O julgamento de Trump



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Em 6 de janeiro de 2021, algumas horas antes da certificação da eleição presidencial americana no Capitólio, Donald Trump realizou um comício com centenas de seus eleitores mais fervorosos. Durante seu discurso, Trump, frequentemente citado como um exemplo de populista autoritário, utilizou uma linguagem ambígua, exortando seus apoiadores a impedirem o que ele chamava de roubo da eleição (stop the steal), mas pedindo que agissem pacificamente. O evento culminou em uma insurreição, com invasão do prédio do Congresso, que resultou na morte de pelo menos 7 pessoas, incluindo 2 policiais que cometeram suicídio após o evento.

O discurso do então presidente deve ser analisado dentro de um contexto mais amplo. Nos meses que antecederam a invasão, Trump plantou no imaginário de seus eleitores a ideia de que a eleição estava sendo fraudulentamente usurpada. Essa falsidade foi propagada por todo o país, apesar das evidências apontarem para tentativas de subversão da eleição pelo próprio Trump, como a ocasião em que exigiu de um funcionário na Geórgia que “encontrasse” 11.780 votos a seu favor.[1]

Após o incidente, Trump enfrentou julgamentos, tanto criminais como eleitorais, em diversos estados, começando pelo Colorado. Aqui, em um processo de cunho eleitoral, o ex-presidente foi acusado de insurreição contra a União, o que, segundo a Seção 3 da 14ª Emenda da Constituição americana, o impediria de ocupar cargos públicos no futuro e, portanto, de participar das eleições presidenciais.

Originária do período da Reconstrução, após a Guerra Civil, a 14ª Emenda foi uma das três emendas destinadas a integrar os cidadãos negros ao projeto constitucional dos Estados Unidos. Enquanto a 13ª Emenda aboliu a escravidão, a 14ª assegurou a cidadania, o devido processo legal e a igual proteção das leis a todos, e a 15ª, por sua vez, garantiu o direito de voto aos negros.

Além das proteções que trazia, a 14ª Emenda também teve duas preocupações: a primeira foi garantir que insurrecionistas, derrotados na guerra, viessem a sabotar o novo projeto constitucional de dentro do governo. Criou-se, então, a Seção 3:

Nenhuma pessoa poderá ser senador ou deputado no Congresso, ou eleitor [delegados dos partidos] do presidente e vice-presidente, ou ocupar qualquer cargo, civil ou militar, nos Estados Unidos ou em qualquer Estado, se, tendo previamente prestado juramento, como membro do Congresso, ou como um oficial dos Estados Unidos, ou como um membro de qualquer legislatura estadual, ou como um oficial executivo ou judicial de qualquer Estado, para apoiar a Constituição dos Estados Unidos, tiver se envolvido em uma insurreição ou rebelião contra o país, ou tenha dado ajuda ou conforto aos seus inimigos. Mas o Congresso pode, por uma votação de dois terços de cada Câmara, remover essa impossibilidade.

A segunda preocupação decorreu da estrutura constitucional do país. Diante de um federalismo centrado nas prerrogativas estatais, a União teve o cuidado de inserir na 14ª Emenda dispositivos que pudessem garantir que a autoridade federal pudesse fazer valer as normas ali inscritas:

O Congresso terá poderes para fazer cumprir, por meio de legislação apropriada, as disposições deste artigo.

Assim, com base na Seção 3, a Corte Distrital do Colorado reconheceu que Trump havia cometido um ato de insurreição, mas recusou-se a impedir que seu nome constasse nas urnas daquele estado porque a Presidência não poderia ser entendida como “cargo” para fins da referida Seção.

Por mais inquietante que essa conclusão possa parecer, ela possui justificativas jurídicas – além de políticas. Isso porque a Seção 3 se refere a senadores, deputados, delegados do colégio eleitoral e outros cargos, o que permitiria uma interpretação restritiva – argumento, de pouca substância, dado o caráter exemplificativo da lista e o objetivo pretendido pela norma.

Em sede de recurso, a Suprema Corte do Colorado não só reconheceu o ato insurrecionista do ex-presidente, como entendeu que a Presidência configuraria um cargo público para os fins de aplicação da Seção 3. Diante disso, julgou que Trump não poderia constar nas urnas das eleições que acontecessem no Colorado. Todavia, suspendeu os efeitos dessa decisão até deliberação posterior da Suprema Corte dos Estados Unidos sobre o caso.

Uma decisão – não tão – unânime

Em 4 de março de 2024, um dia antes da Super Terça – evento-chave na pré-campanha dos partidos à presidência dos Estados Unidos – a Suprema Corte resolveu o caso Trump v. Anderson.[2] Em uma decisão unânime per curiam – sem que se conheça quem redigiu a decisão – a Corte entendeu que o Congresso, não os estados, seria responsável por aplicar a Seção 3 contra oficiais e candidatos federais.

Apesar da unanimidade quanto ao resultado, a decisão pode ser compreendida de 3 formas: i) 9×0; ii) 6×3; e iii) 5×4. Isso, porque apenas um dos argumentos teve adesão geral, havendo discordâncias profundas por parte da minoria liberal.

Em seu primeiro argumento, a Corte utilizou o trecho “por meio de legislação apropriada”, da Seção 5, para fundamentar a ideia de que a Seção 3 seria uma norma sem autoaplicabilidade. Caberia, portanto, ao Congresso editar uma lei com os procedimentos para a aplicação da Seção 3.

Isso é problemático, porque a própria Suprema Corte já havia reconhecido, em City of Boerne v. Flores, a autoaplicabilidade de “todas as emendas da Reconstrução”, como apontou o voto da minoria liberal, escrito pela Justice Sotomayor. Nesse sentido, a “legislação apropriada”, prevista na Seção 5, não seria uma legislação necessária para que todos usufruíssem dos direitos da 14ª Emenda, mas uma forma de garantir autoridade à União para, por meios diversos, fazer valer a 14ª Emenda quando estados deixassem de observá-la.

Em seguida, a Corte se voltou para a Seção 3. Para justificar a falta de competência estadual para desqualificar candidatos e oficiais federais, a decisão fez uma análise da história do dispositivo. Argumentou que, mesmo após a aprovação da 14ª Emenda, várias pessoas continuavam ocupando cargos em flagrante violação aos seus dispositivos. Além disso, historicamente apenas oficiais estaduais foram desqualificados por estados, mas nunca um oficial federal.

Ainda no campo da competência, sustentou a Suprema Corte que, apesar das atribuições conferidas aos estados para regerem as eleições – inclusive presidenciais – em suas jurisdições, tais prerrogativas não poderiam resultar na desqualificação de um candidato ou oficial federal, porque estes devem sua existência e “funções à voz unida de um todo, não de uma porção do povo”.

Por esses motivos, a Corte entendeu que “nada na Constituição delega aos estados qualquer poder para aplicar a Seção 3 contra oficiais e candidatos federais”. Neste ponto, a Corte tentou se valer da Seção 5 (“legislação apropriada”) para escapar do comando da 10ª Emenda, que diz que “[o]s poderes não delegados aos Estados Unidos pela Constituição, nem por ela negados aos Estados, são reservados aos Estados ou ao povo”. Assim, já que a Seção 5 supostamente delegaria ao Congresso dos Estados Unidos o poder de desqualificar candidatos federais, a 10ª Emenda não serviria de fundamento para delegação dos referidos poderes aos estados.

O último argumento é de natureza pragmática, mas com raízes no federalismo. Para a Suprema Corte, autorizar que um estado pudesse desclassificar candidatos federais afetaria o princípio de que o “presidente representa todos os eleitores da nação”.

No encerramento do voto, curiosamente, a decisão aponta que cada um dos fundamentos apresentados é “necessário para uma completa explicação para o julgamento”. Isso é peculiar porque, em geral, não é a Corte que faz a diferença entre ratio e dicta de seus votos, mas a população.

Os fundamentos vinculantes da decisão (ratio) são usualmente extraídos das decisões das cortes depois de várias leituras. Isso porque, por mais minucioso que seja o trabalho de confecção da decisão, nem sempre tribunais são capazes de antever todos os efeitos sistêmicos que podem ser extraídos de seus argumentos. [Obiter] Dicta, por sua vez, são as passagens de uma decisão que não contam com força vinculante. Tratam-se de comentários laterais que não influenciam no resultado do julgamento. Incomum, portanto, o encerramento do voto da maioria com um comentário dessa natureza.

A concorrência de Amy Coney Barrett

O voto concorrente da Justice Amy Coney Barrett, parte da ala conservadora da Corte, é curto, porém enfático. Para ela, o Tribunal deveria ter resolvido a questão apenas reconhecendo a falta de competência dos estados para desqualificar candidatos e oficiais federais com base na Seção 3. Não era necessário, em seu entender, deliberar sobre qual seria a forma adequada de desqualificar, nem quem seria competente para isso.

Barrett, entretanto, aproveitou seu voto para alfinetar a minoria liberal por seu voto concorrente “estridente”. Para ela, o momento era de apaziguamento, com foco na convergência unânime.

Barrett não está errada ao falar da necessidade da Corte de “reduzir a temperatura” em “temporadas de volatilidade” social. Entretanto, quando uma Corte busca uma decisão unânime, em razão da sensibilidade do tema, cabe à maioria, não à minoria, encontrar o tom correto da decisão que agrade a todos. Nesse contexto, a crítica de Barrett está apontada para a direção errada, uma vez que seu voto guarda mais semelhanças com o da minoria liberal do que com o da maioria.

A concorrência dissidente das liberais

A Justice Sotomayor, acompanhada por Kagan e Jackson, abre seu voto citando o voto do Chief Justice John Roberts (há rumores de que foi ele o autor da decisão) em Dobbs[3] – caso que reverteu o precedente do aborto –, para quem “se não for necessário decidir mais [de uma questão] para resolver um caso, então é necessário não decidir mais [de uma questão]”. Ecoando Barrett, Sotomayor afirmou que: “permitir que o Colorado faça isso [desqualifique candidatos federais] criaria um sistema de estado-para-estado caótico, em confronto com os princípios federalistas da nação. Isso é o suficiente para resolver este caso”.

Ao deliberar de forma mais ampla do que deveria, a Corte se afastou de sua costumeira autocontenção e fechou suas portas para eventuais desafios futuros sobre outros meios potenciais de aplicabilidade federal da Seção 3, afirmou Sotomayor.

Tratando do argumento federativo, Sotomayor invocou Chiafalo v. Washington, caso em que a Corte deu autonomia aos estados para impedir que delegados eleitorais pudessem subverter o resultado da eleição nacional. Ao tratar desse fundamento, não deixou de enfatizar que ele “apresenta uma base segura e suficiente para resolver o caso”.

Sotomayor também enfrentou a afirmação da Corte de que a Seção 3 exigiria, por meio da Seção 5, uma lei federal para ter aplicabilidade. Para ela, nada no trecho “nenhuma pessoa” ocupará cargos, da Seção 3, indica que uma legislação interposta é essencial para sua aplicação. “É difícil entender”, disse ela, “por que a Constituição exigiria uma supermaioria para remover a desqualificação, se uma simples maioria pode anular o funcionamento da Seção 3 ao se recusar a aprovar a legislação necessária para sua aplicação.”

É possível que um contexto diferente a decisão fosse outra. Se Trump estivesse enfraquecido; se houvesse outro candidato republicano forte; se alguma condenação já estivesse no horizonte contra o ex-presidente… A realidade é que, apesar do argumento federativo, outros precedentes da Corte poderiam justificar autonomia estadual para desqualificar candidatos federais, a exemplo de Shelby County v. Holder.[4] No caso, a Suprema Corte reconheceu a inconstitucionalidade de um dispositivo da Lei dos Direitos ao Voto de 1965 (Voting Rights Act), que exigia aval federal para que certos estados alterassem suas leis e práticas de voto – em razão do histórico discriminatório dessas unidades federadas.

Trata-se de uma decisão extremamente sensível, tomada em um momento igualmente delicado. O argumento federativo, junto à tradição de aversão à tecnocracia na resolução de problemas democráticos, talvez seja o mais forte, mas não se enganem, havia espaço para uma decisão em sentido oposto.

Trump v. Anderson é, portanto, uma decisão pouco consistente com as práticas e com os precedentes da Suprema Corte, ilustrando bem uma paráfrase que fazemos da lição imortalizada pelo Justice Oliver Wendell Holmes Jr: hard cases tend to to make bad law.[4].

[1] SHEAR, Michael D.; SAUL, Stephanie. Trump, in Taped Call, Pressured Georgia Official do ‘Find” Votes do Overturn Election. The New York Times, 3 jan. 2021. Disponível em: https://www.nytimes.com/2021/01/03/us/politics/trump-raffensperger-call-georgia.html.

[2] Trump v. Anderson, No. 23-719, 601 U.S. ___ (2024).

[3] BECKER, Rodrigo; SOBREIRA, David. Um adeus a Roe: 49 anos depois, a superação do precedente do aborto. JOTA, 25 jun. 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/artigos/um-adeus-a-roe-49-anos-depois-a-superacao-do-precedente-do-aborto-25062022.

[4] Shelby County v. Holder, 570 U.S. 529 (2013).

[5]  Holmes utilizou a expressão hard cases make bad law (casos difíceis fazem Direito ruim) em seu voto no julgamento Northern Securities Co. v. United States, 193 U.S. 197 (1904). Contudo, entendemos que essa ideia expressa uma tendência, não uma regra absoluta, sendo possível que casos difíceis criem um bom Direito.

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