”.

Ou seja, no caso do secessionismo catalão não houve assassinatos de pessoas nem genocídio envolvido. Mas o nosso internacionalista se esqueceu de mencionar no seu artigo que a proposta de anistia surge em um contexto cujo pano de fundo é a necessidade de um determinado partido político reunir votos suficientes para poder formar um governo, e um partido político que não só não havia informado os seus eleitores da sua intenção de tomar essa medida, mas, sim, que deu a entender o contrário.

Assim como também ignora o fato de que um ato de reconciliação (lembre-se do título do artigo: “para a reconciliação”) não pode consistir em uma medida unilateral que, segundo as pesquisas de opinião, não goza de forma alguma de amplo apoio popular: trata-se, pelo contrário, de uma medida inevitavelmente desintegradora.

Além disso, Slye não comete apenas uma falácia tradicionalmente chamada de ignoratio elenchi, isto é, consistente em ignorar o tema (ou parte do tema) que está sendo discutido, mas também algo muito semelhante a uma contradição lógica. Pois bem, no seu artigo, ele começa alertando que “não vou pronunciar-me se tal anistia deve ser concedida”, mas, no final, surpreendentemente, acaba afirmando que a decisão de conceder uma anistia é “uma decisão encorajada pelo propósito de fortalecer a unidade nacional e a reconciliação.” Daí resulta (talvez não seja uma conclusão estritamente lógica, mas é o que se sugere ao leitor) que, de acordo com esse professor, ser contra a anistia significa também rejeitar a unidade nacional e a reconciliação.

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Embora isso possa tornar este artigo excessivamente longo, não quero deixar de expressar qual é a minha opinião em relação à anistia. Como sabido, não existe qualquer norma específica da Constituição da Espanha que a proíba, que a torne juridicamente impossível. Mas, sem dúvida, vai contra muitos princípios constitucionais, como a da igualdade perante a lei ou o da divisão de poderes.

Constitui o que, em um livro que escrevi há algum tempo com o professor Ruiz Manero, chamamos de ilícitos atípicos[3], ou seja, atos permitidos (ou não proibidos) por uma regra, por uma pauta específica de comportamento, mas contrários aos princípios do ordenamento jurídico, dos quais são bons exemplos o que os juristas chamam de abuso de direito, fraude à lei e desvio de poder.

Neste caso, seria um desvio de poder: não existe uma regra específica que proíba Las Cortes de exercer o poder de editar uma lei de anistia (o exercício desse poder seria regulado por uma permissão fraca, isto é, não explícita), mas há uma série de princípios constitucionais (basicamente os dois mencionados acima: igualdade perante a lei e divisão de poderes) cujo peso é tal que leva a transformar a permissão em proibição.[4]

Uma possível objeção à utilização desse conceito é que alguns autores entendem que só é possível falar em desvio de poder em relação a poderes administrativos e não legislativos.[5] Mas no livro referido[6] nos opomos a esta tese basicamente porque consideramos que, em um Estado constitucional, o legislador não goza de plena liberdade política, mas também está sujeito ao cumprimento dos princípios constitucionais.

Mas ainda há algo importante a acrescentar. Na minha opinião, uma lei de anistia poderia ser considerada constitucional (além de uma medida politicamente aceitável), desde que acompanhada de algumas circunstâncias que parecem não existir neste caso.

Uma delas é a já mencionada que fosse respaldada por um amplo consenso político. E outra – talvez a mais importante – que aqueles que dela se beneficiam (os políticos pró-independência e os partidos políticos a que pertencem) fizessem uma manifestação (política; não se exige um ato de arrependimento, um pedido de perdão ou algo nesse sentido) reconhecendo que as suas ações no passado foram contrárias à Constituição, ao Direito estabelecido e, sobretudo, que pretendem não voltar a utilizar essa via como meio para obter os seus fins políticos (secessionistas ou não).

Em uma situação assim, penso que é possível interpretar que uma lei de anistia estaria de acordo com a Constituição, porque agora teria que ser dado grande peso ao princípio da manutenção da ordem constitucional (também estariam reunidas as condições para que se pudesse falar de conciliação), de modo que o equilíbrio dos princípios constitucionais teria como resultado que o exercício do poder de editar essa lei estivesse regulado conforme permitido.

[1] Uma versão anterior deste artigo foi publicada no jornal Información de Alicante em 10 de outubro de 2023. Acrescentei alguns parágrafos, na parte final, referente à lei de anistia e ao desvio de poder.

[2] Houve várias edições do livro. O último: ATIENZA, Manuel. La guerra de las falacias. Cómo hacer frente a los malos argumentos en la esfera pública (prólogo de Javier Muguerza). Montevidéu-Buenos Aires: Editorial B de F, 2023.

[3] ATIENZA, Manuel; RUIZ MANERO, Juan. Ilícitos atípicos. Sobre el abuso de derecho, el fraude de ley y la desviación de poder. Madrid: Editorial Trotta, 2006. Traduzido para o português como: Ilícitos atípicos. Sobre o abuso de direito, fraude à lei e desvio de poder. São Paulo: Marcial Pons, 2014.

[4] A definição completa de desvio de poder que demos foi esta: “Ação A levada a cabo por um órgão público O nas circunstâncias X supõe um desvio de poder se e somente se: 1) Existe uma regra regulativa que permite ao órgão O usar a regra que confere poder (público) para, nas circunstâncias X, realizando A, produzir como resultado R um ato administrativo ou uma disposição jurídica. 2) Como consequência de R, produz-se um determinado estado de coisas E, que, de acordo com o equilíbrio entre os princípios que justificam a permissão anterior e outros princípios do sistema, implica um dano injustificado ou um benefício indevido, e não há uma regra regulativa que proíba a produção de R (o dispositivo legal em questão), embora possa haver uma regra destinada a evitar E. 3) R é um meio para E: 3.1) seja no sentido subjetivo: dado que, ao realizar A, O não perseguia outra finalidade discernível além de alcançar, por meio de R, a consequência E e que R é objetivamente adequado para E; 3.2) seja no sentido objetivo: dado que R é objetivamente adequado para E, mesmo que O não tivesse esse propósito ao realizar A. 4) O equilíbrio entre os princípios mencionados em 2) tem força suficiente para gerar uma nova regra que estabelece que nas circunstâncias X’ (X mais alguma circunstância que envolva uma forma de realização de 2 e de 3.1 ou 3.2) está proibido de usar a regra que confere poder, de forma que se alcance, por meio de R, a consequência E. Por isso, o resultado R (o ato ou disposição jurídica em questão) deve ser considerado inválido (regularmente) na medida em que conduza a E.” (tradução de: ATIENZA, Manuel; RUIZ MANERO, Juan. Ilícitos atípicos. Sobre el abuso de derecho, el fraude de ley y la desviación de poder. Madrid: Editorial Trotta, 2006, p. 97)

[5] Por exemplo, CHINCHILLA, Carmen. O desvio de poder. 2ª ed. Madrid: Civitas, 1999.

[6] ATIENZA, Manuel; RUIZ MANERO, Juan. Ilícitos atípicos. Sobre el abuso de derecho, el fraude de ley y la desviación de poder. Madrid: Editorial Trotta, 2006, p. 106-107.

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